A potiguar Francisca Gilcimara Mello Carvalho, de 39 anos, é empreendedora nata. Casada e com duas filhas, a moradora de Natal vende roupas e bolos para ajudar no orçamento da família. Capital de giro é recurso escasso. Até há pouco tempo, Francisca não tinha conta em banco. Agora, quando precisa comprar mercadorias ela usa o cartão de crédito do will bank (a empresa utiliza a grafia em minúsculas). “Uso o crédito só quando tenho necessidade, e resolvo tudo pelo celular.” Que, aliás, foi financiado no cartão do will bank.

O que é corriqueiro para Francisca foi uma surpresa para o CEO e fundador do will bank, Felipe Felix. O executivo já sabia que o cartão de crédito concedido por sua fintech era a primeira ferramenta financeira para 40% dos seus clientes, em sua maioria desbancarizados. Porém, ao pesquisar como eles usavam o crédito, Felix percebeu que o limite servia como capital. “Descobrimos no Ceará uma menina de 21 anos que comprava bombas d’água para revender na sua cidade”, disse.

Criado em 2017 com o nome de Pag!, o will bank sempre mirou os 45 milhões de brasileiras e brasileiros sem acesso a relacionamentos bancários. O objetivo da fintech era democratizar o crédito. Para isso, foram fechadas parcerias com pequenos comerciantes para distribuir os cartões. A estratégia funcionou. Em quatro anos foram 11 milhões de pedidos e 1,6 milhão de plásticos emitidos, que movimentaram R$ 4,5 bilhões em 2020. A meta é chegar a 2025 com 10 milhões de clientes ativos. O crescimento atraiu a atenção da XP, que neste ano injetou R$ 250 milhões de capital na empresa. Os recursos estão sendo usados para trazer pessoal qualificado para as áreas de riscos e operação.

Conhecedor da clientela, o paraibano Felix desenhou seus produtos de modo a torná-los acessíveis para quem não tinha experiência com finanças. “Qualquer cidadezinha do Nordeste tem uma agência bancária, mas as pessoas não vão porque ficam desconfortáveis com a desconfiança dos bancos”, disse. A saída foi inverter a lógica. Por meio da inteligência artificial, o will bank traça um perfil do cliente, oferece um cartão e, se houver possibilidade, uma conta digital. “Atendemos pessoas que os bancos não têm muito interesse em atender, com movimentação mensal média de R$ 1 mil.” E como a pandemia levou muitos deles a empreender, o will bank transformou-se em uma espécie de BNDES informal para os empresários da base da pirâmide. É o caso do também potiguar Istenity Kauê, de 21 anos. Morador da pequena Rodolfo Fernandes, cidade de 4,5 mil habitantes a 380 quilômetros de Natal, ele foi obrigado pela pandemia a empreender. Abriu seu próprio negócio, o GK Espetos. O limite de R$ 3,9 mil do cartão é usado para comprar papel alumínio, isopor e carnes. Kauê já pensa em aumentar o valor para investir em seu negócio.

FOMENTO Os valores que os empreendimentos de Francisca e Istenity movimentam não aparecem e não interessam ao sistema financeiro. Porém, para Virgílio Lage, analista da Valor Investimentos, as novas ferramentas financeiras serão o combustível da retomada da economia após a crise, como ocorreu nos Estados Unidos e na China. Segundo ele, em 2019 o País arrecadou US$ 9 bilhões em impostos das startups e a perspectivas é que isso aumente 45% ao ano em média. “O Brasil precisa ter esses bilhões injetados na economia todos os anos”, afirmou. “E esse mercado deve ficar cada vez mais maduro, atraindo investidores.”

De acordo com o diretor da Associação Brasileira de Empresas de Cartão de Crédito e Serviços (Abecs), Raul Moreira, o mercado evoluiu com a pandemia, graças à combinação de avanço da tecnologia e de mudanças na regulamentação e no comportamento do consumidor. “A inclusão financeira está ocorrendo principalmente por meio dos cartões, tanto os de débito e pré-pagos quanto os de crédito”, disse. Segundo a Abecs, no primeiro semestre foram realizados 7 bilhões de transações, das quais 3,8 bilhões com cartões de débito e pré-pagos. Os pagamentos cresceram 52% no segundo trimestre deste ano, movimentando R$ 609,2 bilhões.