O empresário Fernando Galletti de Queiroz, presidente do frigorífico Minerva, o terceiro maior do País, acredita que uma das grandes riquezas brasileiras é a água. O País detém mais de 20% das reservas hídricas mundiais. “Por causa dela, somos um dos líderes mundiais em commodities agrícolas”, afirmou Galletti, durante um encontro com a DINHEIRO, em maio do ano passado. Segundo esse raciocínio, há, portanto, uma vocação brasileira em formar grandes grupos do agronegócio.

Na pecuária, o que se viu na última década foi, exatamente, um processo de consolidação do setor, que elevou o Brasil à condição de líder global. Com um faturamento superior a R$ 170 bilhões, o JBS, frigorífico da família Batista, se tornou a maior empresa do mundo na área de proteína animal. Em grande parte, isso aconteceu graças a investimentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A instituição financeira injetou mais de R$ 8 bilhões na empresa, por meio de compras de participação acionária e debêntures, entre 2005 e 2015. Da mesma forma, o Marfrig, segundo maior produtor de carne brasileiro, recebeu R$ 3,8 bilhões.

Já para o Minerva, o cofre não se abriu tanto. A companhia contou apenas com financiamentos do BNDES, que somaram R$ 132 milhões. A delação premiada dos irmãos Wesley e Joesley Batista, no entanto, parece estar arrevesando essa lógica. Na semana passada, o Minerva anunciou a aquisição de nove frigoríficos do JBS, localizados na Argentina, no Paraguai e no Uruguai, por US$ 300 milhões. O negócio ainda está sujeito à confirmação, e algumas condições precedentes podem inviabilizá-lo.

De qualquer forma, trata-se de um salto importante para a companhia da família Vilela de Queiroz, que deve aumentar seu faturamento em mais de R$ 3 bilhões, neste ano – sua receita líquida foi de R$ 9,6 bilhões, no ano passado. A capacidade de abate na América do Sul crescerá 52%, passando de 17,3 mil, para 26,4 mil cabeças de gado por dia. Além disso, o Minerva assume a liderança em alguns mercados importantes, como o argentino e o paraguaio. É um parâmetro relevante na estratégia da empresa, que já tem mais de 75% de seu faturamento oriundo do mercado externo.

O impulso internacional ficou ainda mais forte depois que fundo saudita Salic, focado no mercado do agronegócio, adquiriu por R$ 750 milhões, em dezembro de 2015, uma participação de 20% na companhia. Em janeiro, também foi aprovada a abertura de uma subsidiária na Inglaterra, que se chamará Minerva Europe. “Fechamos um pacote em linha com nosso plano de negócios”, disse Galletti, em conferência com analistas para divulgação do negócio com o JBS. “Agora, não há mais aquisições no radar, mesmo em situações oportunas.”

Para exportação: funcionários trabalham em unidade de abate do Minerva em Barretos (SP). Mais de 75% do faturamento da companhia vem do mercado externo
Para exportação: funcionários trabalham em unidade de abate do Minerva em Barretos (SP). Mais de 75% do faturamento da companhia vem do mercado externo (Crédito:Dado Galdieri/Bloomberg via Getty Images)

O acordo com os Batista parece ter sido, de fato, oportunista. As tratativas foram feitas em tempo recorde. O processo de due diligence, no qual o alvo a ser adquirido é analisado minuciosamente, comum a esse tipo de negócio, foi deixado de lado. Além disso, boa parte do valor (90%) será desembolsada à vista. Questionado sobre potenciais riscos dessa conduta, o diretor financeiro do Minerva, Edson Ticle, disse que, por se tratar de operações fora do Brasil, o perigo é menor.

“Nossa experiência com Paraguai e Uruguai é de, praticamente, nenhuma contingência trabalhista ou tributária”, afirmou o diretor, na mesma conferência. Na verdade, segundo Ticle, o grande desafio será melhorar as margens de lucro dos frigoríficos adquiridos, que giram na casa dos 5%, enquanto, no Minerva, ela supera os 9%. Ou seja, a companhia vislumbrou uma oportunidade, e a abraçou. “Foi um negócio ímpar”, disse Galletti. Analistas de mercado acreditam que as confusões da família Batista representam, sim, uma janela de oportunidades, não só para o Minerva, como para frigoríficos menores.

Isso se deve à queda do preço do boi gordo, que já vinha acontecendo, mas que se intensificou com a delação da JBS. Segundo dados da MB Agro, consultoria especializada no setor agropecuário, o chamado spread dos frigoríficos, diferença entre o preço pago ao produtor e o valor da carcaça bovina no atacado, chegou a 5% no mercado interno. Costumeiramente, o spread interno é negativo, por não considerar os subprodutos (couro, sebo, etc.). No mercado externo, o spread subiu de 1% para 6%, neste ano.

Em grande parte, isso se deve à diminuição de 65% no ritmo de abates do JBS desde a delação. Ou seja, está sobrando boi no mercado, o que, de acordo com César Castro Alves, analista da MB Agro, favorece os pequenos e, principalmente, Minerva e Marfrig. No mercado financeiro, o negócio também foi bem recebido. Na terça-feira 6, quando foi anunciado o acordo, as ações da JBS subiram 8,4% na B3, a bolsa de valores paulista. Já os papéis do Minerva ganharam 4,8% em valor. “Foi bem positivo para ambas as partes”, afirmaram, em relatório, os analistas Sandra Peres e Felipe Martins Silveira, da corretora Coinvalores.

No caso do JBS, o valor negociado, que corresponde a seis vezes o EBITDA (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) das empresas adquiridas, foi considerado satisfatório. “Esperamos mais movimentações por parte da JBS, especialmente em ativos no Brasil e América do Sul”, disse a Coinvalores. Além da delação premiada, os Batista fizeram um acordo de leniência com o Ministério Público (MP) para não perderem o direito de negociar com o poder público ou receber empréstimos. Por ele, a J&F, holding que controla a JBS, terá de pagar mais de R$ 10 bilhões.

Apesar disso, a vida não está fácil para a família Batista. Na segunda-feira 6, a empresa comunicou ao Ministério Público que estaria sofrendo um boicote por parte da Caixa Econômica Federal, que teria cortado linhas de crédito antigas da companhia. Dois dias depois, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sinalizou pode cancelar a compra do frigorífico Mataboi pela JBJ Agropecuária, controlada por José Batista Júnior, mais conhecido como Júnior Friboi, irmão mais velho de Wesley e Joesley, que deixou de ser sócio da JBS em 2013.

O negócio foi firmado em 2014, mas o Cade só foi notificado no ano passado. Agora, o órgão antitruste diz que as relações de parentesco podem indicar “uma potencial atuação coordenada entre as empresas”. A decisão final será tomada no final deste ano. E a rede americana de pizzarias Domino’s, uma das maiores do mundo, decidiu não usar mais produtos JBS. “Prezamos muito pela transparência e ética e compartilhamos do mesmo sentimento de revolta quando estes valores não são levados em consideração”, disse a empresa. É mais uma porta se abrindo aos concorrentes.

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