A Netflix continua líder isolada em streaming, ou SvoD, mas acabou de apresentar resultados ruins em queda de assinaturas, perdendo 200 mil usuários – sendo seu número total, no primeiro trimestre de 2022, 221,6 milhões de assinantes. Mas como o streaming que liderou o número de indicações de filmes para o Oscar este ano, com 11 produções, levando inclusive a estatueta de Melhor Diretor para Jane Campion em Ataque dos Cães, pode estar perdendo terreno? A resposta está, em parte, na própria carta aos acionistas divulgada junto com os resultados.

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O avanço da concorrência é um ponto. A Disney+ parece querer não dar folga um mês sequer com suas populares séries de heróis e Star Wars, cujos episódios são desovados semanalmente e não em esquema “maratona”, como a Netflix faz. Só para os primeiros meses de 2022 ela tem, de Star Wars, a segunda temporada de The Mandalorian; a volta de Darth Vader na série Obi-Wan Kenobi; Andor, e mais episódios da animação The Bad Batch. Em heróis, Ms. Marvel e She-Hulk, além de filmes variados. Nada mal no cardápio pop.

Já a Amazon, segundo lugar, aposta em seus sucessos em novas temporadas, como a quarta de The Marvelous Mrs. Maisel, a mais do que aguardada por fãs, a reformulada Senhor dos Anéis, com acontecimentos antes dos filmes feitos para o cinema e a incorreta terceira fase de The Boys.

O market share projetado pela Statista coloca a Netflix com 23% do mercado, a Amazon com 13%, a Disney com 8% e Apple TV+ com 1% – e os demais canais, como HBO, Hulu (que não existe no Brasil) dentro dos 55% restantes. Para 2026 espera-se um mercado com volume de US$ 115,9 bilhões, com crescimento anual de 8,89% – em 2022 esse número deve bater em US$ 82,43. Mas o quadro no mundo é distinto do norte-americano, o maior globalmente em número de assinantes. Lá, a HBO Max tem 12% da fatia – lembrando que o streaming vem estreando aos poucos em vários países, ao contrário dos concorrentes que já está há mais tempo, incluindo Disney+. Amazon Prime está em segundo com 19%, e mesmo com perda de 2% no território, a Netflix continua em primeiro com 25%, segundo dados da JustWatch.

As “velhas” streaming são as que estão perdendo mais terreno – justamente a primeira e segunda colocadas. As que vem crescendo, nos EUA e por tabelo no mundo, são Apple TV+ e HBO Max, justamente as que estão optando por filmes e séries mais elitizadas e com histórias mais elaboradas. A primeira terá a série metafísica Iluminadas, com a ganhadora do Emmy Elisabeth Moss e o brasileiro Wagner Moura; Nicole Kidman em Roar, Gary Oldman em Slow Horses, Samuel L. Jackson em The Last Days of Ptolemy Grey. A HBO terá o elogiado diretor Michael Mann estreando sua série Tokyo Vice, House of The Dragon, spin-off da premiada Game of Thrones e todo o catálogo de filmes da Warner no cinema – que não é pouco.

E o que tem a Netflix para um engajamento com mais qualidade em séries, em formato não-maratona (para que o usuário venha toda semana ver um novo capítulo)? Bem, não exatamente o tipo de conteúdo que atrai novos assinantes. Claro que vários filmes acabarão no Oscar 2023 – e podem até ganhar estatuetas -, mas existe algo no cardápio que pode não favorecer a ideia de aumentar a base de espectadores, principalmente a falta de filmes populares. The Marked Heart, sobre tráfico de órgãos femininos, é uma boa tentativa no quesito séries; Ana de Armas em série como Marilyn Monroe também, mas uma quarta temporada de Ozark e a sétima de Grace and Frankie não são uma novidade como uma House of Dragon da HBO Max.

A grande estrela de séries pode acabar sendo a quarta temporada de Stranger Things, um marco de sucesso no streaming. Até mesmo a elogiada terceira temporada de The Umbrella Academy não atrairia novos views. Talvez o novo filme dos irmãos Russo (responsáveis pelos últimos filmes recordistas dos Vingadores, da Marvel, no cinema), The Gray Man, com Ryan Gosling, consiga, ou a continuação de Knives Out, com Rian Johnson, e a cult adaptação de The Sandman, de Neil Gaiman.

Será um ano em que as fatias da pizza no mundo – e nos EUA – poderão ser recortadas de maneira diferente do que esperam os institutos de pesquisa de mercado. O segundo ponto da carta aos acionistas é a possibilidade da Netflix de cortar compartilhamento de assinaturas – algo simpático para famílias grandes, mas perigoso para seus números de assinaturas – e criar uma nova forma mais barata de fazer parte dos espectadores do canal, introduzindo propaganda no meio de seu conteúdo. A briga vai ser boa.