Em linha com a política liberal da equipe econômica, a Caixa, líder na concessão de empréstimos imobiliários, vem trabalhando para atrair o interesse do capital privado. Para isso, o banco está reduzindo sua alavancagem e na quarta-feira 12, começou a quitar sua dívida com o Tesouro. Vai pagar R$ 3 bilhões nas próximas semanas e mais R$ 17 bilhões até o fim deste ano. Também vai levantar outros R$ 7 bilhões com a venda de 241 milhões de ações ordinárias da Petrobras (confira o quadro na página 58). Além de reduzir a dívida pública, essas medidas vão ajudar a Caixa a limpar seu balanço. No entanto, elas têm um potencial limitado para estimular o crescimento dos empréstimos. Por isso, a Caixa também vai buscar uma aproximação maior com o mercado de capitais.

Ainda não há detalhes da operação, mas o banco anunciou que vai conceder empréstimos corrigidos pelo índice de inflação IPCA. Até agora, a única alternativa é a Taxa Referencial (TR), que remunera as cadernetas de poupança. Definida pelo Banco Central (BC), ela tem sido mantida em zero (ou quase zero) desde o início do milênio. Isso fez com que os bancos e investidores não se interessem por contratos a ela indexados. Ao substituir a TR pelo IPCA, a Caixa passará a fornecer ativos compatíveis com as necessidades de fundos de pensão e de investidores em busca de proteção contra a inflação, facilitando o acesso a novos recursos.

A medida buscará desatar um velho nó do setor, a falta de recursos. Até agora, o capital dos créditos para a compra de imóveis vem de duas fontes. Nos financiamentos normais, a poupança. No programa Minha Casa Minha Vida, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

É pouco. “O limite de capital disponível por esses canais é uma das razões para nosso mercado ter um desenvolvimento inferior a seu potencial”, diz o presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Gilberto Duarte de Abreu Filho. Ao atrelar a prestação do contrato ao IPCA em vez da TR será possível atrair o dinheiro de investidores que buscam ativos que pagam juros fixos mais a variação da inflação. “O mercado já vinha crescendo cerca de 30% com a retomada dos empréstimos pelos bancos privados e a ação da Caixa pode acelerar esse ritmo ainda mais”, diz Abreu Filho.

Empreendimento da Direcional em SP: se governo liberar saques do FGTS, estará colocando em risco o programa Minha Casa Minha Vida, principal foco de atuacão da construtora (Crédito:Divulgação)

As mudanças devem beneficiar as empresas do setor, cujos resultados dependem muito do financiamento imobiliário. “A indexação ao IPCA vai representar uma revolução para o mercado”, diz Ricardo Ribeiro Valadares Gontijo, presidente da Direcional Engenharia, construtora dedicada ao Minha Casa Minha Vida. “A TR é uma taxa estranha, que não faz sentido, e o uso do IPCA trará uma fonte inesgotável de capital para financiar os empreendimentos.” Uma das gestoras que pode se interessar por produtos do tipo é a Rio Bravo Investimentos, que tem cerca de R$ 250 milhões em ativos imobiliários. “Ao adotar o IPCA, a Caixa vai trazer mais liquidez para os imóveis em carteira, que poderão ser retirados do balanço do banco, securitizados e vendidos no mercado de capitais”, diz Michael Fridman, analista de crédito da Rio Bravo. “Se isso acontecer, os investidores devem aumentar sua participação no financiamento imobiliário.”

FÔLEGO Rafael Menin, presidente da MRV Engenharia, também diz acreditar em um aumento no apetite dos bancos. “Precisamos manter os juros baixos no médio e longo prazo e a inflação controlada, o que fará o mercado de capitais crescer de maneira expressiva”, diz Menin. Segundo ele, o novo bolsão de recursos não reduz a importância da poupança ou do FGTS na sustentabilidade do setor. “Serão mercados complementares”.

No mesmo evento em que anunciou a indexação dos financiamentos ao IPCA. Pedro Guimarães, presidente da Caixa também informou que os juros no crédito imobiliário seriam reduzidos. Nos créditos fora do Minha Casa Minha Vida, a taxa foi de 9,75% para 8,5% ao ano. No programa subsidiado para a baixa renda, a taxa caiu de 8,75% para 8,5% ao ano. O banco também lançou um esforço concentrado para renegociar dívidas problemáticas, mas essas medidas foram recebidas com menos entusiasmo. “A Caixa só se aproximou da realidade do mercado”, diz Gontijo, da Direcional. “É possível encontrar taxas a partir de 8,1% em outros bancos”, afirma. Menin, da MRV, é mais otimista. “O crédito imobiliário é um dos vetores do aumento da bancarização, e ninguém quer ficar fora desse mercado.”

A mudança também afasta o grande medo do setor, que é uma sangria nos recursos destinados ao Minha Casa Minha Vida, por meio da liberação dos saques do FGTS para reanimar a economia. Na Direcional, 80% das receitas dependem das obras financiadas pelo programa. Se adotada, diz Gontijo, a liberação pode colocar em risco a sustentabilidade do programa, que gera 600 mil empregos diretos. “O MCMV é o segmento que melhor tem enfrentado a crise, e respondeu por cerca de 70% dos lançamentos imobiliários no ano passado”, diz ele. Prevenido, Menin, da MRV, quer aumentar a participação dos financiamentos do SPBE (que depende dos recursos da poupança) dos atuais 5% para 25%. “A alta dos juros e a falta de recursos fez esse segmento ter um desempenho muito fraco entre 2013 a 2017, mas ele agora está se recuperando”, diz.

MAIS CARO Há alguns poréns. Projeções da plataforma de comparação de preços de crédito imobiliário Melhortaxa mostram que se a utilização do IPCA já estivesse valendo, ela teria encarecido os contratos nos últimos anos. Os técnicos da plataforma fizeram um levantamento de preços dos financiamentos retroativo a 2014. Em nenhum desses anos, o financiamento com o IPCA foi mais barato do que com a TR. Em 2019, um empréstimo de R$ 300 mil indexado pelo IPCA custaria 10,79% ao ano ao tomador. Em um contrato vinculado à TR, os juros seriam de 8,71% ao ano. “O IPCA é um índice de inflação mais volátil, e como o empréstimo imobiliário é de longo prazo, essa opção aumenta o risco de encarecer substancialmente esse crédito”, diz Rafael Sasso, cofundador da Melhortaxa.


Castello Branco vende tudo

Para analistas, Caixa será bem-sucedida na venda de ações da Petrobras

Além de lançar um mutirão para renegociar dívidas, a Caixa vai vender 241,3 milhões de ações ordinárias da Petrobras em um lançamento no dia 27 de junho. Segundo o prospecto preliminar da oferta, o valor de venda por ação será de R$ 29,85, fechamento do dia 7 se junho. Para comparar, na quarta-feira 12 os papéis fecharam a R$ 26,85. Isso vai resultar em uma transação de cerca de R$ 7,2 bilhões. Segundo a Petrobras, a venda vai depender “de condições favoráveis dos mercados de capitais nacional e internacional.” O anúncio não surpreendeu os analistas. “Essa venda corrobora a linha do governo de reduzir o tamanho das empresas públicas, tornando-as mais focadas em seu negócio principal”, diz Rafael Passos, analista da Guide.

Não será a única transação. No dia 7, Roberto Castello Branco, presidente da estatal, lançou uma oferta secundária de ações da BR Distribuidora. O anúncio ocorreu um dia depois de o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) autorizar a venda de subsidiárias de estatais sem aprovação do Congresso, revertendo uma decisão cautelar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski que condicionava as operações de venda de controle de subsidiárias de estatais à prévia autorização legislativa e ao lançamento de um projeto de licitação.

Passos, da Guide, diz esperar uma demanda elevada pelos papéis da Petrobras. “O valor estipulado para a venda está abaixo do preço-alvo médio com que o mercado trabalha, que é de R$ 32,50, o que deve atrair compradores”. Além disso, ele afirma que a perspectiva positiva para a Petrobras, o preço elevado do petróleo e os juros baixos também devem contribuir para o sucesso da operação.

Álvaro Frasson, analista da Necton, diz que a oferta deve contribuir para o aumento da liquidez das ações ordinárias da Petrobras, que historicamente têm um volume de negócios bem inferior ao das preferenciais, que valem mais no pregão por serem mais líquidas. “Não se descarta a hipótese de as cotações das ordinárias subirem mais que as das preferenciais no curto prazo pelo aumento na liquidez em decorrência da oferta da Caixa”, afirma Frasson.