A última semana foi a mais tensa no mercado de petróleo desde a explosão da Guerra do Golfo, em 1991. No sábado 14, a notícia de que os rebeldes houthis, do Iêmen, supostamente patrocinados pelo governo de Teerã, haviam atacado e destruído a refinaria de petróleo saudita Abqaiq e o campo de exploração Khurais deixou os investidores em polvorosa. Na segunda-feira 16, primeiro pregão após o atentado, os preços explodiram. A cotação do barril do tipo Brent, que serve de referência para os produtores do Oriente Médio, disparou. Subiu de US$ 60,22 para US$ 69,02, uma alta de 14,6% na Bolsa de Londres. Ao longo da segunda-feira, chegou a ser negociado a US$ 70,88, o maior alta em um único dia desde que as tropas americanas desembarcaram no Kwait para desentocar os exércitos de Saddam Hussein. Nos dias que se seguiram, a tensão diminuiu e os preços retrocederam, fechando a US$ 64,44 na quinta-feira 19.

Greve na memória: temor de que novos reajustes nos combustíveis motivem protestos e paralisações levou o presidente Bolsonaro a segurar por duas vezes a alta da gasolina e do diesel (Crédito:Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O ataque por drones também caiu como uma bomba nas expectativas dos investidores com relação à Petrobras. Durante a semana, suas ações oscilaram violentamente. A reação da empresa ao atentado é, até agora, o teste mais difícil enfrentado pelo discurso liberal do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes. As cotações do óleo dispararam porque o atentado pode reduzir à metade a produção de petróleo saudita, provocando um impacto profundo no mercado. Com uma produção de 10,3 milhões de barris por dia em 2018, a Arábia Saudita também é a maior exportadora do mundo e o ataque pode reduzir em 5% a oferta global. Autoridades dos Estados Unidos, um aliado histórico do reino, disseram acreditar que o restabelecimento total das atividades em Abqaiq levará até um mês. Apesar de o príncipe Abdel Aziz bin Salman, ministro do petróleo saudita, ter anunciado que as atividades voltarão ao normal no fim de setembro, a incerteza permanece e os preços devem demorar para voltar aos níveis anteriores ao ataque.

Essa turbulência tornou-se uma prova de fogo para a Petrobras. A questão mais fulcral para a estatal é definir quanto dos aumentos de preço são repassados para o mercado interno. O assunto está longe de ser trivial. Durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff, a estratégia de “repasse zero” levou a companhia perto da insolvência. A política mudou durante a gestão de Michel Temer e a Petrobras passou a anunciar reajustes quase diários. O resultado foi a maior greve de caminhoneiros da história. Em protesto contra as altas do diesel, eles estrangularam o abastecimento ao cruzar os braços nos últimos dias de maio. Em um país tão dependente do modal rodoviário quanto o Brasil, quando os caminhões param, a economia engata uma marcha à ré: no fim de abril, a pesquisa Focus, do Banco Central (BC) indicava expectativas de crescimento de 2,84% em 2018. No fim de junho, quando o impacto da paralisação já havia sido inserido nos prognósticos, a expectativa havia caído para 1,55%. No fim da história, o crescimento de 2018 ficou em esquálidos 1,1%, boa parte devido ao impacto da greve, que azedou as expectativas.

Intervir ou não intervir?: o ministro da Economia, Paulo Guedes (à esq.), defende que a Petrobras tenha autonomia para definir sua política de preços, para evitar desgaste de imagem com o mercado, mas o presidente Bolsonaro tem demonstrado incômodo com o custo político das oscilações de preços (Crédito:Mateus Bonomi / AGIF)

Por isso, os investidores retiveram sua respiração por quarenta e oito horas. Para evitar uma nova greve, a primeira reação do governo foi afirmar que não haveria alteração de preços nas bombas. Na noite da segunda-feira 16, em entrevista ao Jornal da Record, concedida ainda no hospital onde se recuperava de uma cirurgia, Jair Bolsonaro afirmou que havia conversado com o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, e que não seria repassada a oscilação ao preço dos combustíveis por se tratar de uma volatilidade pontual. Isso fez as ações da empresa desabarem nos dois pregões seguintes. No entanto, na noite da quarta-feira 18, a estatal anunciou um aumento de 3,5% na gasolina e 4,2% no diesel a partir da quinta-feira 19. Ao meio-dia, os papéis subiam quase 1,7%. Entre um evento e outro, tudo indica que pesou a necessidade de dar um recado aos investidores de que a companhia define por conta própria sua política de preços, sem intervenção direta do Planalto.

Um relatório do banco UBS afirmou que a Petrobras não conseguiu acompanhar os últimos eventos de oscilação internacional dos preços. Isso provocou perdas significativas no negócio de refino. “Esse evento pode ser um teste importante sobre quão sólida é a política de preços. Nós agora vemos uma situação desafiadora para a companhia, uma vez que esperamos que o preço do petróleo salte e o real potencialmente se deprecie”, escreveram os analistas do banco suíço. Outros especialistas concordam. “Tudo vai depender de quanto tempo essa crise e o preço mais alto vão durar”, diz Maurício Canêdo, professor da Fundação Getulio Vargas. “Ainda que constatemos em breve que os danos não foram tão grandes e que a produção saudita voltará à normalidade em pouco tempo, só o risco de novos ataques pode elevar o preço por mais tempo. Pode não ser algo tão passageiro.” Segundo Canêdo, a decisão foi um teste para ver se a Petrobras vai, consistentemente, repassar as variações dos preços internacionais para as refinarias e para os consumidores, ou continua sujeita a pressões de grupos organizados e vai controlar os preços.

Estatal liberal?: a intervenção direta de Bolsonaro na Petrobras, em abril, foi criticada pelos agentes financeiros e fez a estatal perder R$ 32 bilhões em seu valor de mercado (Crédito:Divulgação)

Esse não foi o primeiro teste neste governo. Durante um ciclo de aumento das cotações internacionais, em abril, quando o petróleo chegou a US$ 72, o presidente pediu que a Petrobras suspendesse o reajuste do preço do diesel, com medo de uma nova paralisação de transportadores em escala nacional. Os caminhoneiros estiveram entre os principais cabos eleitorais do candidato Bolsonaro, por isso a decisão pegou muito mal. Surpreendeu até o ministro Guedes, chamado pelo presidente de Posto Ipiranga durante a corrida eleitoral. Em abril, a intervenção direta de Bolsonaro, que lembrou a relação da estatal com os governos petistas de Lula e Dilma, foi criticada pelos agentes financeiros e fez a estatal perder R$ 32 bilhões em seu valor de mercado. “Caso a Petrobras não reajustasse os preços, estaria perdendo rentabilidade e faria o mercado interpretar como uma nova intervenção, fazendo as ações despencarem”, afirmou Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE).

Paradoxalmente, a incerteza sobre o reajuste chegou em um momento em que os analistas começam a olhar a estatal com olhos mais positivos. A empresa está reduzindo seu endividamento por meio da venda de ativos. Até o fim de julho, ela já tinha levantado US$ 15 bilhões com a venda da rede de gasodutos nas regiões Norte e Nordeste (TAG) e a privatização da BR Distribuidora. A Petrobras também já fez um acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão regulador da concorrência no país, para abrir os mercados de refino e de gás natural. A Petrobras responde por 98% do mercado de refino nacional de petróleo, com 17 companhias. Oito delas deverão ser postas à venda, respondendo por quase metade da capacidade de refino do Brasil. A lista inclui a problemática refinaria Abreu e Lima, um dos símbolos da corrupção na estatal descoberta na Operação Lava-Jato. Tudo isso leva os investidores a estar mais propensos a comprar os papéis da estatal. Desde que a política do repasse não se enrede nos meandros da retórica. A conferir.