Enquanto a população debate sobre qual (e quando) vacina contra Covid-19 tomar, outra tensão, esta mais financeira que médica, tem tirado o sono dos gestores públicos. Com o preço da dose variando entre R$ 4 e R$ 197, planejar o orçamento para imunizar um imenso contingente populacional será um dos grandes problemas de estados, municípios e União em 2021. Além do custo unitário, há ainda a necessidade da compra de seringas e equipamentos médicos como freezers, além da estrutura de logística aérea, marítima e terrestre preparada para fazer as entregas. Com tudo isso em jogo, a decisão do presidente Jair Bolsonaro de não tornar obrigatória a vacina em território nacional não veio por acaso. Ela serve para reduzir os gastos do Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente em um primeiro momento. Mesmo com a tentativa (que envolve até assinatura de termo de responsabilidade para quem se vacinar), se a adesão for alta, os R$ 20 bilhões reservados pelo ministro Paulo Guedes para a campanha nacional não bastarão para atender todos os cidadãos.

A conta da economia mais uma vez não se une à questão médica. A epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde durante a campanha de vacinação contra h1n1, é uma das que questiona a conduta do presidente com relação à vacinação facultativa. “A nossa legislação é robusta na definição de que a vacinação é obrigatória”. E ela tem razão, em 1975 foi criada a lei que instituiu o Programa Nacional de Imunizações (PNI). Alguns anos depois, o Estatuto da Criança e do Adolescente e Bolsa Família também obrigavam os pais a estarem com a carteira de vacinação dos filhos em dia. Se do ponto de vista da saúde a adesão parece primordial, onde residiria os argumentos do presidente e do ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, para brigar pela adesão opcional? No dinheiro. Sandra Ellen Lavoratti, responsável pelas compras dos insumos no SUS para a última campanha de vacinação em massa que o Brasil experimentou, em 2009, com a h1n1, é direta: “A conta de Guedes não fecha. Com R$ 20 bilhões não será possível cobrir 75% da população [o recomendado pela Organização Mundial da Saúde]”.

Na avaliação de Sandra, outro fator que pesará nas contas é a descentralização da campanha de vacinação. “Centralizar é importante para que o ministério da Economia controle os gastos. Se o governo de São Paulo compra a vacina de R$ 4 e o Rio Grande do Sul a de R$ 197, o SUS arcará com as duas contas”, disse. Questionada sobre o comportamento da pasta em 2009, ela lembra que a vacina era produzida por três laboratórios distintos, com variação de preço que girava em, no máximo, 20%. “Centralizando a compra, também mapeamos para onde cada uma delas foi.” O que é decisivo num plano sério. Quando algumas vacinas apresentaram incidência maior de reações alérgicas, por exemplo, o ministério sabia em quais municípios elas estavam, foi mais fácil direcionar antialérgicos. “Se cada prefeito e governador escolhessem a própria vacina, seria impossível mapear o problema”, afirmou.

PLANO INDEFINIDO Sem falar em datas, prazos e metas o governo Bolsonaro, por determinação do Superior Tribunal Federal (STF), realizou na quarta-feira (16) uma entrevista para apresentar o plano de vacinação. Na ocasião o presidente adotou uma fala mais amistosa e disse que o Brasil está na “iminência” de ter uma alternativa concreta para combater à pandemia. Presente no encontro, o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), disse à DINHEIRO ter sido surpreendido pelo convite do presidente para o encontro. Sobre a condução do plano, ele disse que algumas demandas ainda não foram sanadas. “Precisamos de um cronograma de compra e de entrega. Fiocruz e Butantan produzindo em larga escala. Importações da Pfizer, Moderna, Serum/Astrazeneca e Sinovac da China complementando. Assim temos o plano.” O governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC) também questionou a logística, defendendo que haja um projeto mais claro sobre como será a entrega para áreas mais remotas.

Para Sandra, o plano apresentado se mostrou demagógico e pouco cartesiano e não suporta os 73% dos brasileiros que pretendem se vacinar, segundo pesquisa Datafolha. “Se os estados e municípios começarem a comprar as vacinas por conta, pessoas residentes onde não há vacina vão migrar, isso gerará distorções severas na saúde pública local”, afirmou. Além disso, criará uma falsa sensação de imunização. “O prefeito vai achar que por ter vacinado 1 milhão de pessoas conseguiu bater a meta da cidade. Mas e se 400 mil forem residentes de cidades vizinhas usando um comprovante de residência de terceiro? Impossível saber.”