À frente da Nokia no Brasil e demais países do contiente, Osvaldo Di Campli aposta que a chegada da tecnologia 5G vai impulsionar a produtividade da indústria. Durante a Futurecom 2019, em São Paulo, o executivo falou à DINHEIRO e fez projeções otimistas para o mercado brasileiro

O executivo argentino Osvaldo Di Campli comanda, desde 2017, as operações da finlandesa Nokia na América Latina. A marca já foi uma das mais relevantes empresas fabricantes globais de celulares, segmento que deixou de lado para se dedicar ao desenvolvimento de tecnologias voltadas às telecomunicações. Depois de ter passado pela Alcatel-Lucent, Campli hoje conduz a introdução de inovações para a indústria e aposta na internet 5G como divisor de águas em ganhos de produtividade. “A nova tecnologia permitirá aos setores industriais aumentar muito a produtividade, rentabilizando os investimentos. Isso não é tema apenas de tecnologia, mas sobre como se gera um ecossistema em que a indústria pode ganhar eficiência”, afirma, na entrevista a seguir.

DINHEIRO — Quais as apostas da Nokia para os próximos anos?

OSVALDO DI CAMPLI – Teremos três frentes principais de negócios. A primeira, trabalhar com as operadoras de telecomunicações e ajudá-las a formar suas próprias infraestruturas de 4G e 5G, além de serviços em nuvem e integração das operações. A segunda, ampliar nossas tecnologias para indústrias. A companhia definiu quatro áreas industriais como foco: energia, transporte, setor público e tecnologia, onde estão companhias como Google, Facebook e Baidu. Por último, vamos investir em soluções de software que permitam fidelizações de diferentes processos, da parte de sistema de redes, para monitorar e monetizar negócios digitais.

DINHEIRO — A Nokia vai se voltar à venda de equipamentos e softwares?

DI CAMPLI – Mais do que isso, seremos cada vez mais geradores de tecnologias e patentes. O foco será a distribuição de propriedade intelectual para o desenvolvimento de setores. Atualmente, temos acordos com empresas como a Apple, que adquirem nossas patentes para o desenvolvimento de seus próprios produtos. Hoje há tecnologia Nokia dentro de companhias como Motorola, Siemens, Panasonic, entre muitas outras.

DINHEIRO — O mercado de tecnologia, especialmente a internet 5G, está sendo disputado por outras gigantes do segmento, como Ericsson, Huawei e ZTE. Como a Nokia se posiciona dentro desse contexto de acirramento da concorrência global?

DI CAMPLI – Cada empresa terá de oferecer uma proposta de valor. Na área de operadoras de telecomunicações, somos a única que tem um portfólio “end to end”, com soluções de acesso móvel, fixo e todo o “encanamento” de como transmitir a informação da forma mais segura e econômica possível. Hoje, entre nossos concorrentes ocidentais, nenhum portfólio impede o fornecimento de uma estrutura completa para redes. Então, acreditamos que a concorrência é natural e que as propostas serão muito bem entendidas por nossos clientes. Apesar da forte competição, a Nokia cresceu 6% na América Latina no último quadrimestre, uma prova de que podemos competir, ganhar e entregar soluções de valor aos nossos clientes.

DINHEIRO — Qual o estágio em que o Brasil está hoje, em termos de tecnologia, no 5G?

DI CAMPLI – No 5G, estamos fazendo testes de campo, validando a tecnologia em diferentes faixas de frequência. Mas, por ora, estamos avançando com o 4G. As operadoras comentam que para implementar o 5G vão precisar encontrar novas fontes de receita. Para justificar o investimento na implementação do 5G, será preciso ter um consumo massivo. O 5G vai depender da indústria 4.0 no Brasil. Isso porque a nova tecnologia permitirá aos setores industriais aumentar muito a produtividade, rentabilizando os investimentos. Não é um tema apenas de tecnologia, mas um tema associado a como se gera um ecossistema em que cada setor da indústria pode ganhar eficiência.

DINHEIRO — O 5G só para utilização em smartphones não é viável?

DI CAMPLI – Não, tem que se criar casos de uso. Ou seja, para ter um 5G é preciso haver várias utilizações. O 5G pode ser complementar à fibra óptica e, ou, à wireless. O que tenho falado aqui no Brasil é que não se pode pensar em 5G como solução pontual, mas como algo que vai atender às demandas de produtividade desde a indústria manufatureira até a da mineração.

DINHEIRO — O 5G pode ser alternativa de receita para as operadoras de telefonia, que dizem ter margens apertadas no uso individual com celulares e smartphones?

DI CAMPLI – Com certeza, o 5G habilita os casos de uso. Com isso, as operadoras terão capacidade de gerar novas receitas. Uma operadora poderá oferecer 5G e fibra óptica, integrando a rede móvel e fixa. Nos Estados Unidos, onde o 5G está sendo implementado em nível nacional, a receita médica por usuário é de US$ 50 a US$ 60. Na América Latina, está entre US$ 8 e US$ 10. Então, é natural que lá o 5G esteja mais avançado. Por aqui ainda estamos no começo da onda de 5G. O mais importante é começar a imaginar quais são os casos de uso para poder justificar os investimentos.

DINHEIRO — Quais serão os setores da economia brasileira que terão mais possibilidades de “casos de uso”?

DI CAMPLI – Acredito que em setores como mineração e agricultura a tecnologia possa resolver os problemas básicos de conectividade dessas indústrias. Agora, quando se chegar à automatização em um nível mais alto, será necessária assistência ainda melhor, que responda de forma mais eficiente às demandas. Nesse caso, a indústria de manufatura será a mais beneficiada pelo 5G. No mundo, vemos que há uma grande oportunidade de aumentar a produtividade em certas indústrias com o que tem sido chamado de quarta revolução industrial. Até os anos de 1970, vimos que a introdução de sistemas de informação (IT) foi a última oportunidade de aumentar a produtividade em certas indústrias. Com a confluência de um conjunto de inovações formado pela internet das coisas (IoT, na sigla em inglês), o sistema de cloud, analytics, machine learning, que forma a quarta revolução industrial, vemos que há a possibilidade de aumentar a produtividade de 25% a 30% nos próximos 15 a 20 anos.

DINHEIRO — Existe alguma projeção de quanto o 5G pode turbinar o PIB?

DI CAMPLI – Não temos esse número, mas qualquer ganho de produtividade em setores que respondem por grande parte do PIB, como o agronegócio, que detém mais de 22% das riquezas do País, é algo de alto impacto. Quando se quer levar a automatização a outro nível, a um nível mais elaborado, com latência (intervalo entre o comando e a execução) de milésimos de segundos, vai ser necessário o 5G. Na indústria, a utilização de robôs, que têm de tomar decisões quase imediatas, requer uma conectividade rápida, segura e sem falhas. Seja um robô ou um bisturi utilizado na telemedicina, não pode haver latência alta. Mas, em uma conta básica, para conectar todas as fábricas existentes no mundo, seria necessário ter o dobro da infraestrutura atual de telefonia no mundo. Agora, imagine o que será necessário para automatizar e digitalizar todas as linhas de produção dessas fábricas. O potencial de negócio como um todo é imenso.

DINHEIRO — No passado, a Nokia se tornou uma das marcas mais conhecidas do mundo por sua presença no mercado de telefonia. Essa reputação tende a ajudar os negócios das empresa frente à concorrência de outras marcas menos conhecidas no Brasil?

DI CAMPLI – A marca Nokia está hoje catalogada como uma das mais valiosas do mundo. Isso é importante porque temos soluções para que as operadoras de telecomunicações conquistem usuários. Uma solução na qual se pode monitorar e melhorar a experiência de conectividade, desde o celular até o wifi do usuário em sua casa. Por isso, muitas operadoras escolhem introduzir essas tecnologias com a marca Nokia, que tem uma identificação de durabilidade, de confiança, de segurança. Quando nossa marca está conectada com alguma solução no mercado mais massivo, eu acredito que aí há uma diferença. Comparativamente com a nossa concorrência tradicional, nossos negócios trazem uma ideia de segurança e de confiabilidade.

DINHEIRO — A banda larga ainda é muito promissora?

DI CAMPLI – A banda larga continua sendo um grande desafio para o Brasil e para a América Latina. Os índices de conectividade são baixos se comparados aos de economias mais maduras. No Brasil, a banda larga ainda tem de ser provisionada entre 15 e 20 pontos percentuais acima da base atual. Portanto, essa é uma fonte de crescimento, tanto para banda larga fixa quanto móvel. Há outras oportunidades, mas que dependem de decisões regulatórias. Os avanços tecnológicos podem até sofrer uma queda, porque os processos não estão fechados no que diz respeito à regulação, por exemplo, no setor elétrico. Nossa esperança é que as autoridades de cada uma das agências reguladoras entenda a fortaleza que há por trás desses aspectos tecnológicos e de telecomunicações.