No pequeno município de Ely, ao norte do Estado de Minnesota, nos Estados Unidos, os lagos que circundam a área central são tão importantes para a cidade quanto as suas ruas. Conectam vizinhos em seus barcos e dão acesso às atividades de aventura que fazem da região um destino turístico, atualmente uma das principais fontes de renda para os quase quatro mil habitantes. A relação com as águas é histórica. Os extensos lagos nos arredores alimentaram o comércio de grãos e madeira que impulsionou o desenvolvimento local no início do século passado.

Hoje, a extração não é mais permitida. Boa parte da madeira usada em obras da cidade, por exemplo, é importada do Canadá. O país vizinho fica a pouco mais de 30 quilômetros e costuma ser acessado pelos moradores em suas embarcações, pela área chamada de Águas Limítrofes, com pouco mais de 4 mil quilômetros de extensão navegáveis. Na última eleição, a cidade americana rompeu com sua tradição democrata e deu vitória ao republicano Donald Trump, na esperança de que sua visão pró-mercado ajudasse a resgatar atividades extrativas, em especial a mineração. O voto pode ter saído pela “culatra”.

No município, é difícil encontrar quem se preocupe com os impactos das medidas protecionistas do presidente, embora Ely situe-se no limite da fronteira com o Canadá, um dos principais alvos de Trump no comércio. O que a maioria não sabe, porém, é que resoluções adotadas pela nova administração já estão contribuindo para aprofundar uma das principais queixas locais: o elevado preço das casas. Segundo a Associação das Construtoras Residenciais (NAHB, na sigla em inglês), os custos dos materiais de construção subiram 20% desde que Trump anunciou medidas para frear a importação da madeira canadense no início do ano, com adicionais de tarifas que chegam a 30%.

Em busca de um acordo: representantes do Canadá, dos Estados Unidos e do México iniciaram. Em 16 de agosto, as tratativas para um novo Nafta (Crédito:AFP Photo / Paul J. Richards)

O endurecimento com parceiros tradicionais foi uma das principais promessas da campanha do republicano. A intenção é rever os termos do Nafta (Acordo de Livre-Comércio da América do Norte) para acabar com os déficits dos Estados Unidos com os dois outros integrantes, México e Canadá. As negociações para a revisão foram iniciadas oficialmente no dia 16 deste mês, com a primeira de uma série de rodadas que devem se estender até o final do ano. “Sentimos que o Nafta falhou para muitos, muitos americanos, e precisa de uma série de aprimoramentos”, afirmou Robert Lighthizer, secretário de Comércio dos Estados Unidos, ao inaugurar as discussões.

O governo americano culpa o acordo pela perda de 700 mil empregos, um déficit de US$ 57 bilhões com o México em 2016 e de US$ 365 bilhões com o Canadá, nos últimos dez anos (leia quadro ao final da reportagem). Representantes dos dois países enxergam a necessidade de atualizar o acordo, firmado em 1993. Porém, discordam da questão do déficit. “O Canadá não vê superávits ou déficits como uma forma eficaz de medir se o comércio está funcionando”, afirmou Chrystia Freeland, ministro de Relações Exteriores canadense. Áreas como e-commerce, proteção intelectual, transparência e agricultura de ponta devem ser abrangidas na nova negociação.

Os Estados Unidos também querem aprofundar regras de conteúdo local para a indústria automotiva e estabelecer uma cláusula de proteção contra manipulação de moedas. Numa conferência no Arizona, na terça-feira 22, o presidente Trump voltou a ameaçar os parceiros. “Pessoalmente, eu acho que não vamos conseguir concluir as negociações”, afirmou Trump num discurso em que ele também atacou a mídia. “Acho que vamos acabar encerrando o Nafta em algum momento.” Nos Estados Unidos, nem todos concordam com o diagnóstico da administração federal sobre o Nafta. Representantes da Associação da Indústria de Produtos Alimentícios do Centro-Oeste de Minnesota têm reforçado que o acordo ainda está vivo.

Monitoramento: o presidente Donald Trump foi conhecer, na terça-feira 22, o drone que irá fiscalizar as fronteiras (Crédito:Afp Photo / Nicholas Kamm)

A entidade, que engloba empresas como a General Mills, dona das marcas Häagen-Dazs e Yoki, tem mantido conversas com representantes canadenses para tentar reforçar essa mensagem. Um levantamento feito pelo Departamento de Desenvolvimento Econômico de Minnesota também contradiz a visão federal. Nos últimos oito anos, o Estado, que é governado por um democrata, conseguiu reduzir o déficit com o Canadá em 66% e transformar o déficit com o México em superávit. Os dois países são os principais parceiros do Estado hoje, responsáveis por cerca de 30% dos US$ 20 bilhões exportados em 2016.

Os especialistas são céticos sobre a profundidade das negociações do Nafta e acreditam que forças ponderadas dentro da própria Casa Branca podem frear ofensivas protecionistas mais ambiciosas. “O mais provável é que o Trump consiga algumas pequenas mudanças como uma vitória e siga em frente”, diz Robert Kurdle, professor de comércio internacional na Humphrey School of Public Affairs, de Minneapolis. Kurdle alerta para o risco de perda geral de riqueza no país e possíveis impactos nos preços internos. “Medidas protecionistas simplesmente farão com que o bolo total da economia fique menor.” É um jogo de perde-perde. O caso da madeira canadense sugere algumas pistas do que pode acontecer com o Nafta caso as negociações avancem. Além do aumento de preço, houve substituições das importações canadenses por outras nações.

Enquanto as compras do Canadá caíram 1% no primeiro semestre, as da Rússia, ironicamente, subiram 42%. No total, os Estados Unidos aumentaram em 38% as importações do produto. Pelo exemplo russo, é possível concluir que, caso concretizada, a revisão do acordo poderia beneficiar outros países, incluindo o Brasil. O Canadá já iniciou no começo do ano um processo para avançar num acordo comercial com o Mercosul. As portas fechadas para o México nos Estados Unidos também poderiam ajudar a aumentar o fluxo de comércio para empresas brasileiras, principalmente em itens como autopeças e proteína animal. Tudo depende de como caminhará o imprevisível presidente Trump.