Para quem olha o Estado brasileiro – em geral ineficiente, injusto, desigual, caro e fora de época – é difícil entender seus exemplos de excelência. O Serpro escolheu o lado da história em que quer estar. Criado em 1964 para atuar na então incipiente indústria da informática, por muito tempo ele se restringia a ser uma endoempresa. No poder público existia. E do poder público dependia. O momento agora é outro. O de abrir as portas e olhar para o mundo. O faturamento de R$ 3,4 bilhões, com lucro líquido de R$ 487 milhões, teve contribuição de 12% dos chamados clientes não dependentes do Orçamento Geral da União (OGU). Marcas como Cielo, PagSeguro, Toyota e Uber. Em 2017 esse porcentual estava em 7,8%. No acumulado de janeiro a agosto deste ano, mais um salto: o dinheiro vindo de clientes não OGU encostou nos 14%. Para seu diretor-presidente, Gileno Gurjão Barreto, esse é o caminho. O único, aliás.

A existência de estatais é prevista no artigo 173 da Constituição – “a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo”. Vago o suficiente para o Brasil ter 194 estatais (46 do controle direto e 148 subsidiárias) com seus 467 mil empregos. É pouco provável defender de forma racional que o Serpro embuta um imperativo de segurança nacional ou de interesse da sociedade brasileira. Mas se ficar preso a isso Barreto não transformará a empresa, como pretende. “Existe um objetivo para uma estatal existir, que é interferir no mercado. Não para ser monopolista”, afirmou. “E eventualmente, depois, até sair dele.” A decisão de continuar a ser uma empresa pública não está na mesa. Mas quando estiver dependerá de o Serpro ser uma organização de ponta. Provavelmente o primeiro passo foi dado nos anos 90, quando a Receita Federal, para administrar uma fome tributária ascendente, precisou instrumentalizar fortemente a estatal. “Ali o Serpro deu um salto”, afirmou Barreto. “Tanto que o Brasil se tornou estado da arte em uso intensivo de tecnologia da informação na administração tributária.”

Isso fez da companhia uma especialista em sistemas estruturantes de governo, em administração tributária, e o escopo foi sendo ampliado. Ini-cialmente para outras áreas e serviços do governo – notas fiscais eletrônicas, emissão de passaporte, sistemas de segurança pública, incluindo o case atual de carteira de habilitação no celular, pagamento de multa também pelo celular, e em breve a transferência do veículo por assinatura eletrônica, sem passar por cartório.

Gileno Gurjão Barreto empresa: Serpro cargo: diretor-presidente principal realização da gestão: direcionar a cultura do serpro para soluções junto ao mundo privado e reduzir o share de receita vindo do setor público.

O novo passo está em serviços oferecidos por qualquer gigante de tecnologia. E aí entram dois diferenciais. O primeiro por se tratar de uma empresa verticalizada nas soluções de toda a cadeia da tecnologia da inovação. “Para o mercado, esse cardápio vertical nos transforma no chamado one stop shop”, afirmou Barreto. O segundo, e talvez ainda mais decisivo, seja o acesso a dados das bases governamentais. Tudo sob as determinações da LGPD. “O Serpro tem dados”, afirmou, numa referência ao chamado Novo Petróleo. “E passou a atuar para seus clientes como SaaS (Software as a Service).”

“O Serpro passou a atuar como um agente, talvez o principal do governo, de inovação e de transformação digital” Gileno Gurjão Barreto, diretor-presidente do Serpro.

Uma mudança externa que exige um time interno afiado. São 6,5 mil funcionários. Barreto diz que o Serpro sempre foi muito resiliente e que a estatal tem forte cultura de inovação. E cita investimentos em treinamento e capacitação comparáveis às melhores práticas do mundo privado. “Investimos muito para consolidar uma cultura de mercado e menos de repartição.”

Barreto assumiu a companhia no começo do segundo semestre, no lugar de Caio Andrade – que foi para a secretaria especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital. No primeiro semestre, quando atuava como diretor jurídico do Serpro, teve seu nome envolvido numa licitação de R$ 12,3 milhões vencida pela PwC e questionada pelo TCU. Barreto trabalhou por quase 20 anos na PwC. “Tivemos uma emergência: o Serpro enviou declarações erradas sobre a Balança Comercial. Para auditar e melhorar os processos, e impedir que o erro se repetisse, fomos atrás de solução e se apresentaram três empresas. A PwC venceu pela proposta melhor”, afirmou. O contrato foi barrado. “Em minha sustentação oral no TCU eu disse que prefiro ser julgado por um contrato assinado, não só por mim, em que tentei solucionar o problema do que ser julgado quando esse problema reaparecer.”

Agruras do mundo político de uma estatal. Barreto foca agora no que entende ser o maior projeto do Serpro. A identidade digital. Fazer com o que ele chama que cada brasileiro tenha uma única interface com o governo. Espécie de marketplace do cidadão. “Hoje, o gov,br já tem 50 milhões de cadastrados e 4 mil serviços”, afirmou. Ele espera ter 100 milhões em até um ano. E todo o País nos próximos quatro anos. “Quando você faz a transformação digital, você deixa um legado. Pode mudar governo que aquilo não volta atrás.”

As melhores

1. SERPRO 457,98 PONTOS

2. TIVIT 414,38 PONTOS

3. DATAPREV 411,13 PONTOS