Deve estar no sangue da família. Assim como o patriarca Antônio Carlos de Almeida Braga, que deu uma guinada na vida e vendeu há 20 anos o naco que detinha no maior banco privado do País, o Bradesco, seus filhos Kathy e Luís Antônio resolveram mudar tudo nos rumos do grupo financeiro que construíram, o Icatu. O banco que deu origem a tudo, estrela da safra de instituições de investimentos do fim dos anos 80, saiu do mercado. Não há mais um cliente sequer dentro dele ? e não haverá. A fusão da corretora e da empresa de gestão de recursos do grupo com as similares do BBA encerrou a fase em que o Icatu, com os Almeida Braga à frente, disputava os grandes investidores do mercado e fazia apostas pesadas nas mesas de operações. ?O grupo simplesmente assumiu que não tem vocação para tocar negócios de relacionamento com clientes?, sintetiza um executivo próximo à família. Daí foi apenas um pulo para a corretora, a financeira, a seguradora e a gestora de fundos aceitarem sócios que ficaram com 50%, mas assumiram todos os sistemas, o pessoal e as operações do dia-a-dia dos negócios. O Banco Icatu sobrevive, mas apenas como um instrumento de luxo para aplicar a fortuna dos irmãos sócios, e com uma alavancagem reduzida a uma fração mínima da média habitual do arrojado banco de investimento da virada da década. ?É uma questão de juízo. Eles não estão mais na fase de querer dar tacadas na tesouraria.?

A opção dos dois irmãos foi de, a exemplo do pai, passar de empresários a investidores e, com isso, sair da rotina detrás das mesas de executivos. O grupo foi dividido em duas áreas. O banco, sob a responsabilidade de Luís Antônio, fez uma redução brutal na área administrativa ? demitiu 48 funcionários ?, após as associações com o BBA, e ficou praticamente reduzido a sua mesa de operações, comandada pelos sócios Pedro Bodin, Ney Marinho e Antônio de Pádua. É o negócio da família em que ela detém a maior participação no capital, de quase 80%, e, por isso mesmo, é onde ela corre mais riscos. Reduzir o tamanho das apostas no mercado, então, foi questão de coerência. A era dos bancos de investimentos, que fez a fama do Icatu e de instituições como Garantia, Matrix, Marka e Bozano Simonsen, passou e deixou poucos sobreviventes. O Icatu preferiu mudar pelas próprias pernas a correr o risco de tomar um tombo e sair pela porta dos fundos. Manter o banco ativo para negócios pessoais ou simplesmente fechá-lo, porém, é uma decisão que ainda não está inteiramente clara para os controladores. O único fator que conta é o custo: se for mais barato investir por meio de fundos ou outro sistema, o banco, que nasceu justamente para administrar o dinheiro que o patriarca deu aos dois filhos ao sair do Bradesco, pode se tornar uma estrutura desnecessária. A decisão é sobretudo fiscal. Boatos de mercado chegaram a dizer que o grupo devolveria a carta patente no segundo semestre, mas fontes do banco ainda rejeitam a hipótese.

A outra metade do grupo, a holding, sob os olhos de Kathy, é a expressão mais clara da nova fase. É a holding que controla as participações nas empresas financeiras que herdaram a marca e o know-how do banco (o que inclui a seguradora Icatu Hartford e as associações com o BBA, além da financeira Fininvest) e negócios tão diversos quanto, por exemplo, uma construtora, a Atlântica. A construtora é, aliás, o único investimento em que o grupo tem 100% do capital, mas não por opção: o sócio que detinha o restante, o fundador da empresa, Antônio Carlos Lobato, não conseguiu tolerar a convivência com os executivos que o grupo pôs dentro de seu próprio negócio e preferiu sair de campo. O Icatu, porém, não quer ficar com as decisões na mão e já busca no setor um outro sócio que tenha experiência e uma placa forte para assumir a frente da empresa.

Escolher sócios adequados é um talento que o grupo já provou ter e é um dos pulos do gato na nova estratégia. O modelo foi testado na Fininvest, já há oito anos, quando o grupo vendeu metade do controle ao Unibanco, mais afeito a operações no varejo com rede de agências. Depois veio a americana Hartford, empresa de relações antigas com a família, desde o tempo da Atlântica Boavista, a que o patriarca Braguinha transformou mais tarde em Bradesco Seguros. O BBA, testado como sócio na fusão de sua corretora com a do Icatu, teve sucesso na operação e, com seu acesso aos grandes empresários de São Paulo, se credenciou a assumir também a administradora de recursos. Em todos esses negócios, o Icatu trocou 100% do controle pela entrada de um sócio grande, especializado e com marca forte. De empresário, o grupo passou a investidor top de linha, que acompanha os investimentos de dentro do conselho de administração das empresas em que participa.

A paixão de Kathy por projetos culturais, tão forte quanto a de Braguinha pelos esportes, acrescentou uma área a mais de negócios na carteira do grupo. O Icatu tem participações em empresas tão distantes de sua origem no mercado financeiro como a produtora de vídeos Conspiração e a distribuidora de filmes Lumière. Livre das amarras que a rotina do grupo impunha, Kathy, uma ex-estudante de artes cênicas, tem cada vez mais tempo para esse tipo de projeto e para outros ainda mais pessoais, como a presidência da Associação de Amigos do Paço Imperial, no Rio. Entre os artistas, passou a ser vista como uma financista da cultura, o que traz a ela mais satisfação pessoal que qualquer aposta nas bolsas e, de quebra, bons negócios. ?Quanto vale hoje a produção de conteúdo? Esse é um grande negócio?, acrescenta um diretor do grupo. O resultado comercial desses projetos, porém, é agora o que menos importa para os dois irmãos. O estereótipo de banqueiros poderosos, enfiados em ternos e tailleurs, nunca caiu bem na dupla, habituada a andar entre executivos engravatados em jeans e mangas de camisa ? figurino que os funcionários do banco se acostumaram a chamar de ?roupa de dono?. Enquanto o pai aficionado por esportes foi a Paris acompanhar o jogo do amigo tenista Gustavo Kuerten, em Roland Garros, Kathy, a mecenas, toma esta semana um destino ainda menos usual para um banqueiro: Cuba, onde pousará junto com um grupo de músicos brasileiros, com o compositor Francis Hime à frente. Coisa de quem optou por ser financista da cultura.