Os escritórios da Columbia Tecnologia, empresa que fornece equipamentos de fundição para a Petrobras e grandes siderúrgicas, estão praticamente vazios. Apenas três funcionários desafiam o silêncio na sede administrativa da companhia, instalada no condomínio empresarial Civit II, em Serra (ES), município da Grande Vitória. Desde segunda-feira 6, boa parte da equipe de cem profissionais da empresa está em casa, nos bairros do entorno da região, conhecida pela alta concentração industrial e por comunidades dominadas pelo tráfico de drogas.

A situação atípica não é um reflexo de uma greve ou de férias coletivas. Mas apenas um entre tantos exemplos do cenário de caos e insegurança que se instaurou no Espírito Santo. Um dos integrantes do trio que segue trabalhando na sede da Columbia, o diretor de desenvolvimento internacional Giuliano Martins Santos afirma que a operação está restrita a atendimentos de emergência. “Nossos profissionais mais especializados estão de sobreaviso para qualquer urgência”, diz.

Na quinta-feira 9, duas vans da companhia, escoltadas por uma empresa de segurança, buscaram um grupo de dez funcionários em suas respectivas casas para resolver um problema em equipamentos na ArcelorMittal. Concluído o serviço, eles foram novamente escoltados para as suas residências. “Está tendo toque de recolher em muitos lugares. O cenário é surreal”, diz Santos. Após uma queda de 40% na receita em 2016, a Columbia vinha enxergando uma recuperação. “Ainda não é possível contabilizar as perdas com essa situação. Vamos ter que juntar os cacos e avaliar.”

Ao que tudo indica, não vai ser fácil conter a onda de violência que se alastrou no Estado. Desde o sábado 4, quando 10 mil policiais militares cruzaram os braços exigindo reajuste salarial, o Espírito Santo virou terra de ninguém. Os bandidos tomaram as ruas e aproveitaram para saquear lojas, assaltar pessoas e praticar todo tipo de crime. Até a sexta-feira 10, 120 assassinatos já haviam sido contabilizados – mais de um homicídio por hora – e cerca de 200 carros roubados. Para piorar, a polícia civil ensaiou uma paralisação, na quarta-feira 8, e o governardor Paulo Hartung está licenciado, por motivos de saúde.

Na tentativa de restabelecer a ordem, o governo federal autorizou o envio de 1,7 mil soldados do exército e da Força Nacional. No cinquentenário porto de Tubarão, que escoa 13% do PIB do estado e é responsável pelo maior volume de minério embarcado do mundo, duas gigantes que exportam para mercados nos quatro cantos do planeta também tiveram que rever suas rotinas por conta desse caos. A ArcellorMittal afirmou em nota que flexibilizou os horários de trabalho das suas equipes que atuam em regime de turno. E que dispensou os que trabalham em horário administrativo até que a situação se normalize.

“A produção e a operação não foram afetadas até o momento”, escreveu a empresa. A Vale também comunicou que suas atividades não foram suspensas. No entanto, houve antecipação de entrada e saída de funcionários. O contexto de “praça de guerra” também afetou empresas locais. Instalada em Serra e um dos principais sites de venda de vinhos da América Latina, a Wine.com.br informou que os pedidos realizados a partir do domingo 5 sofreriam atrasos, em função da suspensão de suas operações de atendimento e de logística. Com apenas cinco funcionários, a Kokar, companhia de automação residencial de Vitória, adotou o home office.

“Como conseguimos resolver quase tudo remotamente, é mais seguro ficar em casa”, diz o fundador Giulliano Siviero. “A sensação nas ruas é de estado de sítio.” Mas a Kokar não ficou totalmente imune aos efeitos da crise. Sem acesso ao laboratório da empresa, Silvieiro ressalta que o desenvolvimento de aplicações da plataforma, crucial para o negócio, está sendo prejudicado. Sem a opção de recorrer ao trabalho remoto e totalmente expostos nas ruas, os comerciantes estão sentindo na pele, e no bolso, as consequências. Uma das principais varejistas de móveis, eletrodomésticos e eletrônicos do Espírito Santo, a Sipolatti é uma dessas empresas.

Seis das 38 lojas da rede foram arrombadas. “Houve casos de gente levando TVs e sendo assaltada por outras pessoas”, diz Cláudio Sipolatti, proprietário da companhia. Na tentativa de proteger seus pontos de venda, o empresário testemunhou a inflação dos serviços de segurança. A contratação de um profissional subiu do preço habitual de R$ 300 para R$ 1 mil na última semana. A Fecomércio/ES estima perdas de R$ 180 milhões em receita no varejo até quinta-feira 9. Com os saques e depredações, o prejuízo é de R$ 25 milhões. “Cerca de 95% do comércio local é de micros e pequenos empresários”, diz José Lino Sepulcri, presidente da Fecomércio/ES. “Muitos não têm como recomeçar.”

Para restabelecer a normalidade no Estado, o governo federal autorizou o envio de 1,7 mil soldados do exército e da Força Nacional
Para restabelecer a normalidade no Estado, o governo federal autorizou o envio de 1,7 mil soldados do exército e da Força Nacional (Crédito:Divulgação)

A Fecomércio/ES vai colocar à disposição um fundo de R$ 1 milhão, para reparos emergenciais nos pontos de venda. E tenta, junto ao governo do Estado, a oferta de uma linha de crédito com juros subsidiados para ajudar na recuperação desses empreendimentos. Dono da lanchonete e sorveteria Tud’s, de Vila Velha, Wilson Estefan é um dos empresários que já passa por dificuldades. Com a loja fechada desde segunda-feira 6, ele calcula um prejuízo de R$ 15 mil. Na sexta-feira 10, ele decidiu reabrir as portas. “Não tenho mais condições de esperar a situação acalmar”, afirma.

Os serviços de delivery da Tud’s, no entanto, estarão restritos, a princípio, aos bairros que contam com a presença ostensiva do exército. A crise também está colocando em xeque serviços essenciais. Segundo informações apuradas pela DINHEIRO, ainda não há falta de medicamentos. Mas consultas e cirurgias de menor urgência estão sendo adiadas. E a atividade em boa parte dos postos de saúde e hospitais públicos e particulares está restrita ao pronto-socorro. Com a dificuldade de locomoção e a insegurança generalizada, os horários de atendimento também foram reduzidos.

Na quinta-feira 9, para dar plantão em um hospital de Santa Leopoldina, a 50 km de Vitória, o médico Vinícius Nunes Azevedo teve que recorrer a uma ambulância, em vez de usar seu próprio carro. “É menos provável que os bandidos ataquem uma ambulância, pois, mesmo eles, podem precisar dela”, diz. Aos 36 anos, ele lida agora com os pedidos da mulher e da filha, que insistem para que ele fique em casa até que tudo volte ao normal. “A sensação é de insegurança e de impotência, mas além do compromisso ético da profissão, as contas continuam vencendo.”