O Dia Mundial da Religião e o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa estão sendo celebrados hoje (21), no Rio de Janeiro, com a realização de debates no 3º Seminário sobre Liberdade Religiosa, Democracia e Direitos Humanos, no Centro Cultural Justiça Federal, e uma programação intensa, na Cinelândia, que conta com a exibição de filmes e performances na região central da cidade.

As atividades incluem a abertura do festival Cantando a Gente se Entende, de uma feira inter-religiosa e shows com as baterias das escolas de samba Mangueira e Grande Rio, que, neste ano, abordam o tema da intolerância religiosa no enredo que apresentarão no carnaval deste ano. As atividades serão encerradas às 22h.

A Acadêmicos do Grande Rio fala sobre um dos mais conhecidos sacerdotes de religiões de matrizes africana no Brasil, o Joãozinho da Gomeia. A Estação Primeira da Mangueira dá o recado com a frase Eu respeito seu amém, Você respeita meu axé, com o enredo das Liberdades.

Abertos ao público, o seminário, a feira e o festival são promovidos pelo Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP) e pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR).

O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa foi instituído em 2007, pela Lei nº 11.635, em homenagem à Mãe Gilda, Iyalorixá que foi vítima de intolerância religiosa no final de 1999. O objetivo da data é promover o respeito, a tolerância e o diálogo entre diversas religiões no mundo, que pregam como princípio a bondade.

Manifestações

O babalaô Ivanir dos Santos, interlocutor da comissão e organizador do evento, ressaltou que o objetivo é debater os direitos humanos, a liberdade e a democracia. “A intolerância acaba atingindo o conjunto da sociedade, e é isso que estamos trabalhando”, afirmou.

Santos lembrou que a intolerância não é só religiosa, mas também social, econômica e política. “E tem crescido na sociedade em geral, dando espaço para censura, perseguição à comunidade LGBT, aos direitos das mulheres. Tem que ligar a intolerância, no fundo, ao racismo e ao desrespeito aos direitos humanos. A sociedade precisa entender que isso é uma ameaça ao Estado laico, à diversidade e às liberdades. Nós não podemos aceitar isso. Queremos um país diverso”, disse.

Rio de Janeiro - Feira inter-religiosa, em comemoração ao  Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, na Cinelândia, região central da cidade. (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Feira inter-religiosa, em comemoração ao Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, na Cinelândia, região central da cidade – Tânia Rêgo/Agência Brasil

Há mais de 40 anos no movimento Hare Krishna e representante do diálogo inter-religioso, Raga Dhun disse à Agência Brasil que a comemoração, com várias tendas de diferentes religiões, visa a união “em prol da paz no mundo, o diálogo e o respeito, aprendendo um pouco com as outras tradições religiosas”.

Para o bispo da igreja anglicana Eduardo Grilo, o dia de hoje é muito especial, de diálogo, de partilha, de aprendizado mútuo. “Acho muito importante que a gente tenha a capacidade de aprender uns com os outros, conhecer os outros, não temer o diferente, porque ele contribui para a nossa vida, para a nossa formação pessoal e espiritual”.

O monge Cardoso, do templo Hoshoji, o mais antigo templo budista do Rio de Janeiro, localizado em Itaguaí, região metropolitana do Rio, disse que, para os religiosos, principalmente aqueles do Budismo Primordial, o lema é “orar pela harmonia do universo, pela prática das virtudes, através do aperfeiçoamento espiritual e da solidariedade dos seres”.

Cardoso destascou que é importante para os budistas participar das comemorações do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. “Primeiro, é orar pela harmonia do universo; depois, trabalhar essa questão da solidariedade entre todos e, em especial, entre os religiosos; ter uma fé, acreditar em algo. Para isso, a gente precisa ter a liberdade para escolher o objeto de devoção”.

Estatística

Dados do relatório sobre os casos de intolerância religiosa no Brasil, publicado em 2017, pelo Centro de Promoção da Liberdade Religiosa & Direitos Humanos (CEPLIR), revelam que dos 1.014 casos de intolerância religiosa registrados entre abril de 2012 e agosto de 2015, 71% foram contra adeptos das religiões afro-brasileiras; 8% contra evangélicos, 4% contra católicos, 4% contra judeus.

Segundo o Ceplir, de setembro a dezembro de 2015, 32% dos casos contabilizados foram contra muçulmanos, 6% contra indígenas, 3% contra kardecistas. Somente no ano passado, a comissão recebeu em torno de 201 casos, aumento de 100%em relação ao ano anterior.

Iniciativas públicas

A titular da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do Rio de Janeiro, Fernanda Titonel, assina amanhã (22) termo de cooperação técnica com o município de Nova Iguaçu para criação do primeiro Núcleo de Atendimento às Vítimas de Intolerância Religiosa (Navir – Nova Iguaçu).

Em entrevista à Agência Brasil, a secretária informou que no núcleo serão atendidas as vítimas de violência religiosa e promovidas ações de combate à intolerância. A escolha de Nova Iguaçu se deve ao fato de a maioria dos casos de violência contra religiosos ter ocorrido na Baixada Fluminense. Ao longo do ano, essa ação será expandida para outros municípios fluminenses.

“Infelizmente, a gente ainda tem uma demanda grande de casos de intolerância. O dia de combate, para nós, é todo dia”, destacou Fernanda.

A Superintendência de Igualdade Racial e Diversidade Religiosa, que faz parte da secretaria, atendeu 132 casos de violações em 2019.

A maior parte dos ataques (102) foi direcionada às religiões de matriz africana. Foram registradas duas violações ao espiritismo (kardecismo). Religiões como catolicismo e protestantismo e rituais religiosos ligados à Wicca (religião neopagã, que reúne bruxos, segundo algumas definições) e ecumenismo (busca de uma prática universalista) sofreram uma violência cada. Em 23 casos de agressões, a religião não foi declarada pelas vítimas, informou a secretaria.

A superintendência atende pessoas que tiveram seus direitos lesados e promove seminários, palestras, programas de promoção de igualdade racial e liberdade religiosa.

“Tratamos disso todo dia, mas hoje o dia é de refletir e repensar algumas questões. Porque a liberdade religiosa é parte da dignidade humana, é um direito constitucional e, como tal deve ser tratado”, afirmou Fernanda Titonel.