A foto é de um caçador, de um jagunço, não de quem planta e colhe para alimentar o Brasil e o mundo. Postada no Dia do Agricultor (28 de julho) pela Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) do governo federal, a “homenagem” se mostrou muito mais que um tiro no pé. Foi uma declaração de guerra. E os “inimigos” são evidentes: quilombolas, indígenas e trabalhadores rurais sem-terra. Gente que vive do campo. Ou melhor: que morre no campo em número recorde desde que Jair Bolsonaro chegou à presidência. Em 2020, houve 2.054 conflitos agrários no País, envolvendo quase 1 milhão de pessoas, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), ligada à Igreja Católica. Comparado a 2018, o número é 32% maior. É também o mais alto da série histórica iniciada em 1985.

O dado da Pastoral que mais chama a atenção, no entanto, é o de famílias que tiveram suas terras ou territórios invadidos em 2020: 81.225, número 103% maior que o do ano anterior. Para a Secom, que no mesmo dia 28 de julho divulgou um infográfico com o número de invasões por ano desde 1995, foram apenas 14 ocorrências no período 2019-2021, segundo dados da Câmara de Conciliação Agrária do Incra. A Secom atribui o fato de que agora os agricultores podem “trabalhar em paz” a uma iniciativa: “o presidente Jair Bolsonaro estendeu a posse de arma do proprietário rural a toda a sua propriedade”. O projeto de lei que foi sancionado sem vetos por Bolsonaro em setembro de 2019 era uma demanda antiga da bancada ruralista no Congresso. Com a liberação da posse de arma, o campo brasileiro se tornou mais um território dominado por milícias — e essa é a realidade que a Secom celebra em suas mensagens. A intenção do governo jamais foi pacificar o campo. Sua narrativa é a da brutalidade: espalhar o medo, intimidando populações originárias e sem-terra.

Ao trocar a enxada pela espingarda e publicar um gráfico com dados sobre invasões, o governo explicita sua visão do agronegócio brasileiro. Para ele, não se trata do “celeiro do mundo” nem do setor que mais pesa na balança comercial, com as exportações somando US$ 100,81 bilhões em 2020. Se quisesse de fato homenagear o agricultor, o governo poderia ter se valido de estatísticas que comprovam a pujança da atividade agrícola.

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A escolha da arma não é um ato falho ou um erro de comunicação. É mais uma prova da estupidez que nos governa. No clássico As Leis Fundamentais da Estupidez Humana, o historiador italiano Carlo Cipolla (1922-2000) afirma que desde tempos imemoriais uma poderosa força do mal vem prejudicando o bem-estar e a felicidade dos homens. Segundo Cipolla, ela é mais poderosa que a milícia, o tráfico de drogas ou o exército. Seus efeitos são catastróficos e globais. Na definição do histariador, o indivíduo estúpido é “aquele que gera perdas para si e para os outros, sem com isso derivar nenhuma vantagem ou ganho, possivelmente incorrendo também em perdas”.

É isso que faz Bolsonaro. No mundo, a imagem do agronegócio brasileiro está em xeque desde o início de seu governo. A catastrófica gestão do meio ambiente durante a passagem por Brasília do ex-ministro Ricardo Salles continua produzindo efeitos nefastos mesmo após sua substituição. Incentivado pelo governo, o Brasil segue batendo recordes de desmatamento da Amazônia e de queimadas. A conta da devastação já é alta para quem atua no agronegócio. Por mais que tenham pleiteado o direito à posse de arma em suas propriedades, os agricultores não podem ser gratos a quem enaltece seus rifles em detrimento da comida que produzem. Ainda que seja questionável, a percepção internacional do agronegócio brasileiro como uma atividade pouco respeitosa ao meio ambiente já é grave o bastante. Ser confundido com jagunço só piora essa condição.

Celso Masson é diretor de núcleo da DINHEIRO