O mercado de ativos digitais baseados em tokens não-fungíveis (NFTs) cresceu rapidamente no mundo: foram transacionados US$ 23 bilhões em vendas de obras de arte digitais em todo o mundo apenas em 2021, segundo a startup DappRadar. Em 2020, o volume de vendas foi de apenas US$ 100 milhões.

O mercado nacional de obras de arte digitais, que utilizam as NFTs como um certificado de posse baseado na tecnologia Blockchain, começa a engatinhar. O consumidor dá os primeiros passos para entender que se trata de um novo mercado, com semelhanças e diferenças em relação ao de arte física.

+ Universal Music compra NFT para liderar grupo de música virtual
+ Pai de jornalista morta ao vivo transforma vídeo em NFT para evitar circulação

“Ano passado praticamente não existiu este mercado no Brasil. Este ano começaram a aparecer projetos com potencial da plataforma de NFTs. O Brasil acompanhou essa euforia, curiosidade e até interesse, mas comprar é diferente. Arte digital também é arte. O mundo da arte já entendeu e percebeu, incorporando as novas ferramentas digitais, que as NFTs podem acrescentar muito no repertório do artista”, explica Ricardo Azevedo, sócio da Digitiva, empresa especializada em ativos digitais.

Em comum, os mercados de arte digital e físico apresentam a característica de serem voltados a um nicho: apreciadores de arte, colecionadores e investidores, que selecionam as obras com grande potencial de valorização. Além disso, os mercados de arte também são muito ligados à escassez: quanto mais rara uma obra de arte, maior seu valor.

Apesar das semelhanças, Azevedo aponta que o mercado digital pode ser muito mais democrático e acessível, dado que pode ser explorado e consumido em diversas plataformas, incluindo um aparelho celular.

“Arte é arte em si. O NFT é um contrato e um certificado de autenticidade. Mas isso ainda é mal interpretado porque, como a arte digital é reprodutível, as pessoas acreditam que é a mesma coisa. A Monalisa original só tem uma, apesar de existirem 5 mil cópias idênticas de alta qualidade. Como as plataformas de registro de NFTs são muito abertas, qualquer pessoa pode fazer qualquer coisa e vender qualquer coisa, com o preço que quiser. Criar um produto e publicar em alguma plataforma agrega pouco. A arte requer uma sensibilidade que precisa ser estimulada. Os NFTs podem ser de grande ajuda à cultura nacional” analisa Azevedo, que ressalta que o digital é apenas mais um meio de expressão à arte.

Lucas Cimino, sócio da Zipper Galeria, focada em artistas mais novos, que começou a investir em ativos digitais há cerca de um ano, acredita que os mercados físico e digital tendem a se complementar. A obra de arte digital não deve substituir a física, mas criar possibilidades.

“São demandas diferentes. Uma coisa é o colecionável físico; outra é o digital. Um menino de 15 anos tem seu jogo físico e uma skin no Free Fire. As novas gerações têm mais facilidade em viver nos dois mundos simultaneamente. Parte do público físico também quer ter colecionáveis digitais”, argumenta Cimino, que diz que seu investimento no mercado de arte digital é “a longo prazo”.

Há duas tendências no mercado nacional de obra de arte digital. Em primeiro lugar, costumam ganhar destaque projetos de comunidades, inseridos em um contexto específico. Um exemplo é a população indígena Paiter Suruí, de Rondônia, que leiloou obras de arte, entre fotografias de sua rotina e ilustrações diversas, para arrecadar fundos (até 95% do valor) para conservar a região florestal Sete de Setembro, de 13 mil hectares.

Fotografia de jovem Paiter foi vendida por R$ 3 mil em leilão
Fotografia de jovem Paiter foi vendida por R$ 3 mil em leilão (Crédito:Walelasoepilemãn Suruí/Divulgação)

Outro exemplo foi o lançamento da música “Right Side of The Road” pela Trio, hub global de produção de conteúdo audiovisual. A música foi lançada em 16 de março e será leiloada até 31 de março em NFT para arrecadar recursos à população ucraniana, que sofre com a invasão russa.

Os NFTs podem servir de registro a ativos digitais de diversos formatos: vídeos, audiovisual, ilustração, montagem, memes. Pode ser até mesmo (e foi!) o primeiro post registrado no Twitter. Permite ao artista, por exemplo, criar movimento em seus desenhos. O Bored Ape Yacht Club, coleção que o Neymar gastou quase R$ 6 milhões, foi criado a partir de variações programadas por algoritmos.

Uma segunda tendência do mercado de NFTs diz respeito à expansão dos direitos artísticos da obra. Clubes de futebol comercializam ativos digitais que dão direito, por exemplo, a vídeos exclusivos gravados por um atleta, ou festas nas quais só entra quem possui um NFT de determinada coleção.

Há também quem tem medo de investir em um NFT porque ele pode se desvaloriza. Segundo Azevedo, no entanto, “a volatilidade, no caso da arte, é sempre positiva. É um investimento seguro neste aspecto”.

Os NFTs ainda contam com grande diversidade de aplicação, com empresas explorando cada vez mais novas possibilidades, como é caso de alguns jogos online. A Lumx Studios, primeira startup brasileira focada em experiências no Metaverso, faturou R$ 2 milhões ao vender 3 mil NFTs em 48 horas com a coleção 55Unity, que dá início a um jogo de RPG Social.

Noites Cariocas

Idealizado pelo jornalista Nelson Mota em 1980, o festival Noites Cariocas volta depois de 12 anos a partir desta sexta-feira (18), no Morro da Urca, Zona Sul do Rio de Janeiro. Serão 14 shows nos próximos quatro finais de semana.

A novidade do festival musical é que ele combina música, arte e tecnologia. O artista René Machado vai apresentar oito obras de arte (uma para cada noite de shows) e serão vendidos 50 NFTs de cada. O público que for aos shows verá a obra física exposta e terá a chance de adquirir sua versão digital a partir de R$ 1 mil.

“Achei interessante o desafio e a oportunidade de negociar alguma obra em NFT. O NFT pode alcançar uma abrangência maior (que a obra de arte física). Sabendo usar as ferramentas, é possível atingir um público muito maior. É possível atravessar fronteiras sem precisar mostrar o trabalho fisicamente”, avalia Machado, que também expõe seu trabalho físico neste final de semana na Oca, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo.

“É muita novidade para todo mundo, a gente tem receio de tudo o que é novidade, mas uma vez dentro, é possível ter uma percepção nova”, acrescenta o artista. Luiz Calainho, também sócio da Digitiva e produtor das Noites Cariocas, vê a iniciativa com NFTs como democrática porque “o mundo digital aproxima o público da arte”.

“É o festival mais emblemático e longevo do País e o primeiro no pós-pandemia, berço do pop rock nacional. Entendemos que seria um momento único a união do tripé música, tecnologia e arte contemporânea”, explica Calainho, que estima média de 2.300 pessoas por noite no evento.

Os ingressos custam em torno de R$ 200 e podem ser comprados no site ou na hora.