02/10/2002 - 7:00
As entranhas contábeis da Transbrasil estão prestes a ser expostas ao público. Três investigações oficiais paralelas, da Procuradoria da República, da Receita Federal e da Secretaria da Fazenda de São Paulo, chegaram a novas pistas sobre o destino dos R$ 725 milhões que o governo entregou em dezembro de 1999 ao principal executivo da companhia, Antônio Celso Cipriani, genro do fundador Omar Fontana. A quantia era suficiente para quitar, na ocasião, 90% da dívida da Transbrasil, mas em dezembro de 2001 a empresa parou de operar, sem pagar os credores. Hoje, seus débitos somam R$ 1,5 bilhão.
Uma testemunha-chave entregou recentemente às autoridades federais documentos comprometedores sobre as atividades do grupo no exterior ? aos quais DINHEIRO teve acesso exclusivo. Marise Edite Barbosa, funcionária da companhia desde 1980 e ex-vice-presidente financeira da subsidiária Transbrasil Inc., de Miami, já prestou depoimento ao Ministério Público e à inteligência da Receita. ?Celso usava a Transbrasil Inc. como fachada de uma série de operações ilegais?, disse Marise à DINHEIRO. ?Ele retirou milhões em espécie.? Em um dos documentos consta a relação de 15 cheques emitidos pela empresa, num total de US$ 1.666.521,79. ?Funcionários sacavam o dinheiro para que fossem entregues a Celso já dentro do avião, sem passar pela alfândega?, explica Marise. A assinatura de Cipriani consta em uma série de faturas da empresa Dynasolo Corporation, de Nova York, autorizando a transferência pela Transbrasil de US$ 200 mil. ?A empresa era de fachada e as faturas são frias, serviram só para cobrir rombos contábeis?, revela Marise. As autoridades também têm em mãos três remessas da Transbrasil Inc. para contas na Suíça, no total de US$ 1,56 milhão. A maior das remessas, de US$ 1.028.960,00, foi para a conta 517720, de nome ?Arcoiris?, da Banca Della Svizzera Italiana, de Lugano. Outro documento, um fax enviado de Milão, informa a Cipriani como deveria proceder para movimentar essa conta.
Celso Cipriani foi encontrado por DINHEIRO na terça-feira 24, através de seu telefone celular. Escutou qual seria o teor da reportagem ? e a ligação caiu de repente. Depois, permaneceu incomunicável. A investigação do Ministério Público, conduzida pelo procurador Guilherme Schelb, encontra-se na reta final. Antes de apresentar sua denúncia à Justiça, ele rastreia a rede de amigos que ajudou Cipriani na condução da Transbrasil nos últimos tempos. Na Receita Federal, os auditores têm contado com a ajuda das autoridades norte-americanas para mapear os negócios. A repórter Janaína Leite apurou que a fortuna de Cipriani nos EUA chega a
US$ 600 milhões, segundo as autoridades locais.
Cipriani mora isolado com a mulher Marise Fontana e dois filhos no alto das Montanhas Rochosas americanas, em Boulder, Colorado. O que mais impressiona no executivo é sua capacidade alquímica de transformar os problemas da Transbrasil em dinheiro vivo. A Secretaria da Fazenda de São Paulo está às voltas com um
processo de sonegação fiscal que, por razões tortas, terminou
por levar a General Electric a pedir na Justiça a falência da Transbrasil. Maior conglomerado industrial do mundo, a GE luta
para transferir os prejuízos com a Transbrasil dos acionistas americanos para o contribuinte brasileiro. Há uma década as companhias aéreas acionaram a Justiça contra a cobrança
indevida de ICMS pelos Estados. Venceram e hoje reclamam o direito a R$ 1,7 bilhão. Os Estados alegam que os impostos foram cobrados dos passageiros, não das companhias. A Transbrasil diz ter crédito de R$ 56 milhões em São Paulo. O impasse está na Justiça. Em agosto de 2000, pressionado pela GE por conta de uma dívida de US$ 22 milhões nos EUA, Cipriani propôs pagá-la com esses créditos. Em Miami, ele acertou com o vice-presidente da GE, Michael Lyllys, uma operação triangular envolvendo a subsidiária da GE em Campinas, a fábrica de fogões Dako.
A 24 de agosto de 2000, a Transbrasil emitiu para a Dako nota
de transferência no valor de R$ 38 milhões. A 9 de setembro, a
Dako depositou R$ 22,3 milhões na conta da Transbrasil no
Citibank em São Paulo. Com a paridade cambial, era o exato valor
da dívida lá fora. A diferença de valores ficou a título de deságio.
No mesmo dia, segundo o extrato ao qual DINHEIRO teve acesso,
a Transbrasil transferiu legalmente todo o dinheiro para o exterior. Desde então a Dako não recolhe impostos em São Paulo, por
conta dos créditos da Transbrasil. ?Essa operação é dolosa do início ao fim?, afirma Clóvis Panzarini, coordenador da Fiscalização da Fazenda de São Paulo, que denunciou o caso à Justiça estadual. ?Trata-se de uma operação simulada de sonegação fiscal idêntica à Operação Uruguai do Fernando Collor?, afirma o procurador da República Celso Três. A GE e a Dako não se pronunciam. Quanto a Cipriani, tudo indica que o dinheiro não foi entregue à GE. A multinacional alega, no processo de falência contra a Transbrasil, que a empresa deve esse exato valor.