O comércio eletrônico brasileiro cresceu 12% em 2017, movimentando R$ 59,9 bilhões. Parte desse crescimento veio do aumento de 10% no faturamento de lojas de vestuário pela internet, segundo dados da Visa Consulting & Analytics.

Esses números positivos, no entanto, não refletem nem de longe a situação de uma das maiores empresas do ramo no País. Desde abril de 2017, quando se tornou a primeira companhia brasileira de comércio eletrônico a abrir capital na bolsa de Nova York (Nyse), a Netshoes viu seu valor de mercado despencar de US$ 499,5 milhões para US$ 71,6 milhões, conforme os números registrados na quarta-feira 29 de agosto. O negócio comandado por Marcio Kumruian segue em uma busca incessante por uma virada de jogo.

O plano da vez é encontrar um sócio que possa injetar dinheiro na empresa que um dia chegou a ser apontada como a favorita para se tornar o primeiro unicórnio nacional, termo designado às startups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão.

Entre junho de 2017 e o mesmo mês deste ano, o caixa da Netshoes passou de US$ 420 milhões para US$ 75 milhões, evidenciando uma escassez de recursos para um plano de recuperação. Para resolver esse problema, a companhia busca um salvador.

De acordo com a agência de notícias Reuters, Kumruian está trabalhando em conjunto com o banco americano Goldman Sachs, que já havia ajudado a companhia a refinanciar a sua dívida, para encontrar um investidor. “O melhor cenário seria arrumar um fundo investidor e fechar o capital da empresa”, afirma Douglas Carvalho, sócio da consultoria Target Advisor.

Essa, porém, não será uma missão simples. Principalmente porque Kumruian estaria atribuindo um valor alto demais pelas ações que planeja repassar ao novo sócio. No mercado, cada papel da Netshoes estava sendo negociado, na quarta-feira 29, por US$ 2,46.

Por isso, fundos como a Tiger Global Management e a Temasek Holdings, que detinham 35,3% da companhia no fim de 2017, não parecem estar interessados. “A questão é saber quem vai colocar dinheiro na empresa”, diz Carvalho.

Fim da linha: em e-mail enviado no último dia 22 de agosto, Wilton Colle, CEO da Midway Labs, comunica às empresas parceiras o encerramento do contrato que estabelecia a Netshoes como a distribuidora exclusiva da marca americana no Brasil

A Netshoes busca mais alternativas para tentar sair do buraco. De acordo com reportagem da revista Exame, a companhia de Kumruian vai ofertar produtos de esporte no e-commerce de moda Zattini. Se concretizada, essa seria uma mudança drástica nos planos de diversificação.

Outra iniciativa seria a venda da operação da varejista digital na Argentina. Essa estratégia não seria exatamente uma novidade. No começo do mês, a empresa já havia vendido o seu braço no México para o fundo de private equity Grupo Sierra Capital.

Na época, a companhia declarou que a venda “está em linha com a estratégia da empresa de focar e simplificar suas operações em regiões maduras, para aumentar a lucratividade e criar valor de longo prazo para os acionistas”. O valor do negócio foi mantido em sigilo.

MARÉ DE PROBLEMAS

Existe um ditado que diz que nada é tão ruim que não possa piorar. Para a Netshoes, esse adágio popular é uma terrível realidade.

Em agosto, a Amazon, que passou a apostar com mais ênfase no mercado brasileiro, resolveu entrar na seara da companhia de Kumruian. A empresa de Jeff Bezos anunciou que passaria a operar também no mercado de vestuário, segmento que movimenta R$ 4,8 bilhões, segundo dados da Ebit/Nielsen.

No mesmo mês, a Netshoes já havia sofrido um duro golpe ao ver encerrada uma parceria com a fabricante americana de suplementos alimentares Midway Labs USA, fundada e comandada pelo brasileiro Wilton Colle. “Eles são muito confusos”, diz Colle, em entrevista exclusiva à DINHEIRO. “Eu não podia deixar que isso contaminasse a Midway.”

A companhia de Marcio Kumruian era a responsável exclusiva pela operação logística da Midway e atuava “como uma espécie de distribuidor oficial”, segundo Colle. Dessa forma, a Netshoes tinha o compromisso de atender os clientes corporativos da Midway no País. O casamento das duas empresas ia bem até o começo de 2017, quando a varejista de esportes abriu capital.

“Existem duas empresas, a ‘Netshoes pré-IPO’ e a ‘Netshoes pós-IPO’”, diz Colle. De acordo com o CEO, a parceira brasileira descumpriu pontos importantes do acordo firmado entre as partes. Colle afirma que a Netshoes não honrava seus compromissos com clientes, entregando encomendas fora do prazo estabelecido e em quantidades incorretas. Além disso, por também trabalhar diretamente com as vendas para o público, houve ocasiões em que os produtos da Midway eram ofertados no site da Netshoes com preços mais baixos do que os estipulados para a venda para empresas, em modelo B2B.

Outro ponto que irritou a empresa foi o fato de a Netshoes ter colocado a culpa de seus resultados negativos do primeiro trimestre de 2018 no mau desempenho das vendas de produtos da Midway Labs.

“Somos os maiores vendedores de suplementos do país. É um produto ideal para e-commerce porque tem recorrência”, disse Kumruian, em reportagem publicada pela Exame em abril. “Mas erramos no planejamento de vendas feitas para revendedores e tivemos muitas devoluções no último trimestre do ano.” No balanço da companhia, a Netshoes credita à Midway Labs um prejuízo de R$ 30 milhões em sua receita anual de 2017. Questionado sobre a declaração, Colle é enfático. “Ele [Kumruian] não entende de B2B.”

Procurada pela reportagem para comentar o momento da empresa, a Netshoes afirmou, por nota, que “segue trabalhando de forma intensiva na otimização de sua estratégia comercial, com o fortalecimento de sua gestão e de sua infraestrutura tecnológica a favor da experiência do cliente e da escala do negócio.” A empresa também disse que “segue confiante quanto à execução bem-sucedida do plano e a consequente geração de valor de longo prazo aos seus investidores.”

Informada sobre o teor das declarações de Colle, da Netshoes disse que as informações são falsas e que demonstram uma tentativa de denegrir a imagem da companhia. “A Netshoes esclarece, ainda, que não há saldo devedor com a mesma, sendo, na verdade, a credora da Midway Labs”, diz o texto da nota.


“Não temos como manter a Netshoes como parceira”

Wilton Colle, fundador e CEO da fabricante de suplementos alimentares Midway Labs

Por que a Midway Labs decidiu encerrar a parceria com a Netshoes?
Existem duas empresas, a “Netshoes pré-IPO” e a “Netshoes pós-IPO”. Eu não sei o que acontece com eles nesse momento. Alguns executivos novos chegaram lá com ideias de que poderiam fazer a gestão de vendas e assumiram impositivamente esse processo. Isso gerou uma série de complicações com os clientes da Midway de longa data e criou uma confusão enorme.

Por quê?
A Netshoes não cumpriu com as demandas e gerou muito prejuízo. O que foi crucial para desgastar a relação é que o foco da Midway é o mercado e o longo prazo e a empresa brasileira quer resultados imediatos para mostrar na bolsa de valores. Não temos como manter a Netshoes como parceira logística porque eles não estão fazendo os volumes que tem que fazer. Não chegaram nem perto do volume que a gente precisa para girar a roda. A operação não se paga.

No balanço de 2017 da Netshoes, a empresa afirma ter tido um prejuízo de R$ 30 milhões com a Midway Labs. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Ele [Kumruian] realmente publicou no relatório no fim de 2017 que houveram devoluções. Na verdade, como ele não é do B2B, não entende muito e mistura algumas coisas. O fato é que, pela Netshoes não ter competência na logística, ela simplesmente entregava os produtos fora do prazo. Existiu muita recusa de mercadorias. Isso não quer dizer devolução, como ele dá impressão. A recusa é por erro de entrega, por data de entrega incorreta. Isso não acontece por conta de maldade deles, mas por incompetência da gestão. Como uma rede de varejo, eles deveriam entregar as encomendas corretamente e dentro das condições aprovadas com o cliente.

Colaborou: Felipe Mendes