A história do maior retorno de capital de 2018 – até o momento – começou com um investimento feito em 2001. Foi naquele ano que o fundo sul-africano de investimentos Naspers injetou US$ 32 milhões na operação da então startup chinesa Tencent, comandada por Ma Huateng. Em troca, recebeu 46,5% das ações do negócio. Dezessete anos depois e ainda com 33% de participação na empresa, a Naspers faturou US$ 9,8 bilhões ao liquidar, em março deste ano, uma fatia de 2% dos ativos da Tencent, na época avaliada em US$ 493 bilhões. Ainda que se tratasse de uma parcela pequena, a venda de ativos da Tencent, dona do WeChat, o WhatsApp chinês, surpreendeu o mercado, tanto que as ações da desenvolvedora chinesa despencaram 7,8% no mesmo dia.

A transação representa a grande vitória do fundo de investimentos comandado pelo CEO Bob van Dijk. “A Tencent tem servido a nós e aos nossos acionistas muito bem”, afirmou, na época, o executivo em entrevista ao site sul-africano Fin24. Agora, os holofotes se viram para Dijk, que vai tentar encontrar uma nova galinha dos ovos de ouro. A atenção pode se transformar em um incômodo para a Naspers, tão conhecida pelo perfil avesso às luzes como pela agressividade nos investimentos.

Tacada certeira: o último aporte da Naspers na Movile, de Fabricio Bloisi, foi de US$ 82 milhões (Crédito:Claudio Gatti / Ag. Istoé)

Com valor de mercado de US$ 107,8 bilhões, o fundo sul-africano participou de 68 rodadas de investimento em mais de 50 empresas diferentes e controla a operacão de 16 startups, de acordo com dados do site americano TechCrunch. São aquisições como o e-commerce russo Avito.ru, em 2015, por US$ 1,2 bilhão, ou a compra do site de leilões britânico Tradus, em 2008, por £ 946 milhões (US$ 1,9 bilhão na cotação da época). No mercado americano, uma das mais famosas é a Udemy, uma espécie de Uber dos cursos online, que recebeu US$ 60 milhões em 2016. Em nota, a startup destacou que “a Naspers traz uma visão de longo prazo e uma abordagem global ao negócio”. Tudo indica que não se trata de discurso de marketing, já que a Naspers saiu de apenas 13 investimentos desde 2001. “É realmente incomum eles desinvestirem”, afirma o fundador de uma das empresas que recebeu investimento da Naspers e pediu para não ser identificado.

No caso da venda da fatia da Tencent, a razão seria a necessidade de turbinar as apostas. “Vimos a oportunidade de crescer em outros segmentos e queríamos liberar algum capital para isso”, disse Dijk. A considerar o histórico da empresa, grande parte deve ir para os países emergentes, inclusive o Brasil. Um exemplo é o marketplace OLX, que foi adquirido pela Naspers em 2010 por valor não divulgado. Atualmente, as ações do e-commerce são divididas entre o fundo sul-africano e o conglomerado de mídia norueguês Schibsted. Outro aporte em solo brasileiro, esse de US$ 422 milhões, foi feito para comprar uma participação minoritária no grupo de comunicação Abril S.A.

Rindo à toa: principal aposta da Naspers, a Tencent, de Ma Huateng, tem valor de mercado de US$ 483 bilhões (Crédito:VCG/VCG via Getty Images)

A principal aposta no Brasil é a Movile, empresa que é dona dos aplicativos iFood, PlayKids, Maplink, entre outros. A companhia, fundada em 1998 pelo baiano Fabricio Bloisi, já recebeu oito injeções de capital que somam US$ 271 milhões. A última rodada de captação, feita em dezembro do ano passado, movimentou US$ 82 milhões. Além da Naspers, que participou de sete aportes, o fundo brasileiro Innova, que tem entre seus cotistas o bilionário brasileiro Jorge Paulo Lemann, também injetou dinheiro na operação. “A Naspers não investe em startups que não têm um modelo de negócios rodando”, afirmou Paulo Curio, diretor de negócios da Movile, em entrevista para DINHEIRO, em agosto do ano passado. “Ela busca um modelo que já rendeu algo e que tem potencial de escala muito grande.” Esse cuidado contrabalança o risco inerente de investir em um mercado emergente. “Eles investem quando a empresa já está em fase de crescimento”, diz Cláudio Carvajal, coordenador do curso de gestão de Tecnologia da Informação da Faculdade de Informática e Administração Paulista (FIAP). “Mas não é todo dia que nasce uma Tencent.”

A estratégia, de fato, nem sempre deu frutos para a Naspers. Em 2009, por exemplo, o fundo sul-africano pagou US$ 342 milhões pelo site de comparação de preços Buscapé. Sem conseguir resultados expressivos, a empresa chegou a ser colocada à venda, em 2015, por US$ 300 milhões. Até hoje não surgiram empresas dispostas a pagarem este valor. Nesse caso, o site foi vítima do próprio dinamismo do setor. “O maior problema foi a evolução da tecnologia de comparação de preços”, diz Marcelo Nakagawa, responsável pela área de pesquisa da Naspers em 2007 e hoje professor de empreendedorismo no Insper. “Atualmente, existem muitas plataformas que fazem isso.” Responsável pela operação da companhia desde 2016, o empresário Sandoval Martins sabe disso. “O Buscapé parou no tempo”, disse ele, em entrevista à DINHEIRO, em março do ano passado, quando a companhia se prepara para se tornar um marketplace.

Entre erros e acertos, como o que deu fôlego para que a Tencent se tornasse uma das maiores empresas da China, é natural que as atenções aumentem cada vez mais em torno da Naspers. O grupo raramente comenta investimentos ou autoriza executivos de empresas que comanda a falarem. “Nosso perfil e cultura tendem a ser mais reservados” , diz Denis Pedreira, diretor de investimentos para América Latina da Naspers. Djik, Pedreira e os outros executivos devem se preparar, pois tudo indica que a intensidade das luzes na direção deles deve aumentar.