A surpreendente decisão de dar um passa-fora no Fundo Monetário Internacional é um ponto de inflexão importante nas relações financeiras do Brasil com o mundo. Na prática significou uma espécie de ruptura e, naturalmente, deve gerar ainda mais desconfiança sobre o mercado interno, complicando as chances de eventuais tomadas de crédito no futuro. Não foi, como pareceu, uma medida de bate-pronto, no impulso. Havia ali, como não poderia deixar de ser, o dedo, sempre indevido, do mandatário Jair Bolsonaro. Ele já acumulava uma insatisfação crescente com o que considerava ingerência indevida do Fundo nas estatísticas brasileiras. Queixava-se de que a organização sempre puxava para baixo os números e, como até as pedras do Planalto já sabem, Bolsonaro não tolera ser frustrado nas suas apostas, por mais delirantes que sejam. E o previsível aconteceu: o ministro Paulo Guedes, no papel de garoto de recado, tratou de fazer uma descompustura pública com a turma do Fundo. Nada de conversa diplomática, de entendimento. Meramente a rude repreensão. “Vão fazer previsão em outro lugar”, mandou sem meias palavras, durante evento na Federação das Indústrias em São Paulo. O FMI não gostou nada da reprimenda e tratou de fechar o escritório, atendendo ao ministro, mas principalmente passando assim um recado de que as relações, dali para frente, mudariam de status. Pior para o Brasil. Não é de bom tom levantar a voz a possíveis fontes de financiamento e o Fundo é a maior delas. Ao fechar sua representação — o que deve acontecer até junho de 2022 — os técnicos do órgão passam a tratar o País com mais formalidade e, por conseguinte, menos facilidades. Programas de crédito automáticos serão desativados. O diálogo construtivo também deve ser prejudicado. As iniciativas do Fundo que reforçam auxílios internacionais em bloco a esse ou aquele parceiro não devem mais priorizar o Brasil. Em todos os sentidos, os arroubos valentões do ministro, replicando as vontades do capitão-mandatário, reconfiguram, para pior, as relações bilaterais com a entidade. A troco do quê? Da forma como transcorreu o episódio fica evidente o primarismo, quase infantil, das autoridades brasileiras. Especialistas apontam que o governo gerou mais um vexame em escala global, reiterando sua já decantada fama de inabilidade política no concerto das nações. O que poderia ser uma saída negociada virou nova afronta ridícula, capaz de suscitar dúvidas sobre as reais intenções brasileiras de cumprir compromissos, contratos e acordos. Não há nada de vantagem decorrente da briga gratuita. O deboche do ministro com organismos multilaterais vai, ao contrário, claramente prejudicando a credibilidade do País. O impacto negativo nas praças externas foi tamanha que, desde então, a bolsa brasileira — também afetada por essa postura — praticamente só registrou números negativos de lá para cá. A economista Elena Landau, que pilotou privatizações no BNDES e tem estreita proximidade com investidores de todo o mundo, definiu como uma “mancha lamentável e ridícula” a dispensa do órgão. Ilan Goldfajn, ex-presidente do BC, hoje diretor do FMI, na mesma linha, tratou como “mesquinhez” o gesto de Guedes. De uma forma ou de outra, a contrariedade do czar da economia com o Fundo não se sustenta em bases concretas. Inúmeros institutos estão apontando o recuo sistemático do desempenho da economia brasileira. Não apenas o FMI. Brigar com o arauto da informação não modifica a realidade. Mas parece que o pessoal de Brasília não entende bem isso.

Carlos José Marques Diretor editorial