A pandemia afetou profundamente os fundos de previdência privada. O patrimônio desse segmento da indústria encolheu nos últimos dois anos, algo inédito desde sua criação. Em termos reais, o total aplicado nesses produtos caiu 23,9% entre dezembro de 2019 e novembro de 2021, dado mais recente disponível.

Essa retração é uma mudança abrupta. Os fundos de previdência, tanto os Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) quanto os Planos Geradores de Benefício Livre (PGBL) vinham apresentando o crescimento mais rápido da indústria. Segundo a Anbima, associação que representa o setor, o patrimônio total dos fundos de investimento era de R$ 6,87 trilhões em novembro de 2021. Em valores corrigidos pela inflação, essa cifra exibe um crescimento respeitável de 493% desde o fim de 1999. Porém, nada que se compare aos 37.482% da previdência ­— sim, mais de 37 mil por cento.

Segundo a responsável por produtos de previdência da Órama Investimentos, Tatiane Porto, até setembro do ano passado o setor captou cerca de R$ 100 bilhões em termos brutos — sem considerar os resgates. Porém, a saída de recursos foi muito superior a dos anos anteriores. O diretor da Bradesco Vida e Previdência, Jair Lacerda, afirmou ter notado um movimento semelhante. Além dos motivos mais visíveis como a queda do emprego e da renda, que obrigaram os clientes a resgatar suas aplicações para pagar as contas, a pandemia teve um efeito relevante. “Tivemos R$ 5 bilhões em devoluções de reservas” afirmou. “Pagamos muito mais beneficiários do que a média, especialmente as famílias dos clientes de idade mais avançada”, afirmou Lacerda.

Neste ano, a estratégia da Bradesco Vida e Previdência para reduzir esse movimento é concentrar esforços na orientação do cliente. “Vamos reforçar a ideia de que os investimentos em previdência privada são de longo prazo, e que só devem ser resgatados antes da hora em caso de emergência”, disse Lacerda. Segundo o executivo, em 2021 o resgate total de recursos da empresa cresceu 8% em relação a 2020. A expectativa para este ano é de mais um aumento dos saques, mas em uma proporção menor. E a meta é aumentar novamente a arrecadação. “Captamos R$ 28 bilhões em 2021, crescimento de 12% em relação a 2020, e estimamos aumento de 10% neste ano”, disse o executivo. A expectativa da empresa é que a variante Ômicron do coronavírus seja menos letal do que as anteriores, mesmo sendo mais contagiosa.

Um dos pilares é a diversificação, com foco nos fundos multimercados. “Vamos oferecer produtos mais diversificados, inclusive com exposição a ativos internacionais”, afirmou. A Órama, que atua principalmente na distribuição de produtos, notou que esse movimento ganhou importância na indústria. “A maior parte das gestoras já tem ou planeja ter fundos de previdência em sua grade de produtos”, disse Tatiane. “Essa mudança no mercado facilita atender as necessidades dos clientes.”

CONCORRÊNCIA Além dos obstáculos da economia e da pandemia, o setor vai ganhar um concorrente neste ano. Em junho, o Tesouro Direto completa 20 anos. Como parte das comemorações, o governo estuda o lançamento de um título público dedicado à formação de patrimônio para a aposentadoria. Baseado em estudos desenvolvidos pelo economista Fábio Giambiagi e outros, o Tesouro Direto Previdência deverá ser um título que facilita a acumulação.

Segundo os estudos conduzidos por Giamgiagi, um dos principais entraves à expansão da previdência privada é a complexidade dos produtos. O poupador tem de decidir, décadas antes de resgatar o dinheiro, qual será o regime de tributação e qual a estratégia de investimentos. Para sanar esse problema, o novo título será de longo prazo, ao menos 30 anos, e terá apenas acumulação. Ou seja, não vai pagar juros até o vencimento. A facilidade é que o Tesouro pretende permitir que o futuro aposentado saiba quanto terá de investir definindo, antecipadamente, quanto pretender receber e em que prazo. Isso será possível por meio de simulações que deverão estar disponíveis no site do Tesouro.