Alegria para alguns, decepção para outros. A decisão do governo federal de prorrogar por mais dois meses a concessão do auxílio emergencial, além das três parcelas que já estavam prometidas, chegou como um alento para a cambaleante economia brasileira neste ano, que deve encolher entre 6% e 9%, segundo projeções do mercado financeiro. No entanto, a decisão de reduzir pela metade – de R$ 600 para R$ 300 – o valor da ajuda é vista com preocupação. A medida deve tirar de circulação cerca de R$ 25 bilhões por mês, uma redução da dose do remédio com o paciente ainda na UTI. “Muito se fala do custo de manter a política (do auxílio emergencial) até o fim do ano, mas a gente precisa pensar no custo líquido. Sem o benefício, a atividade econômica vai cair mais, e aí há impactos nas contas públicas da mesma forma”, afirma a economista Débora Freire, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Para ela, a quantia de R$ 300 é insuficiente para atenuar os impactos da crise sobre famílias e empresas.

O governo não pensa assim. O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirma que a redução do valor se dá em paralelo com a retomada das atividades em grande parte do País, o que deve complementar o dinheiro necessário para a volta da normalidade. “E depois, a economia entra em fase de decolar novamente, atravessando as duas ondas (da pandemia e do desemprego)”, disse Guedes, durante a 34ª Reunião do Conselho de Governo. A recusa da equipe econômica em manter a ajuda em R$ 600 é matemático. Na última semana, o secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, divulgou que a prorrogação do auxílio emergencial por mais dois meses elevaria o custo do programa para um valor entre R$ 202 bilhões e R$ 203 bilhões, comprometendo a capacidade fiscal do governo. Com o novo valor, essa despesa fica dentro de um limite aceitável.

O auxílio emergencial ganhou contornos políticos, com o presidente Jair Bolsonaro jogando gasolina na fogueira. Após a reunião interministerial da terça-feira (9), Bolsonaro disse que aceitaria aumentar o valor do auxílio emergencial se deputados e senadores reduzissem os próprios salários. De acordo com ele, se o Congresso quiser que as duas parcelas extras sejam de R$ 600, os parlamentares terão de indicar a fonte da despesa. “Tem parlamentar que quer mais duas de R$ 600. Tudo bem, se tivermos um programa para diminuir o salário dos parlamentares, pela metade, parte seria usada para pagar isso aí”, disse. O presidente destacou que o pagamento de cada parcela do auxílio custa entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões. “Não tem possibilidade de a nossa dívida continuar crescendo dessa maneira.”

RENDA BRASIL Simultaneamente à decisão de cortar pela metade o auxílio emergencial, o governo Bolsonaro tratou de renomear o Bolsa Família, programa de distribuição de renda que se tornou um cartão de visita do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Além do novo nome, chamado de “Renda Brasil”, Guedes disse que a iniciativa vai unificar diversos programas sociais. “Estávamos em um nível de emergência total a R$ 600. Vamos começar agora uma aterrissagem, com a unificação de vários programas sociais no Renda Brasil, que o presidente vai lançar”, afirmou Guedes. Segundo o ministro, durante a pandemia, o governo enxergou que há “38 milhões de brasileiros invisíveis e que também merecem ser incluídos no mercado de trabalho”. “Vamos lançar um programa Verde e Amarelo. Só que agora nós sabemos quem são esses cidadãos. Nós digitalizamos e temos o endereço de cada um. Vamos formalizar esse pessoal todo. Eles são brasileiros como todo mundo e eram invisíveis”, disse.

Sérgio Lacerda Nunes, doutor em políticas públicas e coordenador do núcleo de estudos econômicos de caráter social da Universidade Federal da Bahia (UFBA) afirma que ainda é cedo para compreender o objetivo do programa, que neste momento funciona apenas como “cortina de fumaça para desviar a atenção para a falta de um projeto de retomada econômica”. Para o acadêmico, caso se confirme a indicação de Guedes, de que será possível mapear esses 38 milhões de brasileiros por meio de um Imposto de Renda negativo, também criará outro dilema. “Haverá uma forte desbancarização, isso porque o incentivo do governo será em não declarar a renda para conseguir benefícios sociais”, disse.

DINHEIRO NA MÃO Em todo o Brasil, filas de pessoas em busca do auxílio de R$ 600 continuam se formando nas agências da Caixa. (Crédito: Mineto)

Na visão do acadêmico, a melhor métrica de definir repasses ou redistribuição de renda se dá por meio das crianças. “Todos os países que enfrentaram a desigualdade faziam transferência de renda de acordo com o número de crianças no lar. Essa solução visa o aumento de renda de forma autônoma dessa criança quando chegar na fase adulta”, disse ele. De qualquer forma, a unificação de serviços sociais pode, sim, facilitar o acesso ao benefício. “Sou a favor de unificar, porque a família consegue ter dimensão de qual renda contará e o governo terá mais facilidade de achar deformidades”, afirma. Enquanto se discute nomenclaturas e bandeiras, o fato é que o auxílio emergencial, da forma como está posto hoje, já seria de grande ajuda para a população e para a economia. Se a prorrogação se desse na casa dos R$ 600 a trabalhadores informais até o fim do ano, 45% do dinheiro voltaria aos cofres da União por meio de impostos e receita com a atividade econômica, de acordo com cálculos do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG. A estimativa considera os desdobramentos de um programa tão vultoso de transferência de renda sobre o consumo e a atividade das empresas, com consequente aumento na arrecadação de tributos. A partir dos dados, os especialistas argumentam que a manutenção do auxílio até o fim deste ano evitaria mergulhar o País em uma recessão profunda.

Nos cálculos dos economistas, o pagamento do auxílio por apenas três meses atenua a recessão no segundo trimestre em 0,44 ponto percentual a cada 1% de queda prevista no cenário base – sem a adoção da medida –, com efeitos apenas residuais nos períodos seguintes. Já com a manutenção do benefício até dezembro, o impacto acumulado chega a 0,55 ponto percentual de melhora a cada 1% de queda no cenário base até o fim do ano e se estende para 2021, com 0,31 ponto percentual de melhora. “Assegurar o benefício até o fim de 2020, do que por três meses, gera um impacto positivo cinco vezes maior ao final de 2021”, diz a nota assinada pelos economistas Edson Domingues, Aline Magalhães, Thiago Simonato e Diego Miyajima. Chamar de auxílio, bolsa, ajuda ou repasse pouco importa. O fato é que dinheiro no bolso do brasileiro volta diretamente para atividade econômica.