Na falta de uma articulação política consistente por parte do Executivo, uma iniciativa dos parlamentares abriu espaço para injetar esperança no ambiente econômico. A Câmara atropelou o governo Bolsonaro e aprovou, na quarta-feira 22, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o texto de reforma tributária articulado no Congresso. O projeto do deputado Baleia Rossi, líder do MDB, é diferente do desejado pela equipe do ministro Paulo Guedes e nenhum integrante do governo participou das discussões. A votação no tempo recorde de duas semanas é uma demonstração do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e de líderes dos partidos do Centrão, que inclui PP, PR, PTB e Solidariedade, de que o Legislativo é capaz de tocar uma agenda própria. É um bom sinal para o País.

Desenhada pelo ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, hoje diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), a reforma tributária pode trazer um aumento no PIB da ordem de 10% em 15 anos. Para entrar em vigor, no entanto, ela precisa ser aprovada na Comissão Especial e nos plenários da Câmara e do Senado. Se não sofrer modificações, a reforma acaba com três tributos federais (IPI, PIS e Cofins), com o ICMS, que é estadual, e com o ISS, municipal. No lugar deles, são criados dois impostos: o IBS – Imposto sobre Operações com Bens e Serviços, de competência de municípios, estados e União. A outra taxação é sobre bens e serviços específicos, esse de competência apenas federal. O tempo de transição previsto é de 10 anos com dois anos para calibragem das alíquotas e oito anos para a implementação das mudanças.

Enquanto a reforma da Previdência é vista como uma contenção de problemas futuros, a revisão do sistema tributário tem um efeito mais prático. E por isso ela é considerada por alguns economistas como a principal agenda para aumento da produtividade nacional. “Algumas mudanças reduzem a insegurança jurídica e o custo do investimento”, afirma Appy. “Podem ter impacto positivo em um prazo relativamente curto”, explica.

DISCORDÂNCIA Reivindicação histórica de empresários e economistas, a revisão do sistema tributária faz parte do conjunto de medidas estudadas pelo governo Bolsonaro. O secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, defende há décadas mudanças na estrutura de impostos e trabalha num texto ainda a ser apresentado. A ideia é centrar foco na unificação dos tributos federais, por meio de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) e deixar os estaduais e municipais para um segundo momento.

Pressa: Deputado Baleia Rossi apresentou proposta que engloba tributos nas esferas federal, estadual e municipal (Crédito:Pedro Ladeira/Folhapress)

O Executivo também pretende tratar de temas como o imposto de renda e a desoneração da folha de pagamento. Mas como nada anda, o Legislativo assumiu a agenda reformista. Após a votação da CCJ, Cintra adotou um tom conciliador. Declarou ter recebido com otimismo o avanço rápido da aprovação e que está de mãos dadas com o Congresso em torno da medida. “Apresentaremos o projeto em momento oportuno”, afirmou. “O importante é acompanhar a reforma da Previdência.”

A intenção da equipe econômica é unificar as propostas ao longo da tramitação na Comissão Especial. Em Brasília, o ministro Paulo Guedes elogiou a atuação de Maia no Congresso. “Rodrigo Maia tem sido extraordinário”, afirmou em evento na quarta-feira 22. “Ele assumiu o protagonismo das reformas.” Para o advogado Felipe Fleury, especialista em Direito Tributário do Zockun Advogados, o texto da Appy é mais completo, porque o ICMS e ISS são os que mais causam problemas para empresários. “Unificar apenas os federais não resolve o problema”, pontua. “A burocracia causada é uma reclamação unânime e a redução de tributos, mesmo que não tenha um impacto no valor a ser pago, já será um alívio.” A carga tributária hoje está em 32,4% do PIB.

O que dificulta a vida das empresas não é só o peso elevado das taxas e, sim, o tempo consumido com a burocracia. Segundo levantamento do Banco Mundial sobre o ambiente de negócios em 190 países, as empresas no Brasil gastam 1.958 horas por ano para cumprir suas obrigações fiscais. O tempo é seis vezes maior do que a média de 332 horas nos países da América Latina e Caribe. A aprovação da reforma tributária traria também maior transparência e segurança jurídica, o que pode ajudar a atrair investimentos. “O Brasil possui uma estrutura tributária descentralizada, onde cada ente federativo tem grande autonomia na definição da forma de cálculo e das obrigações acessórias de seus tributos. Não por acaso, na pesquisa do Banco Mundial o ICMS é o principal responsável pelo elevado custo de apuração e recolhimento dos tributos”, afirma Appy.

Por incluir o ICMS e o ISS, a proposta aprovada no Congresso também ajuda a aplacar a guerra fiscal. O período de transição, porém, seria maior, de 50 anos nestes casos específicos. Os benefícios para a melhora do ambiente econômico são evidentes. A expectativa é que Maia e Guedes fechem um acordo para que a reforma tributária seja votada depois da Previdência. Mas pelo ritmo da tramitação na primeira etapa, há uma chance de que saia antes. Ainda mais se Bolsonaro continuar tropeçando na articulação. Maia teria caminho livre para adotar uma espécie de parlamentarismo branco e tocar os projetos de interesse dos congressistas.