Como ocorre em todas as semanas seguintes à da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o Banco Central (BC) divulgou uma ata da reunião às 8:30 da manhã da terça-feira (25). No entanto, o resultado desse ato burocrático foi bastante diferente da rotina. A decisão, tomada na semana anterior, de manter a taxa referencial Selic em 2% ao ano não surpreendeu ninguém. Porém, a Ata movimentou bastante as expectativas dos profissionais do mercado financeiro. Até a última reunião do ano passado, realizada em dezembro de 2020, os prognósticos eram de que a Selic permaneceria no patamar atual pelo menos até o fim do primeiro semestre deste ano. Agora, poucos especialistas duvidam que os juros referenciais vão começar a subir já na próxima reunião do Copom, marcada para março.

Nas entrelinhas do texto, é possível perceber que alguns dos membros do Comitê defenderam a elevação dos juros já na reunião encerrada no dia 20 de janeiro. O economista-chefe e sócio da gestora Mauá Capital, Alexandre Ázara, avalia que a Ata foi muito mais dura do que o esperado, e também mais firme do que o Comunicado, divulgado logo após a reunião do Copom. Segundo Ázara, é possível entender que há, no Comitê, a discussão sobre a conveniência ou não de se manter o grau “extraordinariamente elevado” de estímulo econômico, adotado em maio do ano passado para conter o impacto da pandemia sobre a economia. A referência a um “processo de normalização parcial” é um sinal de que o BC pode iniciar um ciclo de alta dos juros antes do esperado.

Essas indicações mudaram as expectativas dos profissionais do mercado. A maioria aposta em uma elevação de 0,25%, embora mais de uma casa crave alta já de 0,5%. A edição mais recente do Boletim Focus, elevou a Selic projetada para dezembro de 3,25% para 3,50% ao ano. E muito provavelmente, as edições subsequentes desse levantamento mostrarão novas correções nas expectativas. Segundo o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita, a ata do Copom “eliminou possíveis dúvidas sobre o senso de urgência das autoridades”. “Ela mostra que as autoridades consideraram um aumento de juros na reunião e praticamente se comprometem com uma elevação em março”, disse ele em um comunicado enviado a clientes do banco.

INFLAÇÃO E GASTOS As causas para essa mudança drástica são duas. A primeira é mais objetiva, o aumento dos preços. Até agosto do ano passado, a desaceleração da economia realizada pela pandemia fez com que a inflação medida pelo IPCA rodasse ao redor de 2,3% ao ano. Apenas quatro meses depois, a alta das commodities, do petróleo e da energia elevou esse percentual para 4,5% ao ano. Não por acaso, na Ata, o Copom elevou para 3,6% o IPCA previsto para este ano. Ainda abaixo da meta de 4%, mas acima das projeções do mercado.

A segunda causa é um pouco mais subjetiva, e por isso mesmo mais grave. Desde maio, o BC vem estimulando a economia de maneira “extraordinariamente elevada”, segundo suas próprias palavras, para conter os efeitos danosos da pandemia. Esse estímulo não se limita à manutenção da Selic no patamar muito baixo em que se encontra. Também inclui medidas de reforço à liquidez, com a expansão de linhas de crédito e recompra de títulos. Isso contribui para o desequilíbrio das contas públicas, em especial com uma economia global menos aquecida do que o esperado.

Logo no início da reunião, o Comitê analisou a economia internacional e as conclusões não foram positivas. O aumento do número de casos e o aparecimento de novas cepas de coronavírus deverão afetar a atividade econômica global no curto prazo. Por isso, os bancos centrais dos países desenvolvidos devem continuar mantendo frouxas suas políticas monetárias. Isso será favorável para as economias emergentes. Porém, como o cenário brasileiro é frágil em termos fiscais, não há garantia de que essa bonança para os emergentes inclua o País. A Ata foi clara. “A incerteza sobre o ritmo de crescimento da economia permanece acima da usual, sobretudo para o primeiro trimestre, quando os efeitos dos auxílios emergenciais devem arrefecer.”

INVESTIMENTOS O impacto sobre os investimentos não demorou. Na semana entre a divulgação do Comunicado, no dia 20, e a quarta-feira (27), o Ibovespa apresentou uma desvalorização de 3,1%, tendo amargado cinco quedas consecutivas, algo que não ocorria desde os primeiros tempos da pandemia. Já o dólar trafegou no sentido inverso. Nos dois dias após a divulgação da Ata, a taxa de câmbio desvalorizou-se 2,2% e a moeda americana caiu de R$ 5,51 para R$ 5,38. O prognóstico dos juros mais altos foi interpretado pelo mercado como um atrativo para que especuladores internacionais resolvam apostar contra o real brasileiro, trazendo mais dólares para cá.

O Banco Central tem o importante papel constitucional de ser o guardião do valor da moeda nacional no longo prazo. Em português de dia de semana, isso quer dizer que cabe ao BC conter a inflação quando a irresponsabilidade do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário desequilibra o orçamento, amplia os gastos acima da arrecadação e força o Tesouro a emitir moeda. Assim, não deve demorar muito tempo para que Roberto Campos Neto, presidente do BC, tenha de aplicar a única vacina de sua farmacopeia contra uma alta consistente nos preços: elevar os juros, para desacelerar uma economia já exânime e impedir que o dragão volte a assombrar os brasileiros.