O intento do governo de garantir no Congresso os recursos extras para as suas ações sociais, às vésperas de uma eleição, foi bem-sucedido. Ele recebeu o sinal verde, com folga, nas duas casas legislativas e parte agora para capitalizar a vitória, tentando transformar o agrado em votos. A questão de fundo que afeta tal mobilização, e que pode comprometer seus resultados, é o quanto de efetividade tal aceno trará na melhoria de vida dos mais carentes. Pelo visto pouco. As razões estão plantadas na própria escala de prioridades da gestão Bolsonaro. Para fazer o Auxílio Brasil turbinado, os técnicos da pasta econômica tiveram de tirar verbas essenciais de áreas estratégicas como a da Educação, Saúde e Habitação. Os cortes nesses setores vinham sendo frequentes e chegaram ao ponto de valores mínimos, comprometendo programas vitais para as camadas mais pobres como o do Farmácia Popular e o do Casa Verde Amarela. Em outras palavras, enquanto deu com uma mão, tirou com outra. Esse câmbio de medidas pode funcionar brevemente para iludir os beneficiários que irão acreditar estar ganhando mais. Porém, sua qualidade de vida tem afundado de tal maneira que, na soma, o auxílio não vai compensar. A ajuda em si, no patamar de R$ 600 por família, já tem enfrentado sérios problemas de logística, deixando de lado milhões de indivíduos realmente necessitados para atender — em desvio de finalidade — parentes de aliados e apoiadores. Porém, mais grave, é o fato de esse auxílio nem sequer estar conseguindo combater a chaga da fome que se alastra assustadoramente. O problema já atinge mais de 21,5% dos domicílios que recebem o auxílio, chegando a 44,3% dos beneficiários mais pobres, que têm renda per capita de até um quarto de salário mínimo (300 reais por pessoa). A fome aguda, que atinge mais de 33 milhões de pessoas, segundo levantamentos recentes, também castiga e condena quase 60 milhões de habitantes a algum grau de carência alimentar. O Auxílio Brasil não cobre o universo. As famílias estão literalmente disputando ossos e pele de frango em centros distribuidores de alimentos e caçando restos em caminhões de lixo. São cenas reais dos tempos do governo Bolsonaro, que elevou à enésima potência o drama. Os famintos por aqui já são o dobro dos existentes há dois anos. O populismo fiscal para sair bem na fita não é capaz de apagar da memória, muito menos abrandar, as dificuldades rotineiras que castigam a população. Os níveis de miséria são alarmantes e a vergonhosa gambiarra com parlamentares foi uma escapatória com mero objetivo de campanha à reeleição, enquanto as dificuldades estruturais, que decorrem da ausência de atendimento do Estado por anos, seguem vivas. Mesmo auxiliares do presidente acalentam dúvidas sobre a efetividade da escolha em curso. Entre o discurso de que tudo vai melhorar e a sensação real dos mais sofridos vai um fosso enorme. O Auxílio em um patamar, decerto, acima do esperado — ele era inicialmente calculado para ficar na casa de R$ 400 — pode até funcionar em material de propaganda, mas é menos eficaz do que imagina a vã filosofia do governo.

Carlos José Marques
Diretor editorial