Desde que surgiu o jornalismo moderno, há quatro séculos na Alemanha, com o Relation aller Fürnemmen und gedenckwürdigen Historien, de Johann Carolus, o modelo de negócios não mudou muito. Ou paga o consumidor (comprando de forma avulsa ou por assinatura) ou paga o anunciante. Foi assim enquanto existiam apenas os chamados veículos impressos (jornais e revistas) e posteriormente com os eletrônicos (rádio e TV). Aí veio a web e de certa forma tudo continuou igual – pelo volume crescente de audiência, ela se comportou mais como TV aberta e rádio, lastreada em anunciantes. Houve, no entanto, uma diferença crucial para muitos players tradicionais do jornalismo: o editor abriu mão dos dois dinheiros: do assinante e da publicidade. Parece estranho? Pois foi assim.

Na metade dos anos 90 surgiram as primeiras versões on-line de veículos noticiosos tradicionais. Invariavelmente, eles cometeram dois erros. O primeiro foi replicar no novo ambiente o formato da plataforma original: o jornal digital reproduzia o físico e era totalmente aberto, de graça. O segundo erro foi bonificar os anunciantes: o grosso do dinheiro entrava para a operação principal e o site era um bônus, “ganhe uns banners ali”. Erros homéricos começam em gotas. Roda o milênio e… Google e Facebook viraram as maiores empresas de mídia do mundo. Sem produzir notícias.

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Agora, um novo movimento começa a se consolidar e os players mais atentos já sacaram: modelo de negócios baseado majoritariamente em conteúdo pago por assinante. A diferença desta vez em relação a modelagens paywall ou freemium se dá tanto no conteúdo (essencialmente segmentado, analítico, em longo formato) quanto no ambiente (esteticamente mais bem trabalhado). É um novo step. Um ponto de inflexão que começa a marcar a temporada: websites mais refinados trazem audiências verdadeiramente mais qualificadas. Qual a vantagem para o editor? O dinheiro é todo dele.

Pode-se dizer que um movimento, feito pelo The New York Times no começo deste mês, seja o melhor exemplo. O gigante americano nascido no século 19 comprou por US$ 550 milhões o site The Athletic, focado em esportes e que tem apenas seis anos de existência. Fundado por Adam Hansmann e Alex Mather, a missão do site é simples e direta: “Produzir uma cobertura inteligente para fãs obstinados”. Você paga US$ 1,99 por mês (se assinar por pelo menos um ano) e recebe conteúdo de formato longo, mais analítico, feito por profissionais experientes. E não somente de modalidades esportivas aclamadas pelo público americano, há muito material também do velho futebol das principais ligas europeias. Com essa fórmula, o The Athletic tem 1,2 milhão de assinantes – se todos estão no pacote básico, a receita mensal é de quase US$ 2,4 milhões.

The New York Times já tem hoje mais de 8 milhões de assinantes. A meta é chegar a 10 milhões em 2025. Deve alcançar esse objetivo muito antes. Hoje, você começa uma assinatura pagando US$ 0,25 por semana. Depois do primeiro ano ela pula para US$ 2 por semana. A compra bilionária do site The Athletic é claro sinal de que o Times aposta no novo modelo. Hoje, até portais têm procurado restringir mais e mais parte de seus conteúdos para forçar o aumento do número de assinantes. E a velha e boa publicidade? Ela existe e é bem-vinda, inclusive com conteúdo patrocinado, e muito mais eficaz como branding – audiência segmentada e qualificada tem maior valor para as marcas. Mais importante: a receita do anunciante também é 100% do editor.

Em entrevista ao Financial Times, para falar da compra do The Athletic, a CEO da The New York Times Company, Meredith Kopit Levien, afirmou: “Se você fizer algo realmente grande, que as pessoas não conseguirão em outro lugar, elas vão pagar, e muitos veículos estão provando isso”. Para ela, “existe um mercado real para assinaturas.” De acordo com o Digital News Report 2021 do Reuters Institute, ligado à agência noticiosa fundada em Londres há 170 anos, cada vez mais pessoas estão dispostas a colocar a mão no bolso em troca de conteúdo qualificado. O número que era ridículo e beirava a zero (“para que pagar se posso ter de graça?”) já bate em 9% na Alemanha, 21% nos Estados Unidos e 28% entre os países nórdicos (“se quero qualidade, é melhor pagar”).

Vamos combinar que não é nada distante do efeito Netflix. Qualquer um podia consumir material de graça em vídeo na web? Sim, como no YouTube. Por que então pagaríamos por plataformas de streaming? Porque a experiência tende a ser diferente, para melhor, e o conteúdo mais relevante. Há um novo movimento no tabuleiro jornalístico on-line, e alguns players já se antecipam. Isso tende a ser bom para os consumidores, para as marcas e para o jornalismo profissional e de qualidade.