O especialista em direito societário assumiu o comando da entidade que conecta o Brasil a Israel com a missão de construir um legado a partir da transferência de conhecimento e da criação de “matches” entre empresas.

Atual presidente da Câmara Brasil-Israel de Comércio e Indústria, Renato Ochman, foi eleito para o cargo no meio do ano passado com uma diretoria considerada o “dream team” da entidade. Fazem parte dela Amos Genish (BTG Pactual), Felipe Steinbruch (CSN), Guilherme Horn (Banco BV), Jack Magid (Grupo Magnum) e Pedro Wongtschowski (Grupo Ultra). Advogado especializado em direito societário, ele diz que o trabalho é seu hobby. “Durmo apenas quatro horas por dia”. Por isso, além da atividade em seu escritório de advocacia, arrumou agenda para atuações institucionais, seja como membro do Conselho de Administração de empresas ou do Board da New York University, cargo que ocupa há dois anos. O mundo do ensino reforçou sua crença na diversidade. “Ela é que nos levará à frente”, afirmou.

DINHEIRO – Numa postagem recente no LinkedIn o senhor faz referência a um artigo seu de dois anos, em que o tema central é insegurança jurídica. Imaginei que fosse de agora, de tão atual. Mas também poderia ser de 20 anos atrás. Insegurança jurídica sempre será um peso ligado ao Brasil?
Renato Ochman — Como uma pessoa que milita diariamente nessa área eu diria que muita coisa é difícil explicar a um estrangeiro sobre a legislação brasileira. Isso é o primeiro ponto. É uma legislação complexa.

Qual o segundo ponto?
É preciso entender que o Brasil adota um regimento legal baseado [estritamente] no respeito à lei. E o Brasil edita leis. Em países como Estados Unidos e Inglaterra o que a gente tem é o que chamamos de Common Law. Prevalecem as decisões dos tribunais. E à medida que você tem essas decisões elas se tornam como uma pedra a respeito daquele tema.

O nosso modelo, por ser uma máquina geradora de leis e normas, inibe um fluxo mais agressivo de investimento?
Sim. Mas há outra coisa que preocupa o estrangeiro sempre. Não é apenas esse regime jurídico que difere da dinâmica do Common Law. Inclui também os efeitos quanto ao resultado do negócio. E a parte tributária do Brasil a gente sabe que é um emaranhado de coisas. Há legislações municipais, estaduais, federal, uma discute com a outra. Então, em muitos casos você não consegue nem dar opinião muito firme sobre determinada situação porque muda jurisprudência… E isso às vezes não traz muito conforto.

Estamos no atraso também nesse campo?
Pegue a Lei das S/A. A cada dia ela se torna omissa, ou tem uma lacuna. Porque as coisas vão andando, e não tem como ser diferente. Aí tem a interpretação, tem o parecer… A CVM toda hora edita uma norma nova para poder superar algo novo.

Como driblar isso?
O mercado se adapta muito facilmente. Ele passa ao largo desse problema da legislação. Uma coisa que acho interessante na mentalidade do empresário, na criatividade do empreendedor, é que ele não para esperando a lei mudar. Ele vai.

“A métrica da balança comercial não faz mais sentido. Quando o Waze (israelense) faz IPO na Nasdaq, ele já é dos EUA e não de Israel” (Crédito:FPA/Full Picture Agency/AFP)

Isso ainda implica em muita discussão na esfera jurídica. Há uma luz nesse túnel?
Vejo um lado bom. O Brasil, a partir de 1996, adotou a legislação referente à arbitragem. Nos primeiros anos, foi uma interrogação. A gente deixava ou não de fazer negócios porque o brasileiro queria colocar um foro, o estrangeiro queria colocar a arbitragem. E hoje é uma questão pacífica. A arbitragem se consolidou nos negócios e em qualquer operação de fusão ou aquisição é raríssimo você colocar um foro e não a arbitragem, especialmente há alguém do exterior. Ela foi um elemento muito importante para dar credibilidade. As arbitragens hoje são feitas em altíssimo nível no Brasil.

Aí surgem momentos únicos, como o da Reforma Tributária. Mas o que vai para a mesa é decepcionante, não?
A lei nunca vai conseguir contemplar tudo. No dia seguinte de ser editada vai surgir uma situação nova que não se previa. Então, precisamos partir desse princípio. Lembrar que o ótimo é inimigo do bom. O que não pode acontecer é não ter nenhuma reforma.

Especificamente no escopo da Câmara Brasil-Israel, até onde é possível ser transformador?
Para fazer algo diferente é preciso renovar. E eu aprendi, ao atuar nos boards de que participo, que a gente trabalha neles para pensar na sucessão. Não é pensando na gente. É preciso trazer gente nova e pensar no legacy, como os americanos falam. E precisávamos de um legacy dentro da Câmara Brasil-Israel.

O que já foi feito?
Pensamos três princípios. Descentralização — abrimos regionais em quatro estados: Amazonas, Mato Grosso, Pernambuco e Rio Grande do Sul. O segundo foi focar no universo das startups, em que Israel é referência. Juntar empreendedores brasileiros para se conectar com Israel, seja por meio de associação, fusão, parceria, o que for. O valuation de uma startup de lá é cinco vezes superior ao de qualquer outra no mundo. O terceiro princípio é manter e multiplicar as missões.

De que maneira?
A gente faz uma live a cada 15 dias trazendo sempre um empreendedor de Israel. E não se trata apenas sobre um produto ou serviço. Pode ser transferência de tecnologia, de conhecimento. Por exemplo. Quando surgiu lá a notícia de um especialista que fazia cirurgia de córnea artificial costuramos esse encontro virtual. Foi espetacular. Ele nunca havia falado com os profissionais brasileiros. Pensamos em todos os setores.

De toda forma, ainda falamos de uma relação pífia, não? Apenas 0,2% das exportações brasileiras seguem para Israel e 0,6% das importações brasileiras vêm de lá.
Especificamente nesse ponto eu vejo as coisas mais fora da caixa. Hoje temos mais ou menos US$ 1,5 bilhão no trade entre Brasil e Israel. E o Brasil é deficitário nessa relação. Isso é claro. Mas há um ponto que penso ser importante trazer. Essa relação trata de uma forma de medir performance de negócios que não se adaptou para outra realidade. Há cerca de 300 empresas israelenses no Brasil. Dos mais variados tipos de negócios, nem todas com sede aqui. Número que há dez anos era de 120, 140. E o que gostaria de chamar a atenção é que o tipo de negócio que Israel exporta para o Brasil hoje é difícil a gente mensurar. Um dia vamos conseguir, mas é difícil. Nem na Câmara temos esses dados.

Por quê?
Quando vem um chip do seu smartphone para cá, cuja tecnologia é de Israel, mas ele vai ser produzido no Brasil, eu não consigo separar quanto desse chip é israelense. Quando um Waze, que é israelense, faz IPO na Nasdaq, para a balança comercial ele já é Estados Unidos-Brasil. Na Câmara a gente perdeu muito tempo pensando: “Como aumentar esse número que nunca sai do lugar?” Descobrimos que só tem um jeito.

Qual?
Vamos esquecer esse número e vamos tratar de fazer negócios. Vamos fazer “match” entre empresas. É isso o que temos de fazer. Não interessa se é US$ 100 ou US$ 200 milhões. Porque se for pela balança isso não será medido. Na residência de todo mundo tem uma tecnologia israelense. E ela não entra nesse radar.

É preciso outro tipo de métrica?
Eu comparo com o que acontecia quando a gente ia fazer avaliação de empresa de tecnologia, para fusão, aquisição. Elas tinham zero de ativos. E de repente valiam uma fortuna. E os empresários de outros setores diziam, “Pô, mas eu tenho minhas plantas industriais, máquinas, tem de valer muito mais…”. Acabou. É igual. Esses índices precisam ser adaptados.

Como a Câmara Brasil-Israel enxerga o ritmo e a qualidade das reformas estruturantes prometidas na campanha eleitoral?
Eu gosto de negócios. Mas não gosto de política. Eu nasci assim, cresci assim, passava minhas férias de infância, com 10 anos, 12 anos, na loja de tecidos do meu avô. Então, eu gosto é de negócios. Eles me dão energia. E a Câmara é uma entidade independente. Ela tem o apoio da Embaixada, do Consulado, mas ela não é ligada a nada. Não vejo muitos reflexos em relação a esse tema das reformas com a Câmara, exceto se tivermos um regime tributário mais enxuto e mais inteligível. Até para que a gente possa explicar melhor — e fazer mais negócios — com empresas estrangeiras. Isso sim.

“A reforma, com um regime tributário mais enxuto e mais inteligível, levará a mais negócios para o Brasil com empresas estrangeiras” (Crédito:Michel Jesus)

Ainda que as relações comerciais sejam difíceis de mensurar, qual sua percepção da relação entre empreendedores de Brasil e Israel?
Percebemos que o perfil está diferente. Saiu um pouco do radar o cara que vinha e falava “ah, identifique uma empresa porque eu quero comprar soja” e entrou o cara que fala, “olha, eu tenho uma fábrica e preciso de tecnologia para balanças”.

É inevitável comparar a gestão do combate à pandemia por Israel, exemplar, e pelo Brasil, catastrófica. O que explica isso?
Bem, preciso separar um pouco a posição da Câmara e a minha nesse tema. É preciso entender que em Israel as pessoas nascem com uma mentalidade preventiva. É cultural. Em outros momentos de tensão, quando vinha a determinação governamental de um lockdown, ficava todo mundo em casa. Eles fizeram isso milhares de vezes. Israel conquistou essa postura desde lá atrás.

Recentemente foi divulgado que vacinas para combater a Covid-19 doadas pela Rússia para palestinos foi barrada pelo governo de Israel. Isso não prejudica uma imagem tão positiva?
Vou responder da seguinte maneira. Relações comerciais nascem e prosperam não pelo negócio em si, mas por uma palavra: confiança. Eu penso que hoje Israel mais construiu essa confiança do que não. E é irreversível cada vez mais fazer negócios com Israel.

E o que levou a essa vantagem competitiva?
Trata-se de um país jovem que incentivou uma coisa: a educação. Não há coisa mais importante. Depois vem a ciência. Depois, os negócios. Mas por trás de tudo está a educação. Por isso ninguém no mundo sai de casa sem usar tecnologia israelense.