O economista Luiz Fernando Figueiredo ocupou o cargo de diretor do Banco Central (BC) por quatro anos, durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. Antes das eleições de 2002, o então presidente da instituição, Arminio Fraga, perguntou para cada um de seus colegas se alguém toparia continuar em Brasília com o próximo governo. Figueiredo afirmou que seu ciclo estava fechado e preferia voltar para o setor privado. Os dois deixaram o BC e montaram a Gávea Investimentos. Em 2005, Figueiredo criou a própria empresa, a Mauá Capital, que hoje tem R$ 5,2 bilhões de ativos sob gestão. “Ninguém vai para o Banco Central pensando em ficar apenas um ano”, diz ele, que defende a independência da autoridade monetária e a permanência de Ilan Goldfajn num próximo governo, o que seria uma maneira de garantir a estabilidade da economia. Com relação ao crescimento do Produto Interno Bruto, Figueiredo é direto: sem as reformas e o ajuste fiscal necessários, a crise estará na mesa do próximo presidente da República. “O que estamos vendo, em termos de crescimento, é cíclico. Não estamos falando ainda de nada permanente”, afirma ele.

DINHEIRO – A recuperação da economia parece que está demorando para engrenar. O Brasil, de fato, voltou a crescer?

LUIZ FERNANDO FIGUEIREDO – Depois da mais longa recessão da história brasileira, veio um novo governo, que mudou a economia com uma agenda mais positiva, de ajustes e reformas. Isso foi capaz de virar o processo recessivo, porque o Brasil continuava numa tendência muito forte de queda. Mas isso acontece devagar, na margem. No fim do ano passado, o País voltou a crescer, a partir de um ponto bem baixo. Esse processo vem se espalhando para a economia. O País vai ter um crescimento este ano, que pode chegar a 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB). A inflação está baixa e pelo jeito vai continuar. Com isso, a taxa de juros vai permanecer num nível baixo durante bastante tempo. Então, a cara da economia é muito boa.

DINHEIRO – Mas as reformas, que foram prometidas, não aconteceram.

FIGUEIREDO – Sim, o que está acontecendo hoje parte de um pressuposto, que pode se mostrar verdadeiro ou não. A partir do próximo governo será endereçada a reforma da previdência e, com isso, esse imbróglio fiscal vai se reduzir bastante. Ou seja, a agenda de ajuste nas contas públicas, dessa situação fiscal tão ruim, vai ser uma enorme prioridade.

DINHEIRO – De novo, é algo que não está garantido.

FIGUEIREDO – Mas, no final, aquele que não atacar isso vai levar o Brasil de novo para a crise. É aquela história: as pessoas estão acreditando no bom senso, que pode não acontecer, é verdade. Tanto que, não importa o candidato, a agenda terá de atacar as reformas. Porque, se não atacar, vai ser uma agenda de crise que nenhum governo gosta, de direita, de esquerda ou de centro. Não importa. Nenhum candidato vai querer uma agenda de crise.

DINHEIRO – Um país em crescimento não criaria a ilusão de que está tudo bem e essa agenda acabaria esquecida?

FIGUEIREDO – Não tem como ficar de lado, realmente não tem. O que nós estamos vendo, em termos de crescimento, é cíclico. Não estamos falando ainda de nada permanente. A taxa de investimento ainda é baixíssima, perto de 15% do PIB. Ela precisa ir, no mínimo, para 20%. Está tudo positivo, mas a partir de um número muito baixo. Tem um processo cíclico nessa direção. Mas para que isso se sustente é preciso que essa agenda seja cumprida. É como uma mola, o País está descomprimindo um pouco aquilo que estava apertado.

DINHEIRO – Isso significa que não teria lugar para um candidato com outra proposta nesta eleição?

FIGUEIREDO – Todo mundo está querendo flertar com o centro. O risco de uma ruptura com tudo o que está acontecendo vem sendo reduzido. Como o ambiente interno está melhorando, provavelmente a população vai estar feliz na eleição. Essa melhora da economia, que vai ser de um ano, um ano e meio, será recente na vida das pessoas. Elas vão querer dar continuidade a isso. Não a continuidade desse governo, mas desta política econômica. Vir com uma agenda diferente dessa não é uma boa estratégia. Quem fizer isso, tem uma chance muito grande de não ser bem-sucedido. Quando as coisas estão piorando, a população quer mudança. Mas quando estão melhorando, as pessaos querem dar continuidade a essa vida.

DINHEIRO – Esta eleição será menos polarizada em comparação às anteriores?

FIGUEIREDO – Ainda está muito cedo e, agora, a chance de erro é gigantesca. Mas o maior risco de polarização foi bastante reduzido com a saída do Lula. Até o Bolsonaro, que dizia não entender de economia, está indo para um lado liberal. Pelo menos ele trouxe alguém para a equipe que é absolutamente liberal [o economista Paulo Guedes]. Quando o mercado olha para isso, sejam empresários ou investidores, todos dizem que um próximo presidente que fizer o razoável, ou seja, as reformas, vai fazer a economia deslanchar.

“A dinâmica da política e da economia reduz a chance de surgir um outsider. O Luciano Huck era um nome possível, mas agora a chance de ele concorrer é muito pequena”O apresentador Luciano Huck em um festival de empreendedorismo (Crédito:Eduardo Anizelli/Folhapress)

DINHEIRO – Para o sr., a chance de o Lula ser preso é grande?

FIGUEIREDO – No final, ele vai ser preso, mesmo. Agora, o PT veio com a história de acusar a Cármen Lúcia de ter comprado um imóvel, em 2015 [a presidente do Supremo Tribunal Federal foi acusada pela sigla de adquirir uma mansão do doleiro Fayed Traboulsi, envolvido no esquema de corrupção investigado pela Operação Lava Jato]. É uma coisa louca. Quando se intimida alguém, tem de ter uma confiança muito grande de que a pessoa se sentirá intimidada e vai baixar a bola. Quando se sabe que isso não vai acontecer, como é o caso, é uma estratégia de risco. O PT viu que não teve intimidação e continuou. Eles eram um partido megaimportante e vão se transformar em uma sigla nanica. Não é só uma questão de perder o presidente, mas de diminuir muito de tamanho no legislativo.

DINHEIRO – Existe chance para um outsider?

FIGUEIREDO – É sempre possível, mas é pouco provável. E está ficando menos provável. A dinâmica da política e da economia reduz a chance de surgir um outsider. O Luciano Huck era um nome possível, mas agora a chance de ele concorrer é
muito pequena.

DINHEIRO – A provável saída do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para concorrer à Presidência, pode atrapalhar a economia?

FIGUEIREDO – Vai depender de quem vai entrar e da equipe econômica que vai ficar no governo. As pessoas que têm sido faladas, o Guardia [Eduardo, secretário-executivo da Fazenda], o Mansueto [Almeida, secretário de acompanhamento fiscal da Fazenda] ou o Dyogo [Oliveira, ministro do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão], nenhum deles fará uma mudança importante na política econômica. Mas é difícil dizer, porque esse é um arranjo entre o pessoal de Brasília. Uma pessoa muito diferente do que está aí será outra história.

DINHEIRO – Qual é a importância da independência do Banco Central?

FIGUEIREDO – Primeiro, o trabalho do Banco Central está maravilhoso e creio que qualquer governo vai querer manter o Ilan [Goldfajn]. Segundo, a independência é muito importante. Chamaria ela de Lei de Responsabilidade Monetária. Existe muita falta de entendimento sobre a importância de ter um Banco Central independente. Muito disso porque durante muito tempo existiu a independência de fato. Então, falar dela não era uma prioridade. Mas um bom país é aquele em que ninguém sabe quem é o presidente do Banco Central. Em um ótimo país, ninguém precisa saber quem é ele porque o trabalho está direito e ninguém nota.

DINHEIRO – Além de um mandato fixo para o presidente, o Banco Central no Brasil deve ser como o Fed, o banco central americano, que cuida tanto da inflação como do crescimento da economia?

FIGUEIREDO – Isso é muito difícil e acho que não dá para ir nessa linha no Brasil. Pode até dizer que vai levar em consideração, sim, o crescimento do País, mas a meta é só a inflação. O Banco Central, na prática, já considera o crescimento. Quando ele acomoda a inflação, de uma certa maneira está acomodando a expansão. Só que isso vai até certo ponto. O problema é quando se coloca isso como obrigação. O Fed faz um megamalabarismo para conseguir. Pergunta para a turma do Fed se eles querem mudar isso? Responderiam que sim, porque, no final, eles estão olhando para uma coisa: a inflação.

“O trabalho do Banco Central
está maravilhoso e creio que qualquer governo vai querer manter o Ilan Goldfajn” – O presidente Ilan Goldfajn, do Banco Central, em reunião do Copom (Crédito:Marcelo Camargo/Agência Brasil)

DINHEIRO – Haverá mais uma redução da Taxa Selic, na reunião do Copom, que acontece nesta semana?

FIGUEIREDO – Se eu disser que sim, vou chover no molhado, porque já está no preço de todo o mercado. A questão é o outro encontro do Copom, o de maio. Aí creio que não acontecerá nova queda e a Selic ficará em 6,5%. A economia já está andando. O Banco Central quis parar de baixar os juros na última reunião, mas não conseguiu. A inflação surpreendeu muito para baixo, por isso é preciso reagir mesmo vendo a economia melhorando firme.

DINHEIRO – Por que a inflação não consegue se estabilizar?

FIGUEIREDO – Estamos na contramão do que vivemos lá atrás. A inércia sempre atrapalhou o Brasil, mas desta vez ela está ajudando. Como a recessão foi muito longa, a indexação está muito baixa e isso segura muito a inflação. Além disso, teve um choque, a nosso favor, dos alimentos, depois de muitos anos de elevações. Por exemplo, pela primeira vez as escolas particulares pensaram se valia a pena ou não aumentar o preço e perder alunos. A lei da oferta e da procura tem de funcionar, não é possível.

DINHEIRO – Todo esse cenário benéfico para o Brasil pode ser atrapalhado por uma crise global?

FIGUEIREDO – Há confusão em tudo o que é lugar. Olha o que está acontecendo nos Estados Unidos. O Donald Trump é um doido. Ele tem pouco mais de um ano de governo e as pessoas estão indo embora. A equipe ministerial do governo Temer, que é de transição, é mais estável do que a turma do Trump. Toda hora sai um por lá. O Brasil não está sozinho em suas crises.

DINHEIRO – Mas o risco não está aumentando? O encontro entre Trump e o norte-coreano Kim Jong-un pode serum fator para desestabilizar o mundo, não?

FIGUEIREDO – Isso é mais difícil de antecipar, porque podem ou não acontecer e você acaba muito mais reagindo a elas do que se precavendo. Mas o Brasil tem um ativo muito forte, que são as contas externas. Elas estão muito saudáveis. Para dar uma ideia: o investimento externo é de 4% do PIB e a conta corrente é um pouco superior a 1% do PIB. O País tem quatro vezes mais investimento anual do que serviços. Qualquer crise acaba sendo atenuada.

DINHEIRO – Mesmo com a possibilidade de uma guerra comercial, depois que os Estados Unidos decidiram aumentar a tarifa de importação do aço?

FIGUEIREDO – Lógico que é ruim. Mas atrapalha para todo mundo, não tenha dúvida. No final, o mundo inteiro vai crescer menos, inclusive o Brasil. É que o Brasil está, dada a situação atual das contas externas, em uma situação de baixa vulnerabilidade externa. Tem países que vão sofrer muito mais.