Relacionar a Nestlé aos seus doces tornou-se algo inevitável em quase um século de memórias afetivas com a marca suíça. A líder mundial de alimentos e bebibas conquistou o paladar brasileiro com chocolates como Chokito, Galak, Kit Kat, Lollo, Prestígio e Suflair, que resistem a gerações. Mas bastou a chegada da pandemia para a multinacional comprovar a força de um portfólio de produtos muito mais amplo e que oferece desde suplemento infantil até alimentação para pets. Com o isolamento social da população e a adoção do home office por muitas empresas, os sabores que ganharam evidência na quarentena foram, principalmente, os cafés, com crescimento de vendas de até 80% (caso do solúvel premium, segundo a Nielsen), e os itens de culinária (como caldo Maggi e o pioneiro Leite Moça), com alta de 33%. Diante desse cenário animador, a empresa realiza, neste ano, investimento de R$ 763 milhões em suas operações brasileiras, 40% superior ao aplicado no ano passado, de 544,6 milhões. “Continuamos na mesma pegada dos investimentos, já pensando inclusive em 2021, quando festejaremos 100 anos de Brasil”, disse à DINHEIRO o presidente da Nestlé Brasil, Marcelo Melchior.

O montante a ser investido pela companhia é destinado a diversas iniciativas, como inauguração e modernização de linhas nas fábricas. Ao todo, a Nestlé possui 20 unidades industriais no País, responsáveis pela fabricação de mais de 1 mil produtos, em 15 segmentos. A unidade de Montes Claro (MG), onde são fabricadas as cápsulas Dolce Gusto, recebe investimento de R$ 100 milhões para ampliação e modernização do sistema de produção. Na planta de Araras (SP), por exemplo, foram promovidos upgrades nas linhas de Nescafé, com a instalação de sistema de extração e torragem mais eficiente e moderno, garantindo maior qualidade ao processo.

CONSUMO RESIDENCIAL Antes consumido nas sedes das empresas, o café conquistou mais espaço na casa das pessoas, com a adoção do home office. O crescimento chega a 80%. (Crédito:Divulgação)

Em Caçapava (SP), a companhia implantou nova linha para fabricação do chocolate Kit Kat e tem a previsão de construir outra até o final deste ano. Em Vila Velha (ES), a fábrica da Garoto recebeu uma linha adicional destinada à produção das tradicionais caixas amarelas da marca e de materiais de exposição de chocolates para pontos de vendas. A implantação dessa linha teve uso da tecnologia para guiar as equipes, com escaneamento e realização do projeto com utilização de 3D, que possibilitou a verificação e a aplicação de todos os detalhes sem a necessidade de visita à área. Essa prática de orientação remota foi realizada com direcionamento de parceiros de países como Alemanha, Dinamarca, França e Suíça. O prédio onde fica a nova instalação foi construído com design sustentável e uso de materiais 100% recicláveis. O investimento de R$ 200 milhões contempla, ainda, a ampliação do portfólio de produtos à base de cacau 100% nacional.

TRANSFORMAÇÃO A Nestlé tem investido na modernização de parques e processos, com aquisição e desenvolvimento de tecnologias e projetos de automação em suas unidades, como parte de uma transformação digital que envolve todos os negócios da organização no Brasil. Projetos visam a evolução para o conceito de indústria 4.0 e miram também promover o desenvolvimento e a capacitação dos colaboradores para atuar dentro da nova cultura. “Daqui a um tempo a sigla vai mudar para 5.0, a 6.0. É uma evolução constante”, afirmou Melchior.

A projeção da companhia é de R$ 340 milhões de investimentos em iniciativas com foco em transformação digital e indústria 4.0 para os próximos três anos, sendo cerca de R$ 100 milhões ainda em 2020. “Nós já tínhamos implementado muitas coisas para que nossos operadores tivessem mais informações em tempo real, visando o melhor funcionamento das máquinas, além de melhorar a qualidade do trabalho”, disse o executivo. Para fazer o comissionamento das máquinas, por exemplo, os engenheiros que estão na Europa guiaram os colegas no Brasil por meio de óculos que permitem a quem está a distância acompanhar em tempo real o que está sendo feito e passar instruções. “São tecnologias fantásticas.”

A aposta no Brasil é justificada. O mercado nacional é o quarto maior da empresa globalmente, com faturamento de R$ 14,5 bilhões em 2019, aumento de 5,1% em relação ao apurado em 2018 – a previsão para 2020 é guardada a sete chaves pelo responsável pelas operações brasileiras. Mundialmente, a multinacional teve receita de cerca de US$ 100 bilhões no ano passado. Já no primeiro semestre deste ano, a Nestlé revelou expressivo crescimento no lucro líquido, de 18,3%, em francos suíços, na comparação com o mesmo período de 2019.

PARALISAÇÃO Ao mesmo tempo em que comemora o bom resultado de alguns segmentos durante a quarentena no Brasil, Melchior lamenta a interrupção das atividades em outros, entre abril e junho. O ramo de food service – Nestlé Professional – não pôde operar por três meses, porque os principais clientes – como restaurantes, bares, lanchonetes e hotéis – tiveram o funcionamento suspenso por causa da pandemia. Foi o caso também da butique Nespresso. Com a maioria de suas unidades instaladas em shoppings, o segmento acabou bastante afetado na pandemia. O executivo, porém, não revela o quanto. Segundo pesquisa da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), as vendas gerais acumuladas no Food Service no País apontam para redução de 29,5% no primeiro semestre de 2020, com faturamento de R$ 64,5 bilhões, contra R$ 91,4 bilhões do mesmo período do ano passado.

Diante da impossibilidade de os funcionários desses segmentos atuarem, a Nestlé agiu rápido e transferiu os profissionais para outras áreas, como digital, na qual a empresa já investia havia três anos. Além de auxiliar no e-commerce, os colaboradores fizeram contatos com os consumidores e tutoriais de receitas. A plataforma Receitas Nestlé viu os acessos dispararem 179% de janeiro a junho em comparação com o mesmo período do ano passado. Foram, em média, 10 milhões de acessos mensais em 2020, com picos de 15 milhões por mês em abril e maio. “Tivemos que acelerar tudo o que tínhamos nos planos para 2021. Fizemos para ontem”, afirmou o presidente. A estratégia acabou gerando bons resultados. Segundo o executivo, as vendas on-line aumentaram “pelo menos três dígitos”. Além de garantir a manutenção dos empregos, o bom desempenho de alguns setores levou a Nestlé a contratar 1.126 profissionais efetivos e temporários para dar conta da demanda. Desse total, 67% são posições operacionais em fábricas e vendas. “A empresa nunca parou. E o lado bom da coisa é que perdemos o medo da tecnologia.” São 30 mil funcionários diretos no País (28 mil em unidades fabris e centro de distribuição), além de 2 mil na sede em São Paulo, que se revezam diariamente em cumprimento aos protocolos de segurança. A companhia gera 200 mil empregos indiretos.

FOCO O setor registrou aumento de 0,6% nas contratações diretas e formais, ao gerar 10,3 mil vagas de trabalho no primeiro semestre, de acordo com a Abia. Associado à expansão da produção (2,7% no período), o crescimento está relacionado também ao afastamento temporário de colaboradores pertencentes ao grupo de risco da Covid-19. João Dornellas, presidente executivo da Abia, afirma que o foco agora é manter o ritmo. “Trabalhar para colaborar ainda mais com a retomada econômica do País, gerar mais empregos e manter nossa posição de um dos maiores produtores de alimentos do planeta”, disse. A Nestlé tem feito sua parte. Marcelo Melchior, que tem 3 anos de empresa, agora foca também na data centenária de presença da companhia no País, a ser comemorada no ano que vem. Ele afirmou que as celebrações não irão focar o passado e, sim, o que terá pela frente. “Mostrar a nossa relação com a sociedade brasileira, com o meio ambiente.”