Em 1921, a inauguração da fábrica da Nestlé em Araras, interior de São Paulo, simbolizou a chegada do grupo ao mercado brasileiro. Desde então, o País passou a ser um personagem importante na trajetória da gigante suíça. Um dos marcos dessa relação quase centenária aconteceu no decorrer da década de 1930. A pedido do governo local, a companhia começou a desenvolver uma solução para escoar o volume excedente de café estocado, por conta da quebra de Wall Street e do consequente colapso nos preços do produto, que tinha no Brasil o seu maior exportador mundial. O principal fruto desse trabalho veio à tona em 1938, com o lançamento de um café solúvel, batizado de Nescafé, marca que, nas décadas seguintes, se consolidou como um dos destaques do portfólio global da empresa.

Passados quase oitenta anos, o Brasil e a Nescafé estão, mais uma vez, no centro de uma nova frente de negócios da Nestlé. E, assim como o cenário de dificuldades daquela época, o contexto de crise é uma das razões por trás desse movimento. “Em um momento como este, precisamos trabalhar quatro vezes mais para chegar ao mesmo resultado que tínhamos antes”, diz à DINHEIRO Juan Carlos Marroquín, presidente da Nestlé no País, a quarta operação global do grupo, com um faturamnto de cerca de R$ 13 bilhões, em 2016. “Temos que nos reinventar a cada momento e, ao mesmo tempo, focar em nossas categorias vencedoras.”

Na terça-feira 25, a Nestlé deu uma mostra dessa abordagem, com o lançamento de um blend de café torrado, 100% arábico, para ser moído no momento do preparo, sob a marca Nescafé Espresso. Cultivado no Sul de Minas Gerais, o grão está sendo produzido na fábrica de Araras, a primeira da companhia no Brasil e responsável pela exportação do Nescafé solúvel para mais de 40 países. Voltada a estabelecimentos como bares, cafeterias, restaurantes, padarias, confeitarias e lojas de conveniência, a solução concentrou um investimento inicial de R$ 10 milhões e inclui ainda uma máquina multibebidas, desenvolvida na Itália, com quatro tipos de café, além de cappuccino e outras sete bebidas cremosas.

O Brasil é a ponta de lança da iniciativa que marca a entrada da Nestlé no segmento de cafés em grão. Até então, no setor de food services, a companhia trabalhava apenas com equipamentos de café solúvel, com uma base instalada de quinze mil máquinas. Desenvolvido em menos de um ano, o projeto também sinaliza um ritmo mais dinâmico das inovações da companhia. “Queremos dar respostas mais rápidas e contundentes ao mercado”, diz Marcelo Citrângulo, diretor da Nestlé Professional, divisão responsável pelos produtos e negócios fora do lar do grupo suíço.

Expansão: segundo Marcelo Citrângulo, diretor da Nestlé, a meta é chegar a 10 mil máquinas instaladas em trés anos (Crédito:Gabriel Reis)

Para analistas consultados pela DINHEIRO, uma das razões por trás do movimento é a necessidade da Nestlé abrir outras fontes de receita em cafés. A entrada em grãos seria uma reação à concorrência mais acirrada no mercado de cápsulas, lançado e popularizado pela empresa, por meio da marca Nespresso e do modelo de vendas diretas. Nos últimos anos, esse espaço assistiu à chegada de rivais tradicionais, como a 3 Corações, além de uma centena de fabricantes de cápsulas genéricas, distribuídas em redes do varejo e compatíveis com as máquinas da Nespresso.

O segmento saltou de uma receita de R$ 567,1 milhões, em 2013, para R$ 2,4 bilhões, em 2016, no Brasil. Nesse período, porém, a participação da Nespresso caiu de 47% para 40,1%. Uma primeira tentativa da Nestlé para fazer frente a esse avanço no País envolveu a marca Dolce Gusto, com ofertas mais acessíveis que a Nespresso e encontradas nas redes varejistas. Em 2015, com um aporte de R$ 220 milhões, as cápsulas dessa bandeira passaram a ser produzidas em Montes Claros (MG), tornando a primeira unidade desse porte da Dolce Gusto fora da Europa.

Agora, a nova investida é vista como uma estratégia com ótimas perspectivas, em linha com o crescimento do consumo “gourmet” do tradicional cafezinho. “Os grãos são uma grande tendência nesse contexto”, diz Ana Paula Tozzi, CEO da AGR Consultores. “E a Nestlé está entrando nesse filão, no ‘B2B’, antes de todo mundo.” Diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC), Nathan Herszkowicz destaca que, apesar de o Brasil já consumir grandes volumes de café, ainda há muito a ser explorado no setor. “O segmento ainda admite muitas inovações e esse lançamento da Nestlé é uma prova disso”, afirma.

A projeção inicial do grupo é de que a nova solução responda pelo consumo de 400 milhões de xícaras de café nos próximos três anos. Nesse intervalo, a meta é chegar a uma base de 10 mil máquinas. Para alcançar esse número, a Nestlé desenhou uma série de estratégias. Entre outras iniciativas, o plano envolve uma parceria com a Sodiê Doces, para a instalação em mais de cem lojas da Sodiê Salgados, nova bandeira da rede de franquias. Outra via de expansão são as cafeterias que estão sendo montadas nos supermercados da rede Coop. A abertura de uma loja da Nescafé Espresso no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, também integra esse escopo. “Até o fim do ano, nosso foco será o estado de São Paulo”, diz Citrângulo. “A partir de 2018, iremos para as demais regiões do Brasil.”