Foi como se o foco das atenções e decisões da movimentada agenda de negociações da capital do poder tivesse, por um átimo de tempo, sido transferido para Nova York. O Brasil aguardava ansioso os próximos passos do Arcabouço Fiscal, dos acordos para liberações do PL das Fake News e até pela CPMI que investiga o golpismo de 8 de janeiro a ser instalada no Congresso. Mas parlamentares, governantes, além de empresários e financistas, haviam se transportado para um debate, digamos, em território neutro, durante o Brazil Investment Forum do Lide, na já consagrada semana verde e amarela que a Big Apple reserva para diversos encontros econômicos, financeiros e políticos de big shots do País.

Estavam lá os principais executivos dos bancos Bradesco, Safra, Itaú, de empresas do porte da Eletrobrás — em meio a queda de braço com o governo — Suzano, Magazine Luiza, Mafrig, Aciona, boa parte reunida pelo grupo de Líderes Empresariais que tem sacudido as temáticas nacionais em rodadas frequentes de think tank pelo mundo. Nada menos que oito governadores, além de prefeitos, fizeram escala nessa etapa norte-americana do Forum. O ex-presidente Michel Temer arbitrou o consenso em torno do assunto que galvaniza as atenções dessas últimas semanas em Brasília e que pode mudar a pauta de investimentos no Brasil: “Os desafios das grandes reformas”. Para uma economia que está ávida por receber de volta o investment grade, a estabilidade das regras é ponto de partida.

O presidente do Bank of America, Alexandre Bettamio em nome da banca internacional resolveu dar o recado, sem rodeios: “Tem uma métrica onde são questionados vários quesitos e o Brasil precisa cumprir inúmeros deles, buscar um PIB crescente, superávit primário, redução da dívida e, fundamentalmente, Arcabouço Jurídico que estimule o investimento.” Os benefícios são óbvios: o Brasil quando teve esse grau de investimento, em meados de 2011, viu a entrada de capitais externos saltar de R$ 15 bilhões para R$ 100 bilhões anuais à época. A bolsa experimentou valorização de 600%, mas logo veio o afrouxamento da disciplina fiscal, nos anos subsequentes, com o investimento direto caindo 37%, bolsa, outros 49% negativos, enquanto o câmbio subia além dos 52%, desvalorizando sensivelmente o real. Foi dali que o Brasil mergulhou em um buraco do qual não conseguiu sair até hoje, apresentando taxas de crescimento medíocres — da ordem de 1% ao ano. O tropeço tem nome, ou razão básica, a instabilidade jurídica. É a tal instabilidade que acaba por desrespeitar contratos e por empurrar os grupos econômicos para um manicômio tributário que desestimula aportes e gera desconfiança.

PERVERSIDADE O presidente da Febraban, Isaac Sidney, fala em simbolismo de um modelo tributário “cruel e perverso”. Alerta para a necessidade de se levantar “premissas, causas e alavancas para o crescimento de longo prazo”. Do contrário, assevera, o Brasil fica condenado a habitar o clube de países de grau especulativo, enquanto vizinhos latinos como Uruguai, Chile, Peru e México, todos com grau de investimento, já habitam o elenco ao lado de EUA, Reino Unido dentre outros grandes. Bettamio fez coro. “O Brasil tem a inexplicável situação de ser o único dentre as dez maiores economias do mundo que não possui grau de investimento e a falta das reformas conta nisso”, avalia o presidente do Bank of America.

Quando o brasil poussuía grau de investimento, viu a entrada de capitais ir de R$ 15 bilhões para R$ 100 bilhões ao ano e a bolsa explodir 600%, mas tudo mudou com o afrouxamento das regras fiscais

O próprio presidente da Câmara, Arthur Lira, que toca a pauta e o ritmo da Reforma Tributária, estava ali escutando os recados e apontou, como compromisso, que o projeto sai ainda no primeiro semestre do ano. Um pouco antes, já na próxima semana, como promete, coloca para votar o Arcabouço Fiscal. E uma coisa está intrinsecamente ligada a outra, já que para o governo cumprir as rígidas metas de gastar menos do que arrecada precisa de um horizonte tributário bem delineado. “Vamos atrás de uma reforma que diminua as diferenças regionais e econômicas”, prometeu Lira em resposta a uma provocação da plateia sobre como simplificar o sistema. “Esse é um Congresso reformista. Além da Tributária, a Reforma Administrativa está pronta para plenário e a maior da reformas que o Congresso tem pela frente é a de não retroceder em tudo que já avançamos.”

O recado tinha endereço claro: o presidente Lula, que recentemente tentou mexer no Marco do Saneamento e vez por outra fala em modificar a Reforma Trabalhista aprovada no governo Michel Temer, que participava do Forum do Lide. As palavras de Lira soaram como música aos ouvidos dos empresários e financistas presentes. Luiz Trabuco, presidente do Conselho do Bradesco, relembrou que a política é a arte do possível e do entendimento. “A temperança é uma das virtudes capitais e precisamos muito dela nos dias de hoje. O ano estará ganho se tivermos a Reforma Tributária”, profetizou. No entender de Luiza Trajano, do Magazine Luiza, o que não dá para esperar é pela baixa dos juros. “O pequeno empresário vai quebrar e precisamos tanto da Reforma Tributária como dos juros baixos o mais rápido possível.”

Entre os governadores e prefeitos que fizeram questão de participar dessa rodada de entendimentos em Nova York, a preocupação maior é com a eventual perda de receita. Reclamam que custa caro manter a máquina e que a Reforma Tributária precisa contemplar o desenvolvimento regional. Pontos de vista manifestados, a costura agora é por uma saída comum, afinando os interesses.