“Eu não sou um nativo digital. Sou um naturalizado digital”.

Essa curiosa provocação foi feita, em tom bem-humorado e instigante, em um painel do qual eu também participava, por Francisco Perez, diretor de Novos Negócios do Banco Alfa, além de responsável pelo Alfa Collab.

O Alfa Collab é uma corporate venture estruturada pelo Banco, com o objetivo de enfrentar os desafios de inovação e gerar oportunidades em negócios, um mecanismo extramuros baseado nos conceitos de open innovation e de venture capital.

Essa iniciativa faz parte de uma tendência recente de várias empresas já muito bem estabelecidas, como Solví Essencis Ambiental, ArcelorMittal, BASF, Simpress, Randon, além do Laboratório Sabin em parceria com a DASA. Todas essas organizações se estruturaram de forma diferente, criando hubs de inovação e corporate venture, visando conviver de forma mais eficaz com o dinâmico mundo das startups e suas soluções disruptivas.

A intensa convivência entre esses dois mundos, das empresas tradicionais com as startups, traz à luz uma série de aspectos importantes que influencia não apenas o modelo de gestão, mas também o posicionamento dos profissionais, impactando de forma contundente o papel dos líderes em ambos os mundos.

Esse movimento me fez pensar, por alguns instantes, em propor “Empresas tradicionais são de Marte e startups são de Vênus”, como título do texto que você está lendo. Afinal, muitas vezes, essas entidades parecem ser de planetas bem diferentes. Mas John Gray, o autor do best-seller “Homens são de Marte e Mulheres são de Vênus”, da década de 90, poderia não gostar do humor no trocadilho.

Um aspecto desse convívio que apresenta boa oportunidade de reflexão para os líderes é a diversidade, tema bastante discutido na atualidade. Assim como o tema da inclusão, ambos são na realidade mais debatidos e apresentados como peça de marketing para a plateia do que praticado de fato.

Não me refiro apenas à diversidade de raça, religião ou sexo. Sem dúvidas, todas são importantes para desengessar as empresas. Porém, trago à tona outro tipo de

diversidade, também muito importante para o sucesso das empresas de todos os portes e segmentos. Trata-se da diversidade de ideias, capaz de abrir neurônios e corações das pessoas na busca de saberes, percepções, inteligências e experiências, bem como soluções oxigenadas e, muitas vezes, complementares ao habitual.

O querido Ozires Silva, fundador da Embraer, uma startup que provou ser vitoriosa, continua tendo, do alto dos seus 90 anos bem vividos, a mentalidade de um serial entrepreneur. Com ele, aprendi que uma das competências do líder eficaz é a de “juntar o injuntável”. Ou seja, buscar convergência em situações aparentemente desconexas. As grandes invenções na história da humanidade têm a assinatura de pessoas com essa capacidade de construir “pontes” entre ideias, fatos e indivíduos.

A convivência mais recente entre o mundo das empresas já estabelecidas e o das startups oferece uma oportunidade única de juntar dois mundos, o dos nativos digitais e o dos naturalizados digitais, extraindo o melhor nessa química improvável, construindo a curva dos máximos, como nos ensina Francisco Perez.

Pessoalmente, também tenho tido essa incrível oportunidade de aprendizado nos diversos papéis que desempenho. De um lado como consultor de inúmeras empresas bem estabelecidas na lista das maiores do País. E de outro como membro do grupo de 150 executivos associados do BR Angels, que seleciona e faz aportes em startups de diversos segmentos, e como integrante do conselho consultivo da Smartie Environmental Solutions, o hub do Grupo Solví.

Por meio dessas atuações, observo um considerável capital humano desperdiçado por algumas empresas. Uma alternativa eficaz pode estar na construção de corporate ventures, um antídoto contra a obsolescência e a favor da inovação. Trata-se de um espaço necessário que pode juntar os mais experientes da turma dos 50+ com os nativos digitais e assim criar relevante capital de ideias e experiências, por meio do que poderíamos chamar de “Diversidade Etária”.

Afinal, sabedoria não se aposenta e sabemos que muitos profissionais bem-sucedidos buscam significado para a nova etapa das suas vidas, como bem ilustra o exemplo inspirador do doutor Aloysio Faria, fundador do Conglomerado Alfa, que, aos 99 anos, fez do Alfa Collab um dos seus últimos projetos aprovados em vida. O comandante Ozires Silva e o doutor Aloysio Faria são fontes de grandes lições para todos nós, tanto líderes de empresas tradicionais como empreendedores de startups.

Pouco importa a idade ou se você é um nativo ou naturalizado digital. O realmente importante é juntar o aparentemente “injuntável” para ser o líder que o momento exige.

  • César Souza é cofundador e presidente do Grupo Empreenda, consultor e palestrante em Estratégia, Liderança, Clientividade e Inovação. Autor de “Seja o Líder que o Momento Exige” (Best Business, 2019) é também coautor do recém-lançado “Descubra o Craque que Há em Você” (Buzz, 2020)