Como principal assessor econômico da chapa do PT nas eleições presidenciais, Marcio Pochmann é um dos responsáveis por desenhar propostas que fogem à regra da maioria dos programas apresentados pelos outros candidatos no pleito de 2018. O plano de governo prevê revisão do teto de gastos e a utilização dos bancos públicos para estimular o crédito, além de uma visão heterodoxa sobre o desafio das contas públicas. “A economia voltando a crescer, você tem mais arrecadação e abre espaço para tratar desse problema, que não negamos, que é o da situação fiscal grave do País.” Doutor em economia pela Universidade de Campinas (Unicamp), Pochmann foi presidente do Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada (Ipea) e, mais recentemente, decidiu ingressar na política. Concorreu a prefeito de Campinas em 2012 e agora tenta se eleger deputado federal por São Paulo. Em entrevista, ele rechaça a visão do mercado de que o programa de governo do PT não é reformista. Essa é a primeira de uma série de entrevistas que DINHEIRO realizará com os economistas das principais candidaturas à Presidência neste ano. Confira:

DINHEIRO – O programa prevê ações emergenciais. Quais são elas?

MARCIO POCHMANN – Tem, por um lado, a revogação de várias medidas que foram estabelecidas no governo atual. E, simultaneamente, medidas que busquem a retomada do crescimento econômico, que busquem romper com a armadilha recessiva atual. O crescimento se daria pela recuperação de obras que estavam sendo conduzidas e foram interrompidas, obras já licitadas, assim como o próprio Minha Casa Minha Vida, com mais de 36 mil habitações paralisadas. Em segundo lugar, dando importância novamente ao mercado interno, com a elevação da renda das famílias. A elevação se dará, por um lado, pela redução de tributos. Para isso estamos fazendo de imediato a redução do Imposto de Renda para quem ganha até cinco salários mínimos. Isso atingiria 18 milhões de pessoas que estão nesse patamar. Por outro, resolvendo o endividamento das famílias, com a introdução de uma linha de crédito especial, acompanhado da redução do custo do dinheiro, dos juros, especialmente do spread. E, por último, um novo padrão de financiamento da estrutura econômico-social, de redistribuição de renda.

DINHEIRO – O Brasil cresceu 0,2% no último trimestre. Podemos crescer mais?

POCHMANN – Estamos em condições favoráveis para crescer. Temos reservas internacionais que não tínhamos quando o PT assumiu o governo em 2003, preços num patamar relativamente baixo e uma situação da taxa de câmbio bastante interessante para o setor produtivo. Estamos em condições de iniciar uma recuperação muito rapidamente com um novo governo, novas ideias.

DINHEIRO – O atual governo propõe reduzir o déficit para permitir o crescimento, enquanto o senhor fala que o crescimento é que garantirá a consolidação fiscal. Qual é o caminho?

POCHMANN – Dizemos que o País precisa voltar a crescer para resolver melhor o problema fiscal. Há mais de dois anos temos um programa de austeridade fiscal muito forte, que é um fracasso. Nem resolveu o problema fiscal, que está mais grave ainda, tampouco voltamos a crescer. Estamos trabalhando sob outra perspectiva. O que estamos explicando é que o crescimento se dará ocupando a capacidade ociosa. A economia voltando a crescer, você tem mais arrecadação e abre espaço para tratar desse problema, que não negamos, que é o da grave situação fiscal.

DINHEIRO – O déficit então não seria uma preocupação de curto prazo?

POCHMANN – Nossa política é de gradualismo, não de choque. Não estamos propondo aumento de impostos, mas não estamos propondo mudar as metas fiscais. O que estamos propondo é a revogação do teto de gastos. O investimento sairia das metas fiscais, porque não há razão de colocar os investimentos junto com a meta fiscal. Investimento geral não é custeio.

DINHEIRO – Há perspectiva de acabar com o déficit fiscal no próximo mandato?

POCHMANN – Estamos apresentando um programa para governar o País. Um programa. O que você está me perguntando é um plano de governo. Aí vamos oferecer cronogramas, a racionalidade técnica que nos permitiu chegar a esse programa. É um programa-manifesto, que faz parte da campanha.

DINHEIRO – No programa, menciona-se o uso de bancos públicos novamente para reduzir os juros. Em 2013, houve uma tentativa semelhante que não se sustentou. Como será diferente agora?

POCHMANN – Não há como se operar com taxa de juros reais tão elevadas. Temos hoje uma estrutura oligopolizada, com poucos bancos. É preciso a competição entre banco público e privado. Para justificar a existência de bancos públicos, é preciso operar com a lógica pública, e não privada, que é o financiamento da habitação popular, o processo de bancarização dos pobres, a existência de agências em cidades e bairros em que um banco privado não iria. Não a lógica do lucro. O reposicionamento dos bancos públicos é fundamental. Mas também achamos que o cerne da alta taxa de juros é o spread. Nesse sentido, estamos trabalhando com a introdução de um tributo regulatório, um tributo que tem por objetivo estimular a competição, que taxaria os bancos quanto mais alto fosse a taxa de juros e deixaria de taxar quanto mais baixa.

“O reposicionamento dos bancos públicos é fundamental”Programa de governo petista prevê o uso da Caixa e do Banco do Brasil para aumentar a competição com as instituições financeiras privadas (Crédito:Daniel Teixeira/Ag. Estado)

DINHEIRO – Não haveria risco de um aumento expressivo na inadimplência? Como se resolveria isso?

POCHMANN – O que acontece é que as pessoas se endividaram porque tinham emprego e uma expectativa de que a economia não ia entrar em recessão. Em primeiro lugar, vamos libertar a renda do endividamento ao qual as pessoas estão subordinadas. É fundamental criar uma linha de crédito que possa refinanciar a dívida contraída. E, ao mesmo tempo, abrir as oportunidades de compra. Estamos falando de um País em que o acesso a bens industriais é bastante escasso para certa parcela da sociedade. Não estamos propondo o calote ou qualquer coisa dessa natureza, mas a reorganização desse endividamento com refinanciamento.

DINHEIRO – O partido tem defendido o uso das reservas internacionais, hoje em R$ 381 bilhões, para o investimento. Como isso seria utilizado? Não poderia fragilizar o país numa época de turbulências mundiais?

POCHMANN – Essa reserva é muito importante para responder a situação de especulação e de instabilidade de fora do País. Mas há vários estudos, até mesmo conservadores, de que há reservas excessivas em diversos países, não somente no Brasil. O Equador, a Bolívia, a Noruega, a China têm utilizado o excedente para medidas de financiamento de investimento. Planejamos, de forma gradual, utilizar o excedente, juntamente com recursos do BNDES, e com o lançamento de debêntures, em um fundo de investimento de médio e longo prazo. Porém, as reservas internacionais são um lastro. Não vamos lançar títulos para que se comprem elas. Não tem aí aumento da dívida pública nem nada disso. É plenamente possível.

DINHEIRO – O plano fala numa meta dupla para o Banco Central, incluindo também o emprego. Não seria visto como uma perda de independência?

POCHMANN – Ao contrário. Significa mais responsabilidade por parte do Banco Central. A instituição não será cobrada somente em relação ao desempenho monetário, mas também pelo desempenho da economia. A estabilidade monetária seria mais adequada se combinada à perspectiva do crescimento. Isso implicaria evidentemente um papel mais amplo, buscando justamente a convergência em termos de política fiscal e monetária

DINHEIRO – O câmbio passou a casa dos R$ 4. Como o senhor agiria se estivesse no governo?

POCHMANN – Estamos mantendo como proposição o atual regime cambial flutuante. É fundamental que o câmbio esteja favorável à produção nacional. Para competir com produtos importados temos que ter condições que permitam isso. O câmbio valorizado, infelizmente, foi muito desfavorável para quem produz no Brasil. Isso talvez ajude a entender porque a desindustrialização precoce avançou tão rápido. A taxa de câmbio deve permitir condições para quem queira produzir no Brasil.

DINHEIRO – O programa traz uma proposta de um imposto de exportação. Como funcionaria?

POCHMANN – Trata-se de uma tributação regulatória. A ideia é que corremos o risco da chamada doença holandesa. Um país fortemente exportador termina gerando excedentes comerciais que vão valorizando a moeda nacional. Essa nova tributação chega para evitar a sobrevalorização da moeda, que poderia formar uma poupança a ser utilizada nos momentos de baixa no preço das commodities. Seria uma poupança a serviço dos exportadores, para permitir que eles mantivessem seus ganhos em momentos de baixa. A soja, por exemplo: num ano está espetacular, daí o produtor faz um endividamento, aumenta a produção, mas no ano que vem o preço cai e ele tem perda, que por vezes desemboca em inadimplência. O objetivo é manter os ganhos evitando super ganhos ou prejuízos.

“Não há razão para colocar os investimentos junto com a meta fiscal”Além da exclusão do cálculo de superávit, o partido também pretende usar parte das reservas para financiar a infraestrutura (Crédito:iStock)

DINHEIRO – Quando se olha os governos do PT no passado, o senhor não acredita que houve exageros nos estímulos à economia?

POCHMANN – Fizemos um balanço dos nossos 13 anos e identificamos erros.

DINHEIRO – Quais erros?

POCHMANN – Esses nós tratamos internamente.

DINHEIRO – O mercado classifica a candidatura do PT como não reformista. O senhor acha essa crítica justa?

POCHMANN – É o que então se não é reformista? E que mercado, o mercado financeiro? Não entendo, por que não seria reformista? Posso dizer que fizemos um retrospecto dos oito programas do PT em suas campanhas à presidência e esse é o mais ousado que já fizemos. Um programa com começo, meio e fim. Apresenta e defende uma Assembleia Nacional Constituinte para aprovar reformas que até hoje o Brasil precisa fazer e não faz. Reforma política, reforma dos meios de comunicação, reforma bancária e reforma tributária. Uma reforma para valer.

DINHEIRO – E quanto à reforma da Previdência?

POCHMANN – Acreditamos que o debate foi muito mal posto, seja por objetivo ou por ignorância, porque não temos na verdade Previdência Social. Temos sistema de seguridade social desde a Constituição de 1988. Tem de ver a complexidade e o que representa um sistema em que prevê um atendimento do nascimento à morte. Na forma como foi apresentado, misturou tudo: Benefício de Prestação Continuada, Regime Geral da Previdência, outros regimes próprios federais, estaduais e municipais. Dividiu o País, colocou aqueles que vão perder contra os que vão ganhar, algo profundamente desfavorável. Acreditamos no modelo com idade mínima de 60 anos para mulher, associada à contribuição da previdência. Estabelecemos no setor público o regime especial, que garante aposentadoria máxima para o teto da previdência privada. Obviamente sabemos do problema e vamos tratar disso para melhorar o sistema, mas não para destruí-lo. Faremos modificações pontuais, diminuindo privilégios que vão desde pensões a benefícios desnecessários.

DINHEIRO – Como o Fernando Haddad contribuiu para o plano? O que muda com a impugnação de Lula?

POCHMANN – O Fernando é um dos coordenadores do programa. O programa foi aprovado em convenção pelo PT, com a construção da coligação com o PC do B e o PROS. Tivemos reuniões que buscaram justamente adaptar e convergir. Então o programa atual na verdade responde a essa construção. É um plano de governo cuja estrutura veio da perspectiva que Lula nos trouxe. Não vejo diferenças em relação a uma possibilidade de não ser o presidente Lula o candidato. Não me parece que há discrepâncias, divergências naquilo que lá está estabelecido.