Reconhecida tática para aumentar a arrecadação e diminuir despesas de forma rápida, a concessão de ativos de infraestrutura também seduziu o governo Jair Bolsonaro. Após inúmeros fracassos na tentativa de privatizar estatais, ele se rendeu a estratégia de Dilma Rousseff de passar à iniciativa privada aeroportos, rodovias, ferrovias e portos. Com uma diferença. Na gestão petista o valor da outorga era o principal foco. Agora, o ministro da Insfraestrutura, Tarcísio Freitas, deixou claro que o objetivo central é garantir os investimentos. E ele está certo. O plano é obter aportes na casa da R$ 260 bilhões até o fim de 2022 com a concessão de mais de 100 ativos.

A busca por investimento não é sem razão. Em 2020, segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o governo fez o menor repasse de recursos para transportes desde 2005. Foram cerca de R$ 8,3 bilhões, 4% menos que em 2019. Em 2021, o orçamento total do Ministério da Infraestrutura está estimado em R$ 7 bilhões segundo a Lei Orçamentária. Esse valor não é suficiente nem para realizar a manutenção dos ativos hoje sob responsabilidade do governo. Segundo o ministro Freitas, ainda que a outorga seja importante para sanar a dívida pública, o uso dela será outro. “Estudamos estratégias de usar a outorga como orçamento cruzado para destravar outras concessões”, disse. Com isso, a ideia é usar o recurso para viabilizar novos leilões. E passar para a frente ativos que o Estado não tem dinheiro, nem talento, para fazer a gestão.

TEMPORADA DE LEILÕES Aeroporto de Congonhas (SP) também vai sair das mãos da Infraero e ser leiloado. (Crédito:Suamy Beydoun)

Com o ambicioso projeto da “maratona de concessões”, como definiu Freitas, o governo tenta afastar o fiasco das privatizações que não saíram do papel e coloca o chefe da Pasta de infraestrutura como protagonista também na geração de emprego. “Essa é uma forma eficiente de gerar investimentos e empregos de modo acelerado para ajudar na retomada econômica”, afirmou. Para ele, o Brasil ainda possui projetos de forte apelo para o mercado, o que garantirá o bom andamento das concessões previstas para os próximos 20 meses. “Temos recebidos sinais bastante positivos de empresários e investidores de dentro e fora do País.”

IMAGEM EXTERNA RUIM Flávio Andrade Costa, advogado que participou do Lide e hoje atua nos Estados Unidos na intermediação entre empresas estrangeiras interessadas em investir no Brasil diz que o País perdeu uma oportunidade de ouro de trazer capital externo para essas concessões. “Com real desvalorizado e o juros sob controle, era o momento ideal para os fundos de investimentos e empresas estrangeiras.” Com a abundância global de crédito isso não deveria ter acontecido. O motivo da aversão, ou da repulssa, tem resposta – a imagem que o País tem no exterior – e tem nome – Ricardo Salles. “Esse é o pior problema. O ministro Salles e a questão ambiental são travas para o investimento de estrangeiros”, disse. Um dinheiro que costuma vir de fundos cada vez mais comprometidos com as políticas ESG (ambiental, social e de governança).

Alguns números ilustram esse contexto. Segundo dados divulgados na segunda-feira, o saldo dos investimentos estrangeiros na B3, em março, ficou negativo em R$ 4,61 bilhões. No período, esses investidores retiraram R$ 1,26 bilhão de recursos no segmento secundário da bolsa de valores brasileira. “Vender o Brasil hoje é muito difícil”, disse Costa.

MARTELO BATIDO Volta da rodada de concessões abre espaço para retomada de obras ferroviárias paradas. (Crédito:Suamy Beydoun)

PRIMEIRA RODADA A temporada de leilões de concessões começou na quarta-feira (7), quando a Companhia de Participações em Concessões do grupo CCR arrematou dois dos três lotes leiloados, os da região Sul e Central. A francesa Vinci, que administra o aeroporto Charles De Gaulle, em Paris, ficou com aeroportos da região Norte. Segundo o ministro, o plano é tirar todos os terminais das mãos da Infraero até o final do próximo ano, inclusive Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ), que devem ser levados à iniciativa privada ainda este ano.

Carlos Caim, engenheiro civil e ex-secretário de concessões do Ministério da Infraestrutura durante as gestões Dilma e Michel Temer, avalia que os valores mínimos para entrada no leilão ficaram muito abaixo do estimado pelo mercado para os ativos, o que explica o ágio desproporcional em alguns deles. No caso da CCR a companhia ofereceu R$ 2,1 bilhões pelo Bloco Sul, mas o pedido inicial do governo era de R$ 128 milhões (o que rendeu um ágio de 1,534,6%). O bloco Sul era composto por nove aeroportos na região Sul do país, incluindo os de Curitiba e Foz do Iguaçu, ambos no Paraná. No bloco Central, também arrematado pela CCR, o ágio ultrapassou 9.100%. Na quinta (8) e na sexta (9), o governo federal leiloaria ainda a Fiol (Ferrovia de Integração Oeste Leste) e cinco terminais portuários. “O valor inicial não condiz com o potencial dos terminais envolvidos”, disse Caim. Mas falar em valores mínimos num País que não tem dinheiro para fazer o Orçamento se realizar parece fora de contexto. Segundo Tarcísio Freitas, o plano é leiloar 50 projetos ainda neste ano.

ENTREVISTA: Tarcísio Freitas

Dida Sampaio

Ministro da Infraestrutura promete uma maratona de concessões até o final do ano que vem e garante que fará uma reestruturação nos portos.

Ao término desse ciclo de concessão qual investimento é esperado para o setor?
Tarcísio Freitas – Nós devemos chegar ao fim do ano que vem com R$ 260 bilhões de investimentos contratados. Para se ter uma ideia, foram R$ 10 bilhões em investimentos apenas com o leilão de hoje [7 de abril] isso é mais do que orçamento para a pasta no ano de 2021.

Muito se fala em concessão de aeroportos, ferrovias, portos e rodovias. O governo tem planos de levar hidrovias à iniciativa privada?
A questão das hidrovias é única porque não há projetos similares de concessão no mundo. Não temos referência ainda, mas estamos avaliando se há viabilidade técnica para fazer concessões.

Porque o senhor acha que conseguirá mexer nas concessões portuárias? Outros governos antes do seu tentaram, mas sem sucesso.
O que faremos será a primeira estruturação de desestatização portuária do Brasil e ela se dará por meio de espaços menores, não em uma concessão total. Esse é o nosso diferencial, o que queremos agora é ter noção dos desafios e então restruturar os terminais de Santos, que devem acontece em 2022.

Um dos maiores erros dos governos passados foi realizar estudos de viabilidade que não condiziam com a realidade. Vocês ajustaram esses pontos?
Sim. Todo o processo foi revisto e adaptado para a realidade do país para que os investidores tenham um desenho claro do que está levando e evitar problemas como as devoluções que aconteceram em 2016.

Por que realizar os leilões em um momento tão delicado da pandemia no Brasil?
Nosso plano é capturar o excesso de liquidez dos investidores. Temos portfólio e muitos projetos à disposição do mercado. Ainda há muito interesse no Brasil.