Surtos epidêmicos aceleram a adoção de tecnologias e tecem hábitos. A obesidade, uma pandemia, foi moldada por hábitos ligados aos sapatos e cadeiras. Por volta do ano 1300, médicos prescreveram sapatos para combater a Peste Negra. Nunca mais saíram de cena. Pés deformados ou doloridos tornaram a cadeira útil e popular. Máscaras serão comuns como sapatos? A necessidade de preservar a vida não muda, só a maneira de fazer isso. Hábitos podem ficar, mas não são novo normal. Cozinhamos há 1,9 milhão de anos. Assar, fritar ou usar o micro-ondas não muda hábito e nem necessidade. O micro-ondas não refundou o sistema de recompensa cerebral que funciona por gatilhos de utilidade, sobrevivência e adaptação. E não somos mais novos ou mais normais por usá-lo.

Vivemos tempos líquidos, dizia Zygmunt Bauman, filósofo polonês. Tudo muda rapidamente e o individualismo nos acena. É filosoficamente impossível definir novo e normal, porque só existem em fantasias morais. O que há é uma enxurrada de desprezo ao jornalismo, negação à ciência e ódio em redes sociais. Precisar de um novo normal é sentir necessidade de algo que não sabemos o que é. Queremos abraço, mas não toleramos diferenças. O sexo virtual então reina em uma internet que abriga celebridades efêmeras, tuítes e muita gente geralmente descolada da razão, pura ameaça à democracia. Terreno fértil para fake news como esse novo normal.

Pandemias bagunçam as emoções. Isolados socialmente, potencializamos uma guerra de narrativas perigosas, uma sucessão de fenômenos cotidianos com suas crises e polarizações fundamentalistas. Mas o isolamento não tem o poder de recriar necessidades humanas, novo consumidor, novo mar-keting ou novo qualquer coisa. Usamos ferramentas por utilidade, como fizemos com a pedra lascada e o sapato e colocamos de escanteio o Blu-ray e o iPod. Para o bem ou para o mal, neurônios estão a nosso favor. A parte do nosso cérebro responsável pelos hábitos fica separada daquela que guarda a memória. Memória é diferente de hábito e temos memória curta.

Por conta da sequência-de-coisas-que-nunca-ficam guardamos o que é recorrente ou conveniente e isso nos distancia perigosamente da História. Novo normal é distração de curta duração. Não podemos defendê-lo se não somos capazes de defini-lo. O novo normal é mais uma cria de bots, da indústria de notícias falsas e dos algoritmos que levam ao obscurantismo e à manipulação. A própria indefinição do novo normal é sua face mais perigosa, porque aquilo que nada é pode ser qualquer coisa nas mãos de qualquer um. Ele pode pressupor que somos filhos de Adão e Eva, que negros e gays são raça inferior ou que a ditadura é o melhor para um povo. Para a grande massa de população, novo normal pode ser apenas o cumprimento de regras sanitárias no futuro próximo. E disciplina, diferentemente do Oriente, não é lá o nosso forte. Mas isso nem é novo normal. É civilidade. Pena que já nos esquecemos disso.

Edmar Bulla é CEO do Grupo Croma