Inventores da Covid-19, beneficiários da pandemia, Cebolinha (personagem da Turma da Mônica que troca o R pelo L), disseminadores da ditadura comunista… Não foram poucos os ataques do governo brasileiro à China nos últimos três anos. As piadas em redes sociais e lives do próprio presidente Jair Bolsonaro têm ganhado, ao que tudo indica, uma resposta silenciosa e financeiramente trágica aos frigoríficos brasileiros: quase dois meses de veto à importação de carne bovina. Desde a suspensão das vendas, em 4 de setembro, a cotação da arroba do boi já caiu, na média nacional, 9,5%. Para evitar prejuízos, que podem chegar US$ 4 bilhões neste ano, os frigoríficos estão reduzindo os abates para segurar os preços. “A China mostra que não depende tanto assim dos alimentos produzidos aqui”, afirmou o economista Claudio Diniz, especialista em Relações Internacionais e membro da The Royal Institute of International Affairs, em Londres. “Se o governo não recuperar a boa convivência com seu principal parceiro comercial, os prejuízos podem ser ainda maiores.”

Estima-se, de acordo com os dados mais recentes do Ministério da Agricultura, que o Brasil tenha enviado cerca de 112 mil toneladas de carne para a China, mas que estão paradas nos portos chineses, à espera de liberação. Segundo Lygia Pimentel, economista da consultoria Agrifatto, parte desses produtos já está paga. Na quarta-feira (27), a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, negou que a relação diplomática entre Brasil e China esteja estremecida e afirmou não ver como ato político a manutenção do bloqueio chinês à carne bovina brasileira. Em entrevista à CNN, ela afirmou que mantém conversas eminentemente técnicas com os chineses e que a troca de informações necessárias para a reabertura do mercado está em fase final. Ela atribuiu a morosidade para a liberação das cargas a uma estratégia comercial para reduzir os preços da carne bovina. “O Ministério da Agricultura tem tratado a parte sanitária com lisura e transparência para que não fique dúvida de que a gente pode garantir a qualidade dos nossos alimentos.”

Ian Cheibub

“Tratamos a parte sanitária com lisura e transparência para que não fique dúvida de que a gente pode garatir qualidade dos nossos alimentos” Tereza Cristina ministra da agricultura.

Especialistas acreditam que o impasse será equacionado nos próximos dias, já que o veto não é bom para nenhuma das partes. Na avaliação do economista Sérgio Berruezo, analista de research da Ativa Investimentos, não há motivos técnicos para continuar por mais tempo o embargo. Enquanto isso, os frigoríficos têm buscado rotas alternativas para chegar ao mercado chinês. “Empresas como JBS e Marfrig têm muitas oportunidades de escoar para China pelas operações que possuem fora do Brasil”, afirmou. “Até a própria Minerva, que é uma empresa que tem a sua produção concentrada em solo nacional, acaba podendo escoar pelo menos pela Athena Foods, que é de fora do País.”

PREÇOS Para quem acreditou que o suposto boicote da China poderia deixar o churrasco mais barato por aqui, pode esperar um pouco mais. Embora o preço da carne comprada no atacado tenho caído cerca de 3% neste mês, essa redução ainda não chegou ao varejo. O Ministério da Agricultura autorizou a estocagem da carne que seria destinada para a China em contêineres refrigerados pelo prazo de 60 dias. O pedido foi feito pelos produtores na esperança de voltarem a vender o produto a bons preços no mercado externo. Ou seja, não aumentou a oferta do produto no mercado interno. Pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Escola Superior de Agricultura da USP, Thiago Bernardino de Carvalho afirma que, além do armazenamento das carnes, o final do ano também pode dificultar a queda dos preços no varejo. Para ele, a carne estocada significa margem de negociação melhor para os frigoríficos.