Eles são estrelas do universo do luxo. E aproveitam ao máximo o fato de seu talento e criatividade fazerem a cabeça de quem valoriza o que produzem. Conscientes dessa posição privilegada, falam e agem em defesa da comunidade negra à qual pertencem, trazendo o debate à tona com propriedade de quem já sentiu o preconceito na própria pele. Nas mais diversas áreas da economia criativa, afro-descendentes conquistaram respeito e reconhecimento com seu trabalho e competência. E mostram, com atitudes louváveis diante do racismo, que o preconceito é uma mazela que precisa ser combatida. Conheça esses novos militantes do ativismo.

Marcus Samuelsson, chef e restaurateur

Os restaurantes de Marcus Samuelsson, 49 anos, vão de Estocolmo a Nova York. Seu império culinário é reflexo de suas origens e de sua formação. Nascido na Etiópia e criado na Suécia, ele combina grande variedade de influências e culturas em seus menus, demonstrando como a rica culinária popular africana pode agradar a diversos paladares. O racismo e a escravidão negra também estão presentes em seu trabalho. Antes mesmo que a recente onda de violência contra os negros tivesse início, Samuelsson já tratava do assunto. Em fevereiro, realizou em seu restaurante Red Rooster, no Harlem – sempre com mesas lotadas dentro e fora –, uma série de jantares sob o título Fanny, nome da escrava de 18 anos que cozinhava para o então presidente americano Thomas Jefferson. Sobre esse projeto, Samuelsson disse que a intenção era celebrar a diversidade que existe há séculos no mundo da culinária. “A experiência afro-americana tem sido fundamental para essa mudança”.

Aurora James, designer

Jacopo Raule

Em meio aos protestos pelo assassinato de George Floyd pela polícia americana, a estilista canadense Aurora James, 35 anos, criou o projeto 15% Pledge (Juramento dos 15%). A ideia é convidar grandes varejistas a doar 15% do espaço em suas prateleiras a empresas de propriedade de negros. E por que 15%? Esse é o percentual, segundo o governo americano, da população negra no país. Conhecida por seu engajamento social, Aurora teve seu chamado rapidamente atendido. Poucos dias após o lançamento da campanha, diversos varejistas já tinham aderido, incluindo a gigante de beleza Sephora e a companhia de moda masculina No Man Walks Alone. Não é a primeira vez que ela faz algo pela comunidade negra. Em 2011, Aurora viajou pela primeira vez ao Marrocos, onde passou dois anos trabalhando com artesãos locais e pesquisando materiais para seus calçados. Dois anos mais tarde, fundou sua marca, a Brother Vellies, que, segundo ela, tem duas missões: criar belos sapatos ao melhor estilo africano e ajudar os povos da África. Com todas as peças produzidas à mão, a grife hoje conta com o trabalho de artesãos da África do Sul, da Etiópia, do Marrocos e do Quênia. Em parceria com a ONU, ela estruturou um programa que garante salários dignos e instalações adequadas a comunidades de artesãos africanos.

Kerby Jean-Raymond, estilista

Fernanda Calfat

Nascido no Haiti, Kerby Jean-Raymond é uma das vozes mais fortes e respeitadas do universo da moda quando se fala em racismo. Aos 34 anos e brilhando internacionalmente com sua grife maculina, a Pyer Moss, ele sabe o que é sofrer violência por ser negro. Na New York Fashion Week de 2016, quando encantou a todos com sua moda jovial e colorida, fez uma apresentação que destacava a brutalidade policial contra os negros. Ele fala do assunto com coragem. Em diversas ocasiões, já relembrou episódios em que, ainda garoto, era intimidado por policiais e até mesmo levado à delegacia pelo simples fato de estar na rua à noite. Kerby já declarou ter sido salvo pela moda, que sempre foi sua paixão. Aos 14 anos, conseguiu o primeiro estágio, quando ainda estudava na Escola Secundária de Moda de Manhattan, em Nova York. Em 2013, criou sua grife. Apenas dois anos depois, estava na lista da Forbes como destaque Under 30 em arte e estilo. Há um ano, foi contratado pela Reebok, uma das maiores companhias esportivas do mundo – com valor de mercado em torno de US$ 1 bilhão –, para ser diretor artístico do Reebok Studies. Trata-se da divisão da empresa criada para ser uma escola para novos talentos. Kerby diz que quer dar oportunidades a outros jovens. Sem distinção de cor.

David Adjaye, arquiteto

Aos 53 anos, David Adjaye é apontado como um dos mais talentosos arquitetos de sua geração. Britânico nascido na Tanzânia, conquistou respeito e reconhecimento internacionais por projetar edifícios notáveis,como o Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana do Instituto Smithsonian – que custou US$ 540 milhões –, em Washington, e a fabulosa Escola de Administração Skolkovo, em Moscou. Ele costuma dizer que muitas das suas ideias têm origem nas memórias da infância, quando viajava com o pai, que é diplomata, para países de arquitetura tão diversa quanto Egito, Mali e Japão. Seu trabalho mais recente é um prédio residencial de luxo, em Nova York. O projeto mescla o antigo e o novo, por meio do exterior texturizado, áreas internas acolhedoras e uma fantástica cobertura de 650 metros quadrados. Há cerca de 3 anos, ele recebeu mais um grande reconhecimento, ao ser condecorado pela rainha Elizabeth II cavaleiro da Coroa Britânica. Agora, ele atende pelo nome de Sir David Adjaye.

Dapper Dan, estilista

Ainda adolescente, Daniel Day decidiu que queria ser chamado por seus amigos do bairro do Harlem, em Nova York, pelo nome artístico de Dapper Dan. Eram dias difíceis, e o garoto de família pobre achou que pegaria bem ter um apelido descolado. Hoje, aos 75 anos, ele é celebrado em todo o mundo e considerado o primeiro estilista a levar a alta moda para o universo do hip hop americano. Com peças vendidas em lojas de mais de 20 países, Dan já vestiu diversos ícones negros como o ex-boxeador Mike Tyson, o cantor, apresentador de TV e produtor LL Cool J e o ator Will Smith. E não há quem o arranque do bairro em que nasceu, cresceu e se tornou referência internacional. “Estive no Harlem a vida toda e não vou a lugar nenhum”, costuma dizer. Há cerca de dois anos, ele passou a comandar um ateliê que criou em parceria com a Gucci, uma das mais poderosas grifes do planeta. Com isso, conseguiu abrir a primeira loja de uma marca de alto luxo no Harlem.

Krista Scruggs, enóloga

Divulgação

Quando decidiu fundar a própria produtora de vinhos, a Zafa Wines, a americana Krista Scruggs, 36 anos, tomou uma atitude vista por muitos como radical: faria tudo usando métodos tradicionais e sem usar aditivos químicos. A ideia era fazer um trabalho completamente natural e artesanal. Deu certo. Em 2018, ela foi incluída na lista dos melhores fabricantes de vinho com menos de 40 anos, no ranking da publicação Wine Enthusiast. Krista leva o processo tão a sério, que chega ao ponto de ela própria participar da etapa na qual as uvas são pisadas. Para dar sua contribuição social à comunidade negra, iniciou, no ano passado, um programa de estágio para adolescentes afro-descendentes. E o talento dessa jovem e revolucionária enóloga tem conquistado cada vez mais prestígio nos Estados Unidos. Por lá, servir algumas garrafas da Zafa Wines num jantar já virou sinal de que o anfitrião entende muito do assunto.