Nos próximos meses, os alunos da Universidade de Miami que passarem pela disciplina de finanças internacionais terão acesso a uma visão privilegiada do Brasil. Como professor estreante, o economista Paulo Leme realizará o seu sonho de dar aulas fazendo o que, na prática, já fazia há um bom tempo: explicar a conjuntura econômica a um grupo de interessados. Até então, as lições eram voltadas exclusivamente a investidores e clientes do Goldman Sachs, banco no qual foi presidente para o Brasil até o início deste ano, depois de passar pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Dos Estados Unidos, onde atualmente preside o Conselho de Administração da gestora Vinland Capital, Leme conversou com a DINHEIRO sobre as projeções para a economia brasileira e para as eleições. Confira:

DINHEIRO – Começamos o ano falando num PIB de 3% e agora estamos próximos de 1%. O que aconteceu? Há algum problema estrutural?

PAULO LEME – Os economistas foram otimistas demais. Os desafios e os riscos eleitorais durante 2018 foram subestimados. Fatores combinados, como a greve dos caminhoneiros e as eleições, levaram para uma projeção abaixo do que pareceria realista no começo do ano, de 2%. Hoje gravita mais em torno de 1% ao ano. Em termos estruturais, tem uma deficiência enorme de poupança, que está abaixo do nível de países africanos, uma taxa de investimentos muito baixa e uma produtividade da ordem de zero. Esse número vinha próximo a 2%, então quer dizer que o PIB potencial, que já foi de 4% e 4,5%, está muito mais próximo de 1,5% e 2%. Sem uma quantidade de reformas na parte fiscal, vai ser muito difícil sairmos desse patamar de 2%. Para 2019, eu acho que o PIB está mais próximo de 2% ou 2,5%.

DINHEIRO – O senhor já havia alertado para o problema da poupança numa entrevista em 2013. Aprendemos a lição? Esse tema deve ser tratado no debate eleitoral?

LEME – Me surpreenderia muito se o debate político fosse de alto nível técnico em matéria de economia. Não vejo isso. Com um nível tão baixo de poupança doméstica, ou se tem um entrada gigantesca de fluxos de capitais ou um processo de ajustes. Quando se tem um déficit primário acima de 2% do PIB, a primeira medida que tem de ser feita é um ajuste fiscal nos quatro anos, da ordem de 4%. Pode fazer metade nos dois primeiros anos e a segunda metade, nos outros. Nem tudo isso precisa vir de corte de despesas. Com reformas estruturais profundas e abrangentes poderia se ter um aumento de produtividade, uma alta no investimento e, com isso, o crescimento do PIB. A receita preencheria o resto desse hiato fiscal.

DINHEIRO – O risco político já foi totalmente precificado pelo mercado ou ainda veremos mais volatilidade nos índices?

LEME – No começo do ano tinha a questão das eleições, mas praticamente estava definido que a Faria Lima queria um candidato reformista e que ele ia ganhar com relativa facilidade, seja lá quem fosse. Depois, concluiu-se que estava muito difícil chegar a uma coalizão por um nome forte no centro. O mercado vendeu e trocou de posição. Teve queda forte da Bolsa e afetou o câmbio. Quando definiu quem é o candidato do centro, o Geraldo Alckmin, o mercado comprou essa opção. Eu diria que nenhum dos cenários eleitorais extremos está precificado pelo mercado. Uma vitória do Alckmin poderia levar a um nível de Bovespa mais próximo a 95 mil pontos e uma apreciação do câmbio a R$ 3,50. Uma vitória do Alckmin não está no preço, como não está no preço o Bolsonaro ou Haddad ganhando, que seria uma queda da Bolsa. O mercado trataria de maneira diferente os dois, mas não otimista. O fato de que o Centrão está em volta de um candidato só é positivo, mas acho que tem muita coisa para acontecer até outubro para ter uma reprecificação dos ativos e isso se traduz em volatilidade.

DINHEIRO – Vai depender um pouco das pesquisas de intenção de voto.

LEME – Para um candidato que sairia vencedor em outubro, a posição inicial do Alckmin é muito desconfortável. Não é que ele vai conquistar corações e mentes, mas pode crescer mais pelos erros dos opositores. Não é uma vitória fácil. Tem praticamente metade dos eleitores que não se focaram nas eleições ou 25% que votariam em branco ou nulo. O cenário é ainda de difícil definição, mas está praticamente entre quatro candidatos: Alckmin, Haddad, Bolsonaro e Marina, ainda no páreo.

DINHEIRO – O mercado financeiro abraçou o Bolsonaro?

LEME – Não, não acho. Existe uma dispersão muito grande de opiniões. Há entusiasmo com o Paulo Guedes, que é um excelente economista. Seria muito positivo ter alguém como ele em Brasília, mas temo que isso é subestimar o que é necessário a partir de 2019. Há dois diferentes desafios, uma bela condução da política econômica, com bons economistas, mas uma reforma política, uma recondução do processo político e a capacidade de gestão no Congresso. A governança é tão importante quanto a política econômica e não me parece que o Bolsonaro preenche esses quesitos. É um candidato que tem de ser considerado como possível para o segundo turno, mas que apresenta riscos para o mercado, para a economia e para o processo político brasileiro também.

DINHEIRO – No processo de escolha de vices, ele já enfrentou algumas dificuldades.

LEME – As primeiras declarações de seu vice não foram realmente das mais felizes.

“Bolsonaro apresenta riscos para a economia e para a política brasileira”Em debates e sabatinas, o candidato vem tentando reforçar a mensagem de que as ideias do guru econômico Paulo Guedes serão integralmente adotadas (Crédito:Mateus Bonomi)

DINHEIRO – Como os estrangeiros enxergam o país?

LEME – O investidor olha muito mais risco-retorno. A realidade que se apresenta é a seguinte. O carrego, que é o ganho com juros, ajustado por câmbio, no Brasil, despencou: foi de 14% para 6%. E, nos EUA, a situação foi oposta, tem uma taxa de juros que está subindo e uma moeda se valorizando. Qual é a melhor das duas opções, estar exposto em real ou em dólar? Tem de apresentar um caso de crescimento ou de juros muito favorável para compensar o risco político. No momento, é difícil deixar para trás uma bolsa americana que sobe, uma economia que cresce acima de 4%, com uma taxa de juros em alta, com um câmbio se valorizando. Na margem, o investidor estrangeiro, que se afastou dos emergentes no segundo trimestre, agora criou um vetor de preços mais interessantes para voltar a entrar. Está olhando de volta os emergentes para realocação de carteiras no 4º trimestre. Se fizermos o dever de casa e apresentarmos uma proposta decente de programa econômico, não vejo porque não ser um destino importante e o investidor voltar ao Brasil.

DINHEIRO – Os dados de crescimento nos EUA mostram um ritmo muito forte. Esse nível é sustentável? O que isso significa para o resto do mundo?

LEME – A taxa de 4,1% é realmente muito impressionante, mas não é sustentável para os EUA. Está mais próximo de 2,5% ao ano do que dos 4%.Essa disparada é resultado do estímulo fiscal, não só da redução dos impostos, mas pelo aumento do gasto público. A taxa de desemprego de 3,6% é a mais baixa dos últimos 50 anos. A maior ameaça à sustentabilidade ao crescimento americano é o próprio governo. Na medida em que vai sobrestimulando uma economia que não precisa de estímulo fiscal e continua gastando e aumentando o déficit, eventualmente o que está contratando é a necessidade de aumentar as taxas de juros para mais do que o mercado espera. O risco é sobrestimular e forçar um freio via Fed (banco central americano), o que sempre leva a uma recessão. E a escalada de uma guerra comercial é bastante desencorajadora porque sabemos que é uma receita certa em que todos perdem.

DINHEIRO – O Brasil está preparado para a guerra comercial e para a alta dos juros nos EUA?

LEME – O Brasil está exposto. Pelo lado da guerra comercial, é um choque negativo. A fúria da guerra comercial não é necessariamente direcionada ao Brasil e o País é uma economia extremamente fechada, portanto, um choque externo via comércio internacional obviamente é negativo, mas não devastador. O que me preocupa muito mais é um aumento muito rápido dos juros, de uma reversão dos fluxos de capitais em direção aos EUA e, pior, se tiver eventualmente uma desaceleração da economia mundial, que vai encarecer o processo de ajuste necessário em 2019.

DINHEIRO – Perdemos a janela recente de calmaria no exterior?

LEME – Sim, se perdeu uma janela importantíssima, que nos deixa mais vulneráveis para 2019 e vai encarecer o processo de ajuste. Desde que haja disposição do governo, do Congresso e da população de topar um programa econômico sólido, os benefícios viriam suficientemente rápidos para compensar a dureza do curto prazo. A perspectiva poderia melhorar rapidamente.

“A maior ameaça à sustentabilidade ao crescimento americano é o próprio governo”O presidente Donald Trump exaltou crescimento de 4% no segundo trimestre (Crédito:AFP Photo)

DINHEIRO – Os assessores econômicos dos candidatos falam numa janela de seis meses para tocar o grosso do ajuste. É possível?

LEME – Acho difícil. Mesmo em situações extremas, como em 1999 e 2003 , em que teve ajustes concentrados, não se conseguiu fazer tanto em tão pouco tempo. Tem de pensar muito mais no médio e no longo prazo. A coerência e a persistência de um processo de ajuste é mais importante do que fazer de uma vez. O segredo é que os benefícios têm de vir relativamente rápidos para continuar com apoio. O ajuste que tem de fazer é da ordem de 4% do PIB. Não vai ser feito em seis meses ou um ano. Precisa de quatro anos, no mínimo. Saber dosar ajuste fiscal com retomada do crescimento vai ser a arte, mas sem apoio político, não vai funcionar. Se não tiver um debate claro e alertar a população, acho que será difícil fazer isso em 2019.

DINHEIRO – Na sua avaliação, quais são as principais medidas?

LEME – No ajuste fiscal, há uma necessidade de aumentar o esforço primário entre 4% e 4,5% do PIB. Parte disso vem através de corte de custos, principalmente no gasto com pessoal. A outra parte virá na medida em que reformas estruturais comecem a ser aprovadas, porque ajudam a balizar expectativas, atraem capital para investimentos e achatam a curva de juros. Quando se olha a curva de juros hoje, há um prêmio de risco brutal. Ou seja, o mercado financeiro acredita que vai ter um desequilíbrio fiscal crescente e uma dívida bruta explodindo para mais de 95% do PIB. Na medida em que tem um programa de ajuste, reduz esse prêmio de risco, a taxa de juros longa começa a cair e os investimentos começam a deslanchar. Outra parte importante é uma abertura comercial. Não tenho dúvida que parte do processo de retomada seria do setor externo brasileiro. Fazer uma reforma tributária também é fundamental.

DINHEIRO – Há um debate sobre a viabilidade do teto de gastos a partir de 2019. Ele se sustentará?

LEME – O teto é uma excelente medida inicial. É necessária, mas não suficiente. Se não corta o gasto primeiro, não adianta ter teto. Tem de ter uma política fiscal compatível com a geração de superávits primários e de corte de gasto para poder se enquadrar dentro do teto, se não ele desaba.

DINHEIRO – Dá tempo de tomar as medidas antes de desabar?

LEME – Dá sim, na medida em que tem um governo que arranca na direção correta em matéria fiscal. Não precisa fazer os 4% de ajuste em seis meses. A previsibilidade e o programa de médio prazo é tão importante quanto a implementação. Pode preservar o teto de gastos desde que tenha logo de cara um programa fiscal sólido. Outra coisa fundamental é incluir a parte de redução da fatia do Estado em todas as frentes. A privatização é importante não só pela produtividade como também para gerar receitas extraordinárias no curto prazo, que podem dar tempo de poder gerar superávit primário e ter uma situação fiscal viável.