Define-se na filosofia existencialista, em especial a defendida pelo francês Jean Paul Sartre, que não somos o que fizeram de nós, mas sim o que fazemos com o que fizeram de nós. E este entendimento retrata a situação em que o ministro Paulo Guedes se encontra. De Posto Ipiranga a posto de lado, o chefe da economia brasileira encolheu depois da insistência do presidente Jair Bolsonaro em desviar do caminho do liberalismo defendido na campanha eleitoral. Na sombra por mais de um ano, Guedes montou um novo plano de ataque e esperou que a tempestade perfeita se formasse no horizonte. E ele acredita que ela chegou. “São mudanças estruturais que fazem parte dos nossos planos desde o início do mandato”, informou o ministro Paulo Guedes à DINHEIRO. “Passado o imbróglio do Orçamento, cabe agora a discussão com o Congresso sobre como fazer as mudanças acontecerem. O momento é propício.”

Não deixa de ser um voto de confiança que, como todo voto de confiança, embute desconfiança. Até porque em declaração recente ele foi categórico: “Agora vem a eleição? Vamos para o ataque”. O que pode ser lido como movimentar a agenda reformista, como prometido em 2018, e que até então seguia engavetada, ou aderir de vez a medidas orientadas somente à reeleição do chefe, como demonstrado desde 2019. O fato é que chance para mudar ele terá. Com a CPI da Covid tirando o sono dos palacianos e dominando a atenção da imprensa e da oposição, a popularidade do presidente em queda e a aproximação da eleição, abriu-se espaço único para que pautas econômicas tivessem menos resistência no Congresso – principalmente após o acordo com o Centrão. Com isso em mente, ele aproveitou todas as oportunidades na agenda com empresários e agentes do mercado para reforçar que o momento é ideal para mudanças estruturais, reforçando que há apoio no Congresso e um ambiente político favorável. Nas últimas duas semanas, Guedes fez pelo menos oito aparições em eventos com empresários e o tema foi tratado em todas elas como fato consumado.

O primeiro sinal positivo para os planos de Guedes aconteceu dia 19 de maio, com o início da desestatização da Eletrobrás. Ainda incipiente e cheia de “jabutis”, a aprovação tem um valor simbólico relevante. Com essa bandeira verde, outros sete projetos parados no Legislativo podem ganhar celeridade. No calendário do ministro, o primeiro passo seria avançar com a reforma tributária. Mas, em vez de uma mudança complexa, o governo vai propor uma modificação simples. “É o que dá para fazer”, disse, durante evento do BTG Pactual. A resposta se deu após o fracasso das duas propostas em andamento no Legislativo, a PEC 45/2019 e a PEC 110/2019. Para evitar o fracasso, Guedes afirmou que o governo enviará um texto simplificado e que será “difícil alguém ficar contra.”

Para que as duas Casas tenham atuação, o plano do ministro é que o Senado seja responsável por analisar a nova proposta de Refis, programa de renegociação de débitos tributários de empresas com descontos, além da reforma do ICMS e do ISS. Na outra ponta, a Câmara dos Deputados analisará mudanças nos impostos federais, como Imposto de Renda (IR) de pessoas físicas e jurídicas, incluindo dividendos, mecanismo de distribuição de lucros aos acionistas que hoje é isento de impostos, mais IPI, PIS e Cofins, que serão reunidos em uma mesma contribuição com alíquota única de 12%.

MÃOS À OBRA Um dos planos de Guedes é destravar o setor ferroviário criando novo modelo de concessões que facilite os próximos contratos do setor. (Crédito:Dida Sampaio)

ENGATILHADO Outro assunto importante para Guedes é o Projeto de Lei (PL) 3178/2019 que trata da partilha de petróleo e gás. Em linhas gerais, ele revoga o direito de preferência da Petrobras nas licitações do regime de partilha de produção. A proposta também garante ao Conselho Nacional de Política Energética a decisão sobre a escolha do regime jurídico de exploração e produção de petróleo e gás natural nos leilões do pré-sal. O texto está parado na Comissão de Infraestrutura há três meses. Some-se a ele o Projeto de Lei Suplementar (PLS) 261/2018, que trata de uma nova regulamentação para as ferrovias. Neste caso, o objetivo é criar uma exploração indireta pela União do transporte ferroviário em infraestruturas de propriedade privada entre portos brasileiros e fronteiras nacionais. Sob relatoria do senador Jean Prates (PT-RN), deveria ter sido pautado em novembro pela Comissão de Infraestrutura, mas foi adiado por causa das discussões sobre o Orçamento e segue estacionado durante a CPI da Covid.

Um dos temas defendidos por Guedes é o Projeto de Lei Complementar (PLP) 137/2020 que garantiria o uso de fundos públicos no combate à pandemia. De acordo com o ministro, tal medida seria essencial para que houvesse recursos que garantissem tanto medidas sanitárias quanto de segurança social aos mais vulneráveis. A proposta consiste em usar os saldos do superávit financeiro de diferentes fundos públicos para o enfrentamento da pandemia. O texto está parado no plenário do Senado desde 11 de março.

Antiga demanda do mercado financeiro, o Projeto de Lei (PL) 5387/2019 cria um novo Marco Legal do Mercado de Câmbio. O texto altera a forma de prestação de informação ao Banco Central do capital brasileiro no exterior e do capital estrangeiro no Brasil a fim de dar mais assertividade na compilação de dados para estatísticas macroeconômicas nos parâmetros internacionais. O texto, aprovado na Câmara, está no Senado, mas não tem relator.

Outro tema na geladeira é a modernização do setor elétrico. Em fevereiro, o texto foi aprovado no Senado após dois anos engavetado e está na Câmara. Dois deputados governistas confirmaram à reportagem que o texto será o teste do governo na Casa. Ao aproveitar a turbulência em Brasília, Guedes faz do limão uma limonada e usa a sombra que recaiu sobre ele para passar despercebido na hora de conduzir seu ataque liberal. Se ele vier.

ZOOMBOMBING NO MINISTRO

Enquanto Paulo Guedes tentava ganhar mais apoio em seu plano liberal, outro tipo de ataque atrapalhou um encontro virtual entre o ministro e empresários do ramo industrial. Durante conversa on-line, na quinta-feira (27), hackers invadiram a sala virtual. Esse tipo de ação recebe o nome de zoombombing, em referência ao app de videoconferências Zoom. Foram ouvidos gritos, músicas e sons obscenos. A invasão se deu no início da fala de Guedes, que estava em São Paulo. No lugar da apresentação, vídeos pornográficos foram passados. Guedes não notou.