O jornal Novaya Gazeta, cujo editor-chefe Dimitri Muratov recebeu o Prêmio Nobel da Paz nesta sexta-feira (8), é um dos veículos investigativos sobreviventes na Rússia, um compromisso que custou a vida de vários de seus jornalistas.

A entrega do prêmio a Muratov, de 59 anos, coincide com o 15º aniversário do assassinato de sua icônica jornalista Anna Politkovskaya, cujo crime prescreveu na quinta-feira (7) sem que seus autores intelectuais tenham sido responsabilizados perante a Justiça.

O Nobel também vem no momento em que a onda de repressão contra a oposição russa se intensifica, e a mídia independente e ONGs críticas ao Kremlin são acusadas de extremismo, ou de trabalharem para países estrangeiros.

“Não iremos a lugar nenhum, não somos agentes pagos por países estrangeiros, não recebemos financiamento externo. Vamos ficar para viver e trabalhar na Rússia”, insistiu Muratov em março passado, em meio ao crescente número de opositores e jornalistas que deixa o país, após a prisão do principal adversário do Kremlin, Alexei Navalny.

Nos últimos anos, o Novaya Gazeta publicou artigos sobre corrupção, informações sobre execuções extrajudiciais e perseguições contra homossexuais na Chechênia e também participou da investigação internacional dos “Panama Papers”, sobre lavagem de dinheiro em paraísos fiscais.

– O fantasma do fechamento –

Desde sua criação em 1993, o Novaya Gazeta pagou um alto preço por seu trabalho, e seis de seus funcionários foram assassinados. A todos eles, Muratov dedicou o Prêmio Nobel conquistado nesta sexta-feira.

“Não posso levar o crédito. É do Novaya Gazeta. É dos que morreram defendendo o direito das pessoas à liberdade de expressão”, disse, citando seus nomes um a um.

O caso mais notório é o de Anna Politkovskaya, conhecida por suas críticas às políticas do Kremlin na Chechênia. Ela foi assassinada em 7 de outubro de 2006. Os autores intelectuais do crime ainda não foram identificados.

“Não é segredo para ninguém que, quando Anna Politkovskaya foi assassinada, eu quis fechar o jornal (…) Este jornal é perigoso para a vida das pessoas”, disse à AFP Muratov, que é editor-chefe do jornal praticamente sem interrupção desde os anos 1990.

Mas os jornalistas convenceram-no a seguir adiante.

O ano de 2009 foi especialmente difícil, com três colaboradores do jornal assassinados, incluindo uma pessoa muito próxima de Politkovskaya, Natalia Estemirova. Ela foi sequestrada em Grozny e encontrada morta, pouco depois, na vizinha República da Inguchétia.

A história do Novaya Gazeta começou quando jornalistas do Komsomolskaya Pravda decidiram criar um novo meio de comunicação.

O último líder da era soviética, Mikhail Gorbachev, ajudou-os a lançá-lo investindo o dinheiro recebido justamente quando ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1990, explicou o editor-chefe da época, Sergei Kojeurov.

– A investigação –

Gorbachev ainda detém, junto com o empresário Alexander Lebedev, muito crítico do Kremlin, partes minoritárias do jornal. O restante pertence à redação.

O primeiro número desta publicação saiu em 1º de abril de 1993.

“Estávamos divididos em três equipes: um dia, éramos jornalistas; outro dia, tipógrafos; e outro, designers”, diz a redação em seu site, ironicamente, sobre os poucos meios de que dispunham na época.

O jornal rapidamente começou a se destacar pela qualidade de seu trabalho investigativo.

O Novaya Gazeta se aprofundou em temas delicados, inclusive aqueles que, desde que Vladimir Putin chegou ao poder em 2000, eram inacessíveis a outras mídias – a começar pela guerra na Chechênia.

Até hoje, o jornal, que é publicado três vezes por semana, continua a oferecer artigos de investigação longos, aprofundados e contundentes, mesmo sabendo que isso coloca seus profissionais sob os holofotes das autoridades.

Em 2016, o Novaya Gazeta denunciou a existência de um complexo sistema de empresas offshore vinculadas ao presidente russo, analisando o material descoberto pelos “Panama Papers”. Estes documentos foram divulgados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês).

Em abril de 2017, o jornal também publicou a existência de “campos de detenção secretos” para homossexuais na Chechênia. Muito respeitado no exterior, o Novaya Gazeta continua sendo um meio ainda marginal na Rússia, onde é lido por uma minoria.