Uma das maiores empresas do mundo atualmente pode se passar por uma completa desconhecida para a maioria dos brasileiros. Dona do WeChat, o aplicativo de mensagens que já tem 980 milhões de usuários e de desenvolvedores de jogos de sucesso como League of Legends e Clash of Clans, a chinesa Tencent já vale US$ 520,35 bilhões. Isso tudo, porém, não bastou para que o nome da companhia se tornasse conhecido no Ocidente, quiçá em terras brasileiras.

Na última semana, o jogo virou. Com valorização de 740% nos últimos cinco anos, o negócio ultrapassou o Facebook em valor de mercado e se tornou o quinto maior do planeta, atrás apenas de Apple, Alphabet (a holding que controla o Google), Microsoft e Amazon. “Eu não me surpreenderia se, em um futuro próximo, a Tencent subisse mais algumas posições nesse ranking”, afirma André Miceli, coordenador do MBA de marketing da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “A briga agora é lá em cima.”

Fundada em 1998 em Shenzhen, província localizada no sul da China, a companhia nasceu em um dormitório estudantil quando Ma Huateng e outros quatro colegas universitários decidiram criar um programa de troca de mensagens instantâneas para computador, o QQ. Durante alguns anos, o software chegou a rivalizar com aplicações semelhantes que faziam sucesso na internet, como o ICQ, o AIM e o MSN Messenger.

A popularização dos smartphones no mercado fez com que a empresa lançasse seu produto de maior sucesso, o WeChat. Semelhante ao WhatsApp, mas com funções que permitem pedir entregas de comida, pagar contas e até chamar táxis, o aplicativo é extremamente popular em terras orientais. Atualmente são 980 milhões de usuários ativos e 3,8 bilhões de mensagens trocadas diariamente.

Ma Huateng: fundador da Tencent, o empresário é chamado de “Zuckerberg chinês” (Crédito:Niu zai - Imaginechina)

A semelhança com a história do Facebook rendeu a Huateng, 42 anos, a alcunha de o “Zuckerberg” chinês. Ambos criaram suas empresas quando estudavam. O Zuckerberg original em Harvard, nos Estados Unidos. O chinês, na Universidade de Shenzhen. Hoje, ambos são bilionários. O empreendedor da China tem fortuna estimada em US$ 47 bilhões, dos quais US$ 22 bilhões foram obtidos somente em 2017. São US$ 17 bilhões a menos do que o seu rival americano e apenas a metade do homem mais rico do planeta, Jeff Bezos, da Amazon, que tem US$ 97,2 bilhões, segundo a Forbes.

Nos últimos cinco anos, a Tencent adotou uma estratégia que vem rendendo resultados expressivos fora das muralhas chinesas. Seu foco principal tem sido o mercado de jogos. A compra da Riot Games, em 2011, por valor não revelado – mas que analistas estimam que movimentou entre US$ 350 milhões e US$ 450 milhões –, foi o primeiro ataque. Para quem não conhece, a companhia americana é dona do jogo de computador mais popular da atualidade, o estratégico League of Legends, que tem cerca de 100 milhões de jogadores ativos.

Cinco anos depois, de olho no mercado de jogos para celular, a holding chinesa adquiriu a empresa finlandesa Supercell, dona dos títulos Clash of Clans, Clash Royale e Boom Beach, por US$ 8,6 bilhões. “Eles acabaram de licenciar o jogo que será o sucessor do League of Legends”, afirma a Lisa Hanson, sócia da consultoria especializada no mercado de jogos Niko Partners, ao se referir à Playerunknown’s Battleground, o popular PUBG. “Eles vão crescer, crescer e crescer.”

Além dos jogos, a Tencent está de olho também em um mercado que ainda não conseguiu fincar sua bandeira, o das redes sociais. A empresa recentemente se aproximou do Snapchat e comprou 12% das ações da rede social do fantasminha por US$ 2 bilhões. Os números recentes comprovam que a estratégia vem dando resultados. No último trimestre, entre julho e setembro, a companhia obteve faturamento de US$ 9,8 bilhões, 61% a mais do que o esperado. Seu lucro ficou em US$ 2,7 bilhões no trimestre.

Por aqui, a companhia chinesa, por mais que tenha seus produtos conhecidos, ainda é praticamente uma anônima. “O Brasil parece que ignora a China”, diz o consultor de marketing digital Alexandre Magalhães. “É preciso olhar com mais atenção. Eles estão dominando tudo”. Uma das empresas que parece ter aprendido com isso é a Movile, dona dos aplicativos iFood e PlayKids – uma espécie de Netflix para crianças.

“O Brasil precisa investir mais em aspectos como personalização e localização”, diz Mauro Piazza, diretor de desenvolvimento de negócios da Movile e CEO do aplicativo Rapiddo. “As empresas chinesas sabem exatamente o que você deseja comprar e quais ofertas são mais relevantes para um determinado público”. Não por acaso, a Movile não expõe o nome de sua marca em seus produtos. “A fabricante não se importa em ser conhecida”, diz Miceli, da FGV. “Ela quer que os consumidores conheçam seus serviços.” Isso a Tencent aprendeu tão bem que já está nocauteando seus adversários.