Todo homem honesto consigo mesmo admite que já derrapou em um episódio de misoginia na vida – ou seja, de alguma maneira foi preconceituoso em relação a uma mulher. E é bem possível que a derrapada tenha sido tratá-la com condescendência, como se a mulher fosse desprovida de inteligência ou de capacidade para compreender coisas simples da vida – números, dinheiro, máquinas, mapas, negócios,  piadas. A lista é longa.

Foi a partir de (mais) um episódio desses no Twitter que a escritora americana Nicole Tersigni acabou por criar um dos perfis mais inusitados dessa rede social. Atraiu tanta atenção com seus posts cheios de humor que eles foram reunidos em um livro, Men to Avoid in Art and Life, lançado esta semana nos Estados Unidos (sem previsão por aqui, mas já existe a versão para ser baixada no Kindle). Na largada, “Homens para Evitar na Arte e na Vida”, em tradução livre, entrou de cara na lista dos mais vendidos da Amazon e ganhou elogios nada menos que do jornal The New York Times.

Como toda mulher, Nicole Tersigni é escolada (e escaldada) nesse tipo de derrapada masculina que, de tão comum, ganhou até um nome: mansplaining,  a junção das palavras “homem” e “explicação” em inglês. O que ela fez foi recriar os momentos de mansplaining que viveu, testemunhou ou ouviu das amigas em posts que juntam pinturas clássicas de cenas sisudas e pomposas, com homens e mulheres em situações do dia a dia, e legendas espirituosas. Dá para rir, muito. E são pedagógicas exatamente por isso.

Numa delas, uma mulher observa um ourives manipular uma balança simplesinha enquanto o homem atrás dela comenta, preocupado: “Deixa ele terminar de mostrar pra você como isso funciona, querida. Balanças podem ser bem difíceis…” Em outra, o sujeito se dirige, todo pimpão, à mulher que toca um alaúde: “Ah, eu sei que você faz isso profissionalmente e eu não, mas ainda assim vou te dar algumas dicas…”. Tem também a cena que Tersigni interpretou como sendo do chefe que abraça carinhosamente a funcionária: “Escuta, eu até daria uma promoção a você. Mas fico tão preocupado, essa responsabilidade extra pode acabar sendo muito estressante…”.

A edição do livro teve o capricho de separar a condescendência masculina em cinco perfis de diferentes graus. Tem o Mansplainer em estado bruto que, lembra a escritora, explica tudo mesmo quando não é solicitado – apenas porque é um homem, e é assim que um homem deve agir (na concepção dele, claro). O Preocupado, que não perde a chance de demonstrar, com seu cuidado extremo, o quanto desconfia da capacidade da mulher de cuidar de si mesma. O Engraçado, que recheia a fala com brincadeiras de gosto duvidoso sobre mulheres, em especial quando fala com uma, para entrar no universo dela (de novo, na concepção do perfil masculino). O Especialista em Sexo, que sabe mais sobre a anatomia, os sentimentos e desejos de uma mulher do que a própria, e faz questão de decifrar tudinho para ela. E, por fim, o Arrogante, aquele que nasceu sabendo mais do que todas as mulheres juntas e é mestre em dizer coisas do tipo “não vou continuar esta conversa se você continuar agindo como uma histérica”. Da boca dele sai também, com frequência, o clássico dos clássicos: “Fique calma…”.

O sucesso instantâneo do perfil e do livro está certamente ligado à identificação das mulheres, a maioria dos seus seguidores no Twitter, com essas microagressões (sim, o nome é esse) tão cotidianas e comuns quanto incômodas. Há muitos homens também entre esses seguidores, alguns suficientemente honestos para agradecer a oportunidade de perceber onde andam errando e dizer que querem mudar. Mas como acontece nas redes sociais, basta seguir o longo fio de comentários em cada um dos posts para encontrar de tudo um pouco. Até os marmanjos que tentam explicar à autora, cheios de condescendência, que nem todos os homens são assim. Coisa que Nicole Tersigni já sabe – confirmando apenas que a sua ideia despretensiosa virou um  livro que tem tudo mesmo para ser best seller.