Alegria. Todos os que viveram ou trabalharam com o estilista Kenzo Takada citam a alegria como sendo o traço mais marcante da sua personalidade. Morto no último dia 4, aos 81 anos, nos arredores de Paris, em decorrência de complicações causadas pela Covid-19, ele deixa o mundo da moda mais triste e menos colorido. Kenzo uniu talento e dedicação raros para desbravar campos jamais pisados. Foi, antes de tudo, um pioneiro. Nascido em 1939, na então pequena província de Himeji – hoje, tem cerca de 500 mil habitantes – e numa família de classe média, começou a demonstrar interesse pela moda ainda garoto, quando desenhava roupas para as bonecas das irmãs.

Aos 19 anos, contrariou os pais ao se tornar um dos primeiros alunos do sexo masculino na universidade de moda Bunka Fashion College, em Tóquio. Depois de formado, teve como primeiro emprego criar moldes para uma revista de moda da capital japonesa. Mas sua eterna inquietude o fez tomar uma atitude extremamente ousada. Em 1964, aos 25 anos, largou tudo e foi morar em Paris, numa época em que ninguém do mercado fashion global dava muita importância ao que se fazia no Japão. Tornou-se, assim, o primeiro designer asiático a romper essa barreira. Sua ideia inicial era passar apenas seis meses na capital francesa. Queria assimilar conhecimento, compreender o estilo de vida dos franceses, respirar a atmosfera fashion que pairava sobre a cidade. Gostou tanto, que resolveu ficar. Mas não tinha dinheiro e não conseguia emprego. Alugou uma máquina de costura e começou a produzir as próprias peças, a partir de quimonos velhos que tinha levado do Japão e de retalhos comprados em brechós. Era tudo muito colorido, diferente, esfuziante. Sucesso total.

A CONQUISTA DO MUNDO A prestigiada revista Elle estampou as criações do jovem japonês na sua capa, alavancando o nome e o trabalho de Kenzo. A partir daí, ele conquistou o mundo. Desde a abertura da sua primeira loja, em 1974, na glamourosa Place des Victoires, em Paris, até os espalhafatosos eventos que fazia para lançar suas coleções – como um espetáculo na célebre discoteca Studio 54, em Nova York – e se tornar ícone fashion mundial, com sua grife presente em quase 100 países. Óculos, bolsas, gravatas, relógios, lenços. Tem de tudo com a marca Kenzo. Em 1993, o garoto que saiu do Japão sonhando em aprender moda na França vendeu, por US$ 80 milhões, sua grife ao conglomerado de luxo LVMH, dono de marcas como Chandon, Dior, Givenchy e Louis Vuitton. Outras de suas atitudes pioneiras foram a luta pela inclusão de modelos multirraciais no universo fashion e a criação de uma linha de perfumes com sua marca. Hoje, os perfumes Kenzo estão entre os mais vendidos do planeta, com 6 milhões de unidades comercializadas anualmente apenas da fragrância Flower. Mas é na moda que sua influência será para sempre lembrada, com peças coloridas, repletas de referências étnicas e estampas. Certa vez, questionado sobre os motivos que o levaram a se tornar referência mundial, Kenzo respondeu: “Só queria fazer algo diferente do que todos faziam”. E fez. Com alegria.