A sanção da reforma trabalhista pelo presidente Michel Temer, na quinta-feira 13, foi recebida com empolgação pelo engenheiro Cleber Morais, presidente da multinacional francesa Schneider Electric no Brasil. Não porque o executivo acredita na precarização das relações de trabalho ou na redução dos custos com a folha de pagamentos, mas porque aposta que a medida representa uma importante evolução no mercado de trabalho no País.

“A reforma trouxe uma atualização que a tecnologia já proporcionava em termos de aumento da produtividade”, diz Morais à DINHEIRO, comemorando, por exemplo, a regulamentação de iniciativas como parcelamento de férias em três períodos no ano e a possibilidade de permitir que o funcionário trabalhe de casa, o chamado home office. “Não vejo nenhuma medida na reforma que possa prejudicar o empregado. Haverá muitos benefícios.” Morais não está só. Era consenso entre empresários e economistas que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estava ultrapassada e dificultava a expansão dos negócios e dos empregos.

Manuel Macedo, presidente da Henkel no Brasil: “É possível poder ter maior equilíbrio familiar, com mais tempo para sua vida pessoal, sem prejuízo para a vida profissional” (Crédito:Amanda Perobelli/Estadao)

Criada em 1943, a CLT já passou por diversas modificações, mas nunca abandonou a lógica industrial de meados do século passado, em que a jornada de trabalho era de segunda a sexta-feira, oito horas por dia. Ela não prevê outras formas de trabalho que foram surgindo ao longo dos anos, em que empresas precisam de funcionários em horários alternativos. “O Brasil é retardatário no aperfeiçoamento das regras nas relações de trabalho”, afirma o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), relator da reforma no Senado (leia entrevista na coluna MOEDA FORTE).

Com a reforma, a expectativa é que o mercado de trabalho ganhe força e gere cerca de 2,3 milhões de novos empregos em todo o País, segundo projeções da equipe econômica do banco Santander. Essa defasagem da legislação brasileira acabou gerando nas empresas a necessidade de criar soluções domésticas. Por isso, na prática, Morais já havia implementado na Schneider Electric, com receita global de E 25 bilhões e 3 mil funcionários no País, uma espécie de flexibilização da jornada.

Alguns de seus executivos eram autorizados a promover em casa conferences calls com seus times em outras partes do mundo, principalmente com os da matriz, na França, além de Estados Unidos, de Dubai e de Hong Kong. “Não faz sentido obrigar o funcionário a estar no escritório fora do horário, já que o fuso da Europa ou da Ásia, muitas vezes, resulta em reuniões durante a noite”, explica o executivo. “Uma hora a menos no trânsito significa uma hora a mais com a família”. A relação entre o home office e o aumento da produtividade está comprovada nas repartições da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.

Desde abril, em um programa piloto, 30 dos 90 fiscais do órgão receberam autorização para trabalhar de casa por até dois dias na semana – só não podem as segundas e sextas-feiras. Segundo Luiz Claudio Carvalho, coordenador da administração tributária da Secretaria, a produtividade aumentou de 15% a 40%. “A experiência está sendo monitorada em tempo real, e todas as métricas de comparação revelam um grande ganho de produtividade qualitativa e quantitativa”, afirma.

Eduardo Fischer, presidente da Construtora MRV: “Tínhamos uma insegurança jurídica imensa e, por isso, acabamos decidindo não adotar algumas mudanças que poderiam ser boas” (Crédito:Claudio Belli/Valor/Ag O Globo)

A multinacional Henkel, gigante alemã do setor químico, já adota o home office opcional para os 300 funcionários do escritório em São Paulo, mesmo a modalidade não sendo prevista na CLT. Todos mantêm suas mesas, computadores e telefones na sede da companhia, mas podem optar por trabalhar de casa. “É possível ter maior equilíbrio familiar, com mais tempo para sua vida pessoal, sem prejuízo para a vida profissional”, garante o presidente da operação brasileira, Manuel Macedo, em entrevista ao programa MOEDA FORTE na TV Dinheiro.

Em média, os funcionários da Henkel optam for trabalhar de casa uma vez por semana, segundo o executivo. E isso não afetou a performance da subsidiária. Ao contrário. A taxa de crescimento na América Latina, onde o Brasil desponta como principal mercado, foi de 13,8% no ano passado, acima da média mundial de 13,5%. “Melhorar a qualidade de vida aumenta, sem dúvida, a produtividade.” Autorizar novas formas de organização do trabalho, como o home office, é uma das principais virtudes apresentadas pela reforma e pode ajudar a mitigar um dos principais problemas da economia brasileira, a baixa produtividade (leia reportagem aqui).

“A reforma melhora a organização do trabalho, dando mais condições para otimizar a força de trabalho”, diz Emerson Casali, diretor de relações institucionais da CBPI, consultoria que visa melhorar a produtividade das empresas. “Você pode adequar o pessoal de acordo com a demanda.” Entre as possibilidades que a lei prevê está o chamado trabalho intermitente, uma forma de contratação que remunera o trabalhador de acordo com as horas trabalhadas, sem o estabelecimento de horários fixos de trabalho. Até o momento, as empresas, sobretudo bares e restaurantes, precisavam se contentar com a contratação parcial, cuja duração não podia exceder 25 horas semanais.

Mário Câmara, diretor-geral da Atento no Brasil: “O País só tem a ganhar com a reforma, que moderniza e fortalece as relações entre as organizações e seus empregados” (Crédito:Claudio Gatti)

A Arcos Dourados, principal franqueadora da rede de fast food McDonald’s, é uma das companhias que deve se aproveitar disso. No ano passado, a Justiça sentenciou a empresa ao pagamento coletivo de R$ 2,2 milhões a 1,5 mil funcionários da cidade catarinense de Florianópolis pelo fato de ela ter tentado implementar, entre outras iniciativas, uma espécie de jornada intermitente, que a Arcos Dourados chamava de jornada móvel. O valor foi estabelecido em razão de uma série de irregularidades que envolviam o registro dos funcionários, alteração dos cartões de ponto e jornada insalubre.

 

Após pressão do Ministério Público Federal, a empresa decidiu acabar com o sistema. Procurada pela reportagem, a Arcos Dourados não quis comentar os efeitos da reforma trabalhista em sua operação. “Informamos que, atualmente, não praticamos jornada móvel”, comunicou a empresa, em nota. Agora, com a reforma, o risco de processos foi bastante mitigado, graças ao dispositivo que diz que as negociações entre empresas e trabalhadores têm força de lei e a Justiça do Trabalho ficará restrita a analisar os elementos formais do acordo, buscando interferir o mínimo possível “na autonomia da vontade coletiva”.

Estarão passíveis de negociação 13 pontos, incluindo a jornada de trabalho (confira no quadro “Principais pontos da reforma aprovada”). O risco de sofrer ações trabalhistas impedia a construtora mineira MRV, a maior do País no segmento residencial, de atender a uma antiga demanda de seus funcionários dos departamentos administrativos, que reivindicam sair uma hora mais cedo, às sextas-feiras, para escapar dos congestionamentos em cidades com São Paulo e Belo Horizonte. “Tínhamos uma insegurança jurídica imensa e, por isso, por medo acabamos decidindo não adotar algumas mudanças que poderiam ser boas para o funcionário e para a empresa”, afirma o presidente da construtora, Eduardo Fischer.

A disposição de que o negociado se sobrepõe ao legislado deve reduzir a judicialização das relações de trabalho. Segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST), as Varas do Trabalho receberam, em 2016, 2,7 milhões de processos, alta de 4,5% em relação a 2015. Deste total, 2,6 milhões foram julgados. O restante, somado com casos de outros anos que também não passaram por encaminhamentos, totalizou 1,8 milhão de processos. O alto número de ações é resultado do engessamento excessivo da CLT, que possui oito capítulos e 922 artigos, tornando o seu cumprimento de forma plena praticamente impossível, gerando nas empresas receio de contratar e impedindo acordos com funcionários em relação a qualquer tema.

“O custo do trabalhador é muito alto e incerto no Brasil”, afirma José Márcio Camargo, professor do departamento de economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). “O empresário não sabe quanto ele vai custar, porque depende das decisões da Justiça do Trabalho, que são totalmente incertas.” Além de insegurança jurídica, o excesso de processos faz com que o custo para manter a Justiça do Trabalho seja elevado. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), este sistema consumiu R$ 16,5 bilhões em 2015, sendo a segunda maior despesa do Poder Judiciário, representando 20,8% do total, equivalendo a um custo de R$ 80,64 por habitante. Entre 2009 e 2015, as despesas da Justiça do Trabalho cresceram 9% em todo o período.

No apagar das luzes: em sessão tumultuada, com iluminação desligada por ordem do presidente da casa, senadoras contrárias à Reforma tomaram a mesa diretora (Crédito:Pedro Ladeira/Folhapress)

A questão pode levar muitas empresas a seguirem exemplos como o da americana P&G, onde os 4 mil funcionários da subsidiária no Brasil, com exceção dos empregados da produção, podem negociar diretamente com o seu gestor benefícios como horário flexível, opção de trabalhar um dia de casa e semana comprimida. “Nosso ambiente de trabalho digital, sem lugares fixos e com muitas possibilidades de integração, também torna o ambiente mais produtivo e colaborativo, o que tem sido bastante apreciado pelos funcionários desde que tivemos a mudança de escritório, em novembro de 2014”, afirma Juliana Clemente, diretora de RH da P&G. “Neste desenho, cada ambiente tem um tipo de design diferente, no qual o funcionário pode escolher em qual ficar cada dia ou momento, dependendo do tipo de trabalho que precisa fazer.”

Ainda que os benefícios pareçam sedutores, a adoção deste tipo de prática deve ser demorada, segundo Decio Daidone Junior, especialista em direito trabalhista do escritório ASBZ Advogados. “Muitas empresas nos ligaram para entender como a reforma vai impactar em seu dia-a-dia”, diz. “Ainda existem lacunas na reforma, que deverão ser respondidas pelo Judiciário.” Se foi bem recebida pelo setor produtivo, a reforma trabalhista sofreu duras críticas do Ministério Público do Trabalho (MPT). O órgão afirma que a possibilidade de o legislado se sobrepor ao negociado é inconstitucional, pois, segundo a Carta Magna, os direitos precisam visar a “melhoria da condição social” do trabalhador e a possibilidade de flexibilização fere este princípio básico.

Vitória de Temer: o presidente sancionou a Reforma Trabalhista na quinta-feira 13, em cerimônia realizada no Palácio do Planalto, para demonstrar força em meio a análise da denúncia de corrupção passiva pelo Congresso (Crédito:Beto Barata/PR)

Esta interpretação foi endossada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), entidade vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo a diretora do Departamento de Normas Internacionais, Corinne Vargha, isso só deve ser incentivado caso propicie “condições de trabalho mais favoráveis do que as previstas na lei”. Ela afirmou, ainda, que vários convênios da OIT assinados pelo Brasil exigem que medidas legislativas do tipo sejam “precedidas de consultas com as organizações que representam os trabalhadores”, o que os sindicatos alegam que não aconteceu. A tese é que a reforma, como está, fragiliza os empregados em negociações individuais com os patrões.

A polêmica chegou a tumultuar a sessão que votava a reforma no Senado. O presidente da casa, Eunício Oliveira, chegou a determinar o desligamento das luzes, depois que algumas senadoras da oposição tomaram a mesa diretora em protesto ao projeto. Entre elas estavam a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) e Gleisi Hoffmann (PT-PR). Apesar das reclamações, a aprovação da reforma trabalhista representou uma grande vitória do presidente Michel Temer, que enfrenta no Congresso uma batalha pela sobrevivência de seu mandato.

Juliana Clemente, diretora de RH da P&G: “o ambiente de trabalho digital, sem lugares fixos e com Possibilidades de integração, também torna o ambiente mais produtivo e colaborativo” (Crédito:Rhaiffe Ortiz)

“Desde o início do meu mandato, assumi o comprimisso de levar adiante as reformas com apoio expressivo do Congresso Nacional. O legislativo quando aprova, como aprovou agora, está ajudando a governar”, afirma Temer. Na cerimônia que sancionou a nova lei, no Palácio do Planalto, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse que a reforma será fundamental para retomar o crescimento do País. “Estamos concluindo não só ajustes fiscais, que são essenciais para a economia, mas reformando para que possamos trabalhar de maneira mais produtiva e gerar mais empregos e mais renda para os trabalhadores brasileiros”

Além das questões técnicas, fatores políticos devem atrasar a implementação das novas diretrizes trabalhistas. Quando a reforma chegou ao Senado no final de abril, ela recebeu diversas críticas, principalmente os pontos que tratam do trabalho intermitente e a possibilidade de gestantes e lactantes poderem trabalhar em locais insalubres. Para evitar que o texto sofresse modificações, o que forçaria o seu retorno e atrasaria a tramitação, o presidente Temer prometeu aos senadores que faria mudanças através de Medida Provisória (MP).

A minuta com as alterações foi apresentada no mesmo dia em que o texto foi sancionado e traz mudanças em apenas algumas questões, como a autorização das gestantes poderem trabalhar em locais insalubres e a jornada intermitente. Ela ainda terá que ser analisada pelo Congresso Nacional e já há indícios de que não será uma tramitação simples. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, declarou, via redes sociais, na madrugada de terça para quarta-feira 12, quando o texto passou no Senado, que não colocaria para votação qualquer proposta que alterasse a reforma trabalhista.

Mais tarde, ele contemporizou e disse que a decisão dependerá da inclusão dos deputados na negociação realizada entre o Palácio do Planalto e o Senado. O próprio senador Ferraço colocou limites no que será modificado, demonstrando indisposição em reverter o fim do imposto sindical. “É uma questão de princípios, estamos saindo de uma realidade em que o Estado tutelava o dia-a-dia das pessoas, decidindo por elas”, afirma. “O governo sabe que, se insistir nisso, será derrotado no Congresso.” As centrais sindicais também entrarão em campo para tentar modificar o máximo que conseguirem da reforma.

A União Geral dos Trabalhadores (UGT) marcou uma reunião para a próxima semana, em Brasília, com o ministro do Trabalho, Ronaldo Teixeira, e o presidente Temer para negociar sete alterações na reforma, como o retorno da prerrogativa de homologação de demissões por parte dos sindicatos e a reversão do ponto da não necessidade de participação de sindicatos em negociações em empresas com mais de 200 funcionários. “Queremos fazer esta discussão sem açodamento, dialogando com o governo os problemas que vamos apresentar”, afirma o presidente da central, Ricardo Patah. “O que nós estamos pedindo é um pouco mais de equilíbrio.”

Ainda que passe por mudanças, o espírito da reforma não deve mudar. “Acreditamos que o País só tem a ganhar com a reforma trabalhista, que moderniza e fortalece as relações entre as organizações e seus empregados”, diz Mário Câmara, diretor-geral da Atento no Brasil, empresa de call center, terceira maior empregadora do País, atrás apenas dos Correios e da rival Contax, com 75 mil funcionários. Polêmicas à parte, o fato é que a tão esperada reforma trabalhista está, enfim, aprovada. Sejam a favor ou contra, empresas e empregados terão de se adaptar a uma nova dinâmica trabalhista. Para o bem ou para o mal.