A crise humanitária pela qual passa a Venezuela impulsionou a migração de moradores do país. De 2017 para cá, segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, 504.142 venezuelanos entraram no Brasil. Conforme o “Relatório de Conjuntura: Tendências na Imigração e Refúgio no Brasil”, eles respondem por 67,06% das mais de 52 mil solicitações de refúgio feitas entre janeiro e agosto deste ano.

A maior parte desses migrantes entra no Brasil via Roraima. Foi o caso de Kevin Medina, de 15 anos, que há cerca de um ano deixou Valencia, na região de Carabobo (a 130 quilômetros de Caracas), com a mãe. “Estávamos longe da fronteira. Foram 12 horas de ônibus. Uma viagem muito cansativa. Chegando em Roraima, pegamos um Uber até o aeroporto. Depois, um voo até Brasília e outro até o Rio de Janeiro”, relata.

Na capital fluminense, a estadia na casa de um familiar foi curta. Apenas uma semana. De lá foram de ônibus para São Paulo. Mais precisamente para Ibiúna. No município interiorano, a 70 quilômetros da capital paulista, funciona desde 2017 uma academia para revelar talentos do beisebol mantida pela Major League Baseball (MLB, sigla em inglês). Pouco difundido no Brasil, o esporte é o mais popular da Venezuela. Kevin, por exemplo, pratica a modalidade desde os sete anos.

Não demorou para o jovem arremessador de 1,90m ser aprovado nos testes e integrar o projeto, desenvolvido no centro de treinamentos administrado pela MLB em parceria com a Confederação Brasileira de Beisebol e Softbol (CBBS). Mas, a condição física do garoto recém-chegado da Venezuela obrigou a preparação a ir além do campo.

“O Kevin realmente chegou bem magrinho aqui. [Do início do ano para cá] já cresceu bem, ganhou mais de 10 quilos. Foi um trabalho de adaptação, tanto na alimentação como na suplementação, que tem ajudado muito”, revela Thiago Caldeira, um dos técnicos da academia da MLB.

A convivência com os treinadores (que falam espanhol) e os companheiros brasileiros ajudou na adaptação. Agora, o próprio Kevin auxilia outro jovem latino. Steven Castillo tem 14 anos e é de Tola, no departamento de Rivas, na Nicarágua. A região onde fica a cidade, a 84 quilômetros da capital Manágua, é uma das mais humildes do país, que também tem o beisebol como esporte principal.

Divulgação/Caio Parente/Major League Baseball Brasil

Steven Castillo veio da Nicarágua para o Brasil  – Divulgação/Caio Parente/Major League Baseball Brasil

Aliás, Steven (que já defende seleções de base nicaraguenses) integrava uma academia semelhante à de Ibiúna em sua terra natal. A iniciativa por lá acabou não prosseguindo, mas o jovem conseguiu chamar a atenção de uma conterrânea, hoje encarregada de outro programa mantido pela liga. “A senhora Priscila Cisnero avaliou Steven e nos mandou vídeos. Cruzei essas informações com outras que já tínhamos dele e, obviamente, aceitamos que ele viesse ao Brasil”, diz o gerente de desenvolvimento da MLB, Henry González.

“Estava treinando com um tio. Primeiro, trouxeram [ao Brasil] quatro nicaraguenses. Continuei esperando, queria fazer esse teste. Quando fiz, éramos cinco arremessadores. Atirei a bola a 83 milhas [cerca de 133 quilômetros por hora], e um deles, mais velho, a 85 milhas [quase 137 quilômetros por hora]. Pensei que não iria dar para mim e fui embora triste. Mas, depois de quatro semanas, eles me chamaram para a academia”, afirma Steven, cuja bola já atinge 90 milhas (mais de 144 quilômetros por hora).

Futuro longe de casa

Desde o início da academia, 16 jovens formados em Ibiúna foram contratados por franquias da MLB. Hoje, todos atuam nas chamadas ligas de acesso, seis níveis diferentes de torneios (Classe A curta, Classe A, Classe A-Avançada, Double-A e Triple-A) que preparam os atletas para a Major League, a divisão de elite na qual atuam os principais jogadores do beisebol mundial.

Entre esses pratas-da-casa está um estrangeiro. O arremessador nicaraguense Lesther Medrano, que assinou com o Los Angeles Dodgers, foi um dos seis prospectados contratados em 2019. Seguir os passos dele é o sonho do conterrâneo Steven. Mas, para assinar contrato com qualquer franquia, o jovem precisa ter ao menos 16 anos. Assim, o garoto ainda tem mais dois anos para amadurecer e se destacar.

“Nunca imaginei [que estaria jogando beisebol no Brasil], mas essa é a melhor oportunidade e estou lutando pelo meu futuro. Estou sozinho, sinto falta da família, mas estou aqui por um propósito. Meu sonho é melhorar a condição dos meus familiares, ter uma vida nova e ajudar aos que precisam”, afirma Steven.

Um ano mais velho, Kevin pode ser contratado por equipes da liga a partir de 2020. A expectativa é grande. “Quero me destacar, ser alguém importante para mim e minha família. Quero chegar lá [na MLB], mas não só isso. Quero ficar muito tempo, ganhar prêmios”, projeta o garoto, que, apesar da saudade de casa, topa adiar o retorno à Venezuela se isso significar realizar os sonhos.

“Tenho muita vontade de voltar sim, mas preciso trabalhar. Meu futuro vem primeiro”, encerra.

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