Foi a notícia econômica do ano. E ninguém ainda é capaz de prever seus efeitos. O jovem presidente de El Salvador, Nayib Bukele, de 39 anos, anunciou que o bitcoin será uma nova moeda oficial na economia local, como já é o dólar. Assim, a nação centro-americana se torna o primeiro lugar do mundo a aceitar oficialmente a criptomoeda. De acordo com a agência Reuters, o Fundo Monetário Internacional (FMI) vê preocupações econômicas e jurídicas na decisão. Entenda o que levou o governo a essa decisão, quais seus maiores riscos e quem é o político por trás desta jogada disruptiva.

O PRESIDENTE

Millenial. Não há como falar da decisão que balançou organismos financeiros planetários, como o FMI, sem tratar de Nayib Bukele. Sua família é de origem palestino-cristã e o pai se converteu ao islamismo. O jovem presidente salvadorenho fará 40 anos dia 24 de julho. É um millenial. E assim se comporta. Vive tuitando – anunciou que adotaria o bitcoin por ali. Seu canal no Twitter tem 2,7 milhões de seguidores. Claro que nem todos são cidadãos salvadorenhos, mas a maioria esmagadora é. Equivale a 41% da população do país. Seria como a conta de Bolsonaro carregar 87 milhões de seguidores (tem muito menos: 6,7 milhões).

Comunidade praieira se torna epicentro do bitcoin em El Salvador

Carreira. Com 30 anos, foi eleito por uma coalização liderada pelo partido de esquerda FMLN para o cargo de prefeito de uma pequena cidade (Nuevo Cuscatlán). Adotou políticas de proteção social e incentivo à educação por meio de bolsas estudantis. Três anos depois, foi eleito (ainda pelo FMLN) prefeito da capital do país, San Salvador. Em 2017, rompeu com o partido de esquerda e mudou-se para um de centro direita. Em 2019, foi eleito presidente.

Política de governo. El Salvador tem 6,5 milhões de habitantes (do tamanho da cidade do Rio de Janeiro) e um PIB de US$ 27 bilhões (metade do de Brasília). Fica entre Guatemala e Honduras, na costa oeste, de frente para o Pacífico. Bukele montou um gabinete com oito homens e oito mulheres. Na política externa, estava alinhado com os Estados Unidos, mas se distanciou recentemente desde que parte de seu grupo foi acusado de desvio de dinheiro por Washington. Por outro lado, Bukele se aproxima da China, que planeja investimentos em infraestrutura, em especial no projeto Surf City, que pretende transformar a costa do país num destino turístico. No âmbito interno, em maio, junto do Congresso, destituiu os juízes da suprema corte e o procurador-geral, num ato considerado de autoritarismo. Sua popularidade em dois anos de governo nunca ficou abaixo dos 85%.

BITCOIN, O QUE MUDA

A Lei. Anunciada pelo presidente dia 5 e aprovada pelo Congresso três dias depois, a lei determina que o bitcoin pode ser usado em qualquer transação e que toda empresa deverá aceitar o pagamento na criptomoeda, exceto aquelas que não possuam tecnologia para tal. “Cada restaurante, cada barbearia, cada banco, tudo pode ser pago em dólares americanos ou bitcoin e ninguém pode recusar o pagamento”, disse o presidente Bukele em um hangout.

Câmbio. A taxa de câmbio entre as duas moedas (dólares e bitcoins) será estabelecida pelo mercado.

Fundo. A lei prevê mecanismos para minimizar riscos à população. Um fundo fará a troca da criptomoeda por dólares para qualquer salvadorenho ou pequenas empresas que queiram ficar longe de oscilações. “Eles precisam aceitar o bitcoin, mas não precisam correr o risco”, disse o presidente Bukele. “O objetivo do fundo fiduciário não será ganhar dinheiro, mas ajudar a tornar o bitcoin uma moeda com curso legal.”

Incentivos. Haverá ainda incentivos para atrair investidores estrangeiros. El Salvador é um dos poucos países do mundo sem impostos sobre a propriedade e promete também não ter imposto sobre ganhos de capital em bitcoin. E o país oferecerá residência permanente imediata para quem investir em criptomoeda na economia salvadorenha.

BITCOIN. OS RISCOS

Volatilidade. Disparadamente, trata-se do maior risco. No começo de janeiro, 1 bitcoin era vendido a US$ 29 mil. No meio de abril chegou a US$ 62 mil e domingo (13) a US$ 39 mil. Uma gangorra capaz de colapsar o cidadão médio de qualquer país. Por esse motivo El Salvador pensou na criação do fundo para os moradores locais que queiram trocar seu bitcoins por dólares imediatamente.

Dinheiro suspeito. Outro ponto que chama a atenção dos críticos é que o bitcoin, por dificilmente ser rastreável, facilitaria crimes como lavagem de dinheiro, corrupção ou extorsão. Ciberataques cada vez mais são feitos para pedir das empresas e instituições vítimas pagamento em criptomoedas.

BITCOIN VANTAGENS

Desbancarizados. Como ocorre em países pobres e desiguais, parte considerável da população acaba não tendo acesso ao sistema bancário. Segundo o Ministério da Economia de El Salvador, no país 70% dos habitantes não têm acesso a serviços financeiros tradicionais. Com a Lei do Bitcoin, basta um celular e conexão à internet para se tornar um bancarizado. Maior quantidade de dinheiro em circulação e em maior velocidade significa crescimento da economia.

Remessas. Parte da população salvadorenha migrou, em especial para os Estados Unidos, para fugir da pobreza. Estima-se que cerca de 20% do PIB do país venha de remessas feitas por seus cidadãos vivendo no exterior. No ano passado, apesar da pandemia, foram US$ 6 bilhões recebidos dessa maneira. Com a criptomoeda a desintermediação (taxas podem morder hoje até 30% das remessas) significa dinheiro diretamente no bolso da população.

El Salvador fez seu all in. E o mundo vai olhar para lá como nunca antes