A decisão do Banco Central (BC) de manter a taxa de juros referencial Selic estável em 2% ao ano era amplamente esperada. Ninguém previa um resultado diferente na mais recente reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), realizada nos dias 15 e 16 de setembro. No entanto, essa estabilidade da Selic não indica calmaria no mercado financeiro. Muito pelo contrário. Nas últimas semanas o movimento dos juros têm sido intenso e imprevisível. As taxas dos títulos públicos negociados no Tesouro Direto, tanto os prefixados quanto os pós-fixados, subiram nos últimos dias (observe o quadro) e os participantes do mercado financeiro têm exigido remunerações mais elevadas para comprar papéis mais longos. Como o Tesouro não tem concordado, o mercado está em xeque. “Não há dificuldade para a venda de títulos públicos de curto prazo, a liquidez é abundante, mas com os títulos mais longos é diferente”, disse o co-fundador e CFO do Banco Bari, Evaldo Perussolo. “A incerteza com a manutenção do teto de gastos, que está em discussão no Congresso, vem agitado o mercado.” Os números provam isso. As taxas dos títulos mais longos subiram nos últimos dias, tanto para os prefixados quanto para os pós-fixados, corrigidos pela inflação.

Essa indefinição em relação ao teto de gastos vem deixando o BC em uma situação desconfortável, e os comunicados emitidos após a mais recente reunião do Copom mostram isso. Ninguém esperava uma decisão diferente da manutenção dos juros em 2% ao ano. No entanto, a percepção do BC com relação à economia era amplamente aguardada. E os textos divulgados confirmaram o que os especialistas previam. A saber: pelo livro-texto, os juros deveriam cair mais.

Roberto Campos Neto, presidente do BC: pouco espaço para novas reduções nos juros (Crédito:Divulgação)

Na manhã da quinta-feira (24), o BC divulgou a edição mais recente do Relatório Trimestral da Inflação (RTI), com uma projeção de retração de 5% no Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. É um resultado melhor do que a queda de 6,4% prevista no relatório anterior, mas ainda assim é um resultado tenebroso. Mais do que isso, a expectativa de inflação medida pelo IPCA está ao redor de 2%, no piso da faixa definida para as metas de inflação. Qualquer primeiranista de Economia recomendaria reduzir ainda mais os juros e aumentar os estímulos monetários (como redução dos depósitos compulsórios) para injetar dinheiro na economia e vitaminar o crescimento. Roberto Campos Neto, presidente do BC, sabe bem disso. No entanto, a Ata da reunião do Copom deixou claro que o Comitê está de mãos atadas. Está lá, no parágrafo de número 15: “os juros baixos sem precedentes podem comprometer o desempenho de alguns mercados e setores econômicos, com potencial impacto sobre a intermediação financeira. (…). [O] Comitê concluiu que o sistema financeiro apresenta resiliência frente ao risco de crédito. [Contudo] o Comitê refletiu que um ambiente com juros baixos sem precedentes pode gerar aumento da volatilidade de preços de ativos e afetar o bom funcionamento e a dinâmica do sistema financeiro e do mercado de capitais.”

RISCO FISCAL O que colocou o BC em xeque foi o ambiente político. Há pouco mais de quatro anos, em julho de 2016, quando Ilan Goldfajn assumiu a presidência do Banco Central, a Selic estava em 14,25% ao ano. Quando ele deixou o cargo, em fevereiro de 2019, os juros haviam caído para 6,5% ao ano. E continuaram recuando na gestão de Campos Neto, até a atual baixa recorde. Isso só foi possível devido à aprovação do Teto de Gastos pelo Congresso ainda durante a gestão de Michel Temer. Se isso mudar, o cenário será drasticamente alterado. “A Selic atual está ancorada na manutenção da estabilidade fiscal”, disse o diretor do Asa Bank, Carlos Kawall. Segundo Kawall, dadas as condições da economia, a política monetária teria de avançar ainda mais nos estímulos, reduzindo os juros e injetando liquidez na economia. “Mas isso não vai ocorrer, devido à necessidade de manter a estabilidade financeira”, disse ele. Ou seja, enquanto pairarem dúvidas nessa entidade conhecida como mercado – que nada mais é do que milhares de pessoas tentando obter uma rentabilidade melhor para seu dinheiro – de que o teto de gastos será respeitado, os juros não vão cair e a volatilidade vai perdurar.

“Redução da selic de 14,25% em 2016 para 2% ao ano foi ancorada pela expectativa de estabilidade fiscal”