Pandemia, desemprego, falta de renda… o Brasil não precisaria também ficar sem luz. Mas pode ficar. Com as usinas hidrelétricas perto de um colapso, o fantasma do apagão pode voltar a tirar o sono da população. Talvez os jovens não conheçam o termo, mas ele remonta a 2001, quando o esgotamento da geração de energia elétrica exigiu que o governo promovesse blecautes programados e criasse regras de racionamento para segurar o consumo. Diante dos esforços da nação, em fevereiro de 2002 o racionamento acabou, mas a tirar pelos problemas atuais, não foi para sempre.  Para tirar as dúvidas dos mais jovens e refrescar a memória dos mais velhos, a equipe da DINHEIRO buscou especialistas para responder cinco questões sobre o apagão de 2001 e como ele está conectado com os problemas de 2021.

 

1)      Em 2001 o apagão foi a melhor solução? Isso serviria em 2021?

Diz o dito popular que situações extremas pedem medidas extremas, e foi isso que o então presidente Fernando Henrique Cardoso precisou fazer quando, em 1º de julho, entrou em rede nacional para anunciar o início do racionamento e dos blecautes programados. Na ocasião, a solução era a única indicada para que não houvesse um rompimento tão grave do serviço que atingisse também serviços essenciais como hospitais e delegacias. A engenheira hídrica Márcia Romana, que foi secretária adjunta de energia do Ministério de Minas e Energia entre 2006 e 2010, avalia que, dada a pandemia,  essa solução não seria a ideal em 2021. “Pedir que as famílias gastem menos energia, ou cobrar multa de quem gasta demais seria muito penoso na situação de renda e crise na saúde pública atual”, disse. Para ela, as medidas para tentar reativar pequenas fornecedoras de energia que estão paradas e desviar o curso de água salgada são soluções possíveis.

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2)      O apagão foi uma questão política? Se houver racionamento hoje não seria para queimar Bolsonaro?

Nada que envolve serviços essenciais passa incólume de pressões e inclinações políticas, e isso muda de acordo com o lado que você vê a história. Em 2001, parte do PSDB chegou a dizer que a crise foi forjada dentro da oposição nas Casas Legislativas e foi se disseminando para manchar  o nome do  partido para a eleição de 2002. Na oposição, deputados do PT diziam que eles não tinham “combinado com Deus para não mandar chuva”, e o erro de gestão era todo do presidente. E os dois lados têm razão. A gestão FHC ignorou sinais claros de colapso e gastou muito menos do que devia em infraestrutura de energia. A oposição usou isso pensando na campanha eleitoral que elegeria Lula um ano depois.

3)      Mas o que Bolsonaro poderia fazer de diferente de FHC?

“Quando olhamos o problema no fornecimento de energia precisamos estar despidos da política” – Foi assim que Erico Mattos, advogado e especialista no mercado de energia. Segundo ele, o problema de infraestrutura atravessa todos os governos desde Juscelino Kubitschek, quando o plano de fazer 50 anos em 5 fez o consumo de energia explodir. “Desde então ninguém acertou nem errou 100%”. Para acertar mais que FHC, diz Mattos, a receita teria apenas dois ingredientes: estimular a criação de energia solar e eólica de modo massivo e rever contrato de uso de hidrelétrica no dia 1 do mandato. “Mas quando chegamos nesse ponto é preciso se vestir de política de novo. O lobby dos que ganham com as hidrelétrica é muito forte”, disse.,

4)      Como o brasileiro ajudava no racionamento?

Em 19 de fevereiro de 2002, quando foi para rádio e TV anunciar o fim do racionamento, FHC disse: “Você apagou a luz e iluminou o Brasil”. E agradeceu a contribuição na nação. E ele tinha razão. Ainda que a redução do uso de energia pelo poder público (como reduzir pela metade a iluminação pública) veio da casa dos brasileiros e do bolso dos empresários que paralisaram suas operações por algumas horas, o esforço que tirou o País da crise. Por alguns anos, inclusive, o hábito de racionalizar (com banhos mais curtos, apagar as luzes ao deixar um cômodo e usar lâmpadas mais econômicas) foram adotadas mesmo depois de acabar o ponto mais crítico da crise e mesmo que alguns hábitos durem até hoje, a demanda por energia não acompanhou o crescimento na geração. O engenheiro civil e Thiago Nunes, professor da Universidade Estadual de São Paulo (UNESP), explica. “Em 2001  uma casa de cinco cômodos tinha, em média, 12 tomadas. Hoje não se faz uma planta dessa com ao menos 25 isso se reproduz com empresas e todo ambiente social”.

5)      Porque o País não produz mais energia?

Em 2004 o setor passou por uma reestruturação importante que abriu espaço para a concorrência com regulamentação de outras formas de gerar energia. Desde então a geração passou dos 86,4 GW em 2004 para 158 GW em 2018. “O problema não é quanto gerar, mas como gerar”, afirmou Nunes. Uma obra de grande hidrelétrica leva anos, é invasiva com o meio ambiente e passa por atrasos. Belo Monte, no Pará, é um exemplo. A usina já custou mais de R $30 bilhões, atravessa uma área do Xingu que coloca em risco vidas de povos originários e não se sabe ao certo quando ela será entregue. “Precisamos parar de pensar nas grandes usinas. Imagina se cada brasileiro pudesse comprar uma placa de energia solar para abastecer entre 20% e 30% da demanda por energia da residência? Que sonho!”. Isso poderia resolver o problema do colapso, deixar as águas (e o meio ambiente) em paz e ainda diminuir a conta de luz. Mas a energia política ainda fala mais forte nesse caso.