Na avaliação do especialista em mercados, é possível que o Brasil saia fortalecido dos estragos do coronavírus. Para isso, precisa rever a cadeira produtiva.

Enquanto a economia brasileira patina para tentar encontrar um ponto de equilíbrio sustentável, vem do mundo a incerteza que poderá postergar ainda mais nosso ritmo de crescimento. Com a incógnita do coronavírus o cenário global muda, e o Brasil precisará dançar conforme a música. Ainda que oportunidades para exportações surjam em função do dólar alto, reside na capacidade brasileira de reduzir a dependência da China e encontrar novos acordos comerciais o potencial de transformar esse momento de incertezas em um trampolim para um futuro melhor. Isso é parte do que revela Pablo Spyer nesta entrevista.

DINHEIRO — Como o atual cenário de apreensão global afeta o comércio exterior?
Pablo Spyer — O real desvalorizado em relação do dólar torna, num primeiro momento, os produtos brasileiros mais atraentes, o que é positivo. Todavia, com a desaceleração econômica da China e do mundo por causa do coronavírus, podemos ver uma queda nos preços das commodities decorrente de uma menor demanda. Ficamos na torcida de que a China, para reaquecer a economia, invista em infraestrutura e, assim, eleve o preço das commodities. E importante lembrar que 60% do nosso minério e do nosso petróleo é exportado para a China. Porém, esperamos que ao longo do ano a demanda e os preços se normalizem, com a expectativa de recuperação da economia global. A crise causada pelo Covid-19 vai passar e tudo vai se tranquilizar.

Quais são os principais desafios?
Os principais desafios em relação ao comércio exterior serão o controle do coronavírus e o restabelecimento da cadeia de produção na China. Hoje, as economias são interligadas: um problema na China é um problema (pelo menos no início) para nós. Além dos estímulos dos países, que já injetaram centenas de bilhões (China injetou mais dinheiro do que vamos economizar com toda nossa reforma da Previdência), será preciso restabelecer a cadeia produtiva. Isso porque as fábricas estiveram bastante tempo fechadas na China (começaram a reabrir agora). E o país vai enfrentar um nível baixo de exportações por um tempo (agora, ninguém está importando nada de lá). Quando tudo se restabelecer, ainda veremos um efeito defasagem na reconstituição dos negócios. Por exemplo, o PMI da China (que mede o desempenho da indústria e saiu dia 29 de fevereiro) veio péssimo. Ele tem uma correlação de 85% com o PIB chinês, que virá mal por lógica. Assim, quando o coronavírus, ou Covid-19, for controlado, a cadeia estará rompida. Ou seja, os países vão começar a enviar pedidos e, até que cheguem, demora. Um navio pode demorar meses para chegar no país destino. No entanto, a demanda por produtos da China deve demorar a retomar os níveis anteriores – quem quer produto chinês hoje? Ninguém, não só pelo vírus mas pelo risco ao negócio – não há duvidas que empresas que dependem só da China vão buscar alternativas para suas operações. Ninguém mais vai querer ter somente a China como fornecedor de matéria-prima.

“A China vai enfrentar um nível baixo de exportações por um tempo” (Crédito:Xu Hui)

Há também oportunidades? quais?
Uma oportunidade seria entrar com produtos concorrentes dos chineses, mas os preços (chineses) são muito mais competitivos. Enquanto a economia e a produção deles estão paradas, podemos tentar suprir produtos básicos específicos, mas não eletroeletrônicos, por exemplo. É preciso que o produtor já tenha algum tipo de escala para poder se aproveitar dessa situação. Não é possível alguém investir numa fabrica para tentar entrar na disputa agora. É preciso já ser um produtor grande e ter visão de como e onde ira competir com a China. Não é uma jogada para amadores ou iniciantes e sim para grandes corporações.

Qual sua avaliação sobre a nossa atual política de comércio exterior?
Positiva! O Brasil ainda é uma economia fechada e precisa se abrir mais para outros países e para oportunidades. A mudança radical no relacionamento com os Estados Unidos vem a agregar, e muito, para nós. É o maior mercado do mundo para nossos produtos manufaturados. Não só os EUA, mas muitos outros países desenvolvidos que estavam à margem de nossa política, agora voltaram à cena. Estou bastante satisfeito com a nova política externa e me deixa mais confiante como Brasil. Devemos aproveitar o momento do real desvalorizado para tentar sermos mais competitivos e fazer novos investimentos na nossa indústria, para termos produtos capazes de competir no mercado internacional.

Como o dólar impacta esses negócios?
Facilita exportação e dificulta a importação. O dólar se valorizando em relação ao real é positivo para a balança comercial. Nós trocamos dólar baixo e juros altos por juros baixos e dólar alto. Diante dessa política cambial que deve manter o real baixo, podemos atrair investimento estrangeiro? Sim, estamos fazendo a lição de casa com as reformas, com o crescimento e a sinalização jurídica e fiscal positiva. Vamos votar a independência do Banco Central entre outras medidas importantes. O grau de investimento virá, os investidores virão.

Falando um pouco do mundo, como devem se comportar os preços das commodities este ano?
Tiveram forte queda, por conta do coronavírus, mas com o controle dela e alguma vacina e a recuperação da economia chinesa tendem a recuperar a perda. Daqui para frente vejo recuperação dos preços das commodities, com China aumentando seus gastos em infraestrutura para recuperar sua economia. Mas o futuro, a Deus pertence…

Como isso afetará o PIB brasileiro?
Teremos uma revisão para baixo diante das expectativas atuais de crescimento de 2,17% da pesquisa Focus (pesquisa do BC com os principais economistas do Brasil, e uma média do que o mercado espera). O mundo está girando mais devagar e não será diferente para o Brasil. Mas depois, no fim do ano, espero uma recuperação do PIB com estímulos financeiros globais por parte dos Bancos Centrais com cortes de juros além de injeção direta de recursos nas economias através dos Quantitative Easing, que basicamente compreende nos BCs de todo o mundo comprarem títulos do governo do mercado e assim injetar dinheiro nas economias.

E 2008, na última crise global, o impacto no Brasil demorou alguns anos para chegar, é possível que desta vez vejamos os reflexos na desaceleração mundial de modo mais imediato no nosso PIB?
Sim, mas teremos um impacto menor, uma vez que a tendência da nossa economia é de recuperação versus desaceleração e arrefecimento das demais. O Brasil sofreu reformas muito importantes e vamos crescer mais que o mundo espera, mais do que nós mesmo esperamos.

A China hoje é considerada a grande fornecedora mundial de insumos. Com o coronavirus é possível que outras nações ganhem protagonismo como exportadora? O Brasil poderia se aproveitar disso?
Num primeiro momento sim, mas a China tem uma escala muito grande e o mundo não tem toda essa capacidade. Marginal e momentaneamente, talvez. Mas lá na frente ninguém é capaz de responder à demanda mundial com o preço competitivo deles.

“Nesse momento de crise, a indústria brasileira exportadora até poderia diversificar seus compradores, mas não muito” (Crédito: Diego Padgurschi/Arquivo Isto É Dinheiro)

Por aqui, uma política para tentar fortalecer o conteúdo local poderia abrir espaço para nossa indústria brigar por espaço no fornecimento de insumos?
Sim. Mas nós fornecemos boa parte do que extraímos para a própria China… é um momento em que poderemos diversificar compradores, mas não muito. Não tenho muitas esperanças nesse ponto.

Ainda sobre o País, como o senhor enxerga o andamento da atual política econômica?
Continuo muito otimista com a atual política econômica do ministro Paulo Guedes. A reforma da previdência, mãe de todas as reformas, saiu muito melhor do que qualquer estimativa em qualquer tempo. Tudo que está por vir também estará vindo melhor. Estou muito otimista com as perspectivas do Brasil para os próximos dez anos. O coronavírus não muda em nada minhas perspectivas de longo prazo. O Brasil é o país da vez neste mundo globalizado. Somos o Touro de Ouro do mundo agora, a bola da vez.

A reforma tributária realmente teria capacidade de estimular o PIB?
Sim, claro! Todas as reformas agregam para nosso PIB e impactam o nosso grau de investimento, num circulo virtuoso que se iniciou com a reforma da Previdência.

Ao longo dos últimos anos foi dito que o Teto dos Gastos reativaria a economia. Depois o mesmo discurso sobre a reforma trabalhista. Em seguida com a Previdenciária. Mas nenhuma delas efetivamente fez o PIB avançar de modo robusto, o desemprego cair de verdade. Por que acreditar que a salvação seria, agora, a tributária?
Existe o efeito defasagem. Não é algo imediato. Particularmente, acho que a recuperação já foi sentida e devemos sentir ainda mais. Os números têm vindo insistentemente melhores do que todos nós esperávamos. Inflação sob controle. PIB cresceu o dobro do que estimávamos 12 meses atrás. Lembre-se, nossa economia era um trem desgovernado com muitos vagões. Nós paramos esse trem desgovernado, viramos, colocamos de volta nos trilhos, mas dessa vez na direção a caminho do grau de investimento. Não à toa, diversas casas como Moodys, Fitch e S&P já nos mandaram sinais de que estamos no caminho certo. A aprovação das reformas (Previdência, Fiscal/ Tributária, Administrativa) deverá promover um cenário de melhora das contas públicas que fará o Brasil crescer de forma vigorosa. Enxergo uma década de crescimento vigoroso.