Durante cinco dias em janeiro, Las Vegas deixa de ser conhecida apenas como a capital mundial dos cassinos. Não se engane. A cidade construída no meio do deserto de Nevada, nos Estados Unidos, segue recebendo milhares de visitantes. Dessa vez, porém, os turistas não estão apenas interessados nas mesas de jogos, nas máquinas caça-níquel ou no conforto dos hotéis. As atenções se voltam também para o Las Vegas Convention Center, um dos maiores salões de exposições do mundo com 220 mil metros quadrados e que pode receber mais de 220 mil pessoas. É lá que ocorre a Consumer Electronics Show (CES), a maior feira de tecnologia do mundo e que dita os rumos que o mercado de bits e bytes vai tomar.

Em 2018 não foi diferente. Bastava entrar no trem que circula pelos principais hotéis da cidade com destino ao centro de convenções para sentir o clima. No veículo, propagandas imensas do Google anunciando novidades em seu assistente virtual, o Assistant. A própria locução que informava as estações quase que implorava para que os usuários usassem o recurso. Era uma clara tentativa de fazer vingar seu sistema contra a Alexa, da Amazon. Até agora, o gigante das buscas está atrás nessa batalha. Em setembro do ano passado, a Alexa estava presente em 76% dos alto-falantes inteligentes nos Estados Unidos. A secretária robô do Google, por sua vez, equipava apenas 24% dos dispositivos, de acordo com dados da Consumer Intelligence Research Partners. “O Google mostrou que quer se posicionar como alternativa à Alexa”, afirma Brian Blau, vice-presidente de pesquisas da consultoria Gartner. “Eles ficarão ainda mais agressivos”.

Durante a CES deste ano, o Google mostrou suas garras para desafiar o dispositivo de Jeff Bezos, da Amazon. No evento, a gigante de buscas anunciou uma série de parcerias, como a com a fabricante de eletrônicos chinesa Hisense, que vai usar o assistente nos novos televisores da marca, previstos para chegarem ao mercado em 2018. A compatriota Lenovo vai também incorporá-la em caixas de som inteligentes. Sony, LG e JBL devem seguir o mesmo caminho. Nos carros, o Android Auto, sistema de entretenimento do Google disponível para mais de 50 veículos de empresas como Ford, General Motors, Audi, Nissan, entre outras, vai passar a receber comandos de voz mais avançados, permitindo que o assistente de voz realize buscas na agenda de compromissos do usuário e anote lembretes.

Olha o trem: O Google invadiu Las Vegas com publicidade para promover o seu Assistant, que concorre com a Alexa, da Amazon. Scott Huffman (à direita) anunciou parcerias com diversos fabricantes (Crédito:Christoph Dernbach/Dpa e AFP Photo / Mandel Ngan)

Na CES, depois da viagem de trem, era preciso passar pelo forte esquema de segurança que foi montado pela organização do evento. A preocupação faz sentido. Em outubro do ano passado, um tiroteio deixou 59 mortos e mais de 500 feridos em Las Vegas. Vencida essa etapa, o visitante precisava optar por quais dos prédios deseja começar sua “viagem ao futuro”. Se optasse pelo edifício norte, daria de cara com centenas de empresas do segmento automobilístico. As grandes montadoras pareciam ter combinado que focariam em carros autônomos. A japonesa Nissan, comandada pelo brasileiro Carlos Ghosn, está trabalhando em conjunto com a Microsoft e com a agência espacial americana Nasa para lançar seu veículo sem motorista nos próximos três anos.

A ideia é usar as ferramentas de controle remoto das sondas utilizadas pela Nasa em Marte nos próprios veículos da marca. Os testes começam já neste ano no Japão. Para ajudar nesse plano, a companhia criou um fundo para investir US$ 200 milhões em startups voltadas para o desenvolvimento de sistemas autônomos, inteligência artificial e carros elétricos. “O fundo de investimentos tem a ver com nosso plano firmado em 2017”, disse Ghosn.

Sem as mãos e sem motorista: A Ford, de Jim Farley, desenvolveu tecnologia que permite que os veículos se comuniquem entre si (Crédito:Ethan Miller/Getty Images/AFP)

A Ford anunciou que está trabalhando em conjunto com a fabricante de processadores americana Qualcomm em tecnologias que permitam que os veículos se comuniquem uns com os outros e também com as estruturas das cidades, como placas de trânsito e semáforos. Como toda a comunicação seria feita por nuvem, a fabricante de automóveis dos Estados Unidos vê com bons olhos e ansiedade a chegada da tecnologia 5G, que pode atingir velocidades que variam de 1 Gbps até 20 Gbps – ela vai fazer o 4G parecer da época da internet discada.

A Qualcomm, aliás, não espera pelo novo padrão de internet móvel de braços cruzados. De acordo com Sherif Hanna, diretor de marketing de produtos da companhia americana, países como Estados Unidos, Alemanha, Coreia do Sul, Japão e Austrália já poderão contar com o 5G em 2019, contrariando as previsões iniciais que apostavam que a tecnologia estaria disponível somente no começo da próxima década. A ideia é fornecer processadores para smartphones capazes de lidar com essa rede já no começo do ano que vem. O anúncio vem somente uma semana depois de a operadora americana AT&T Mobile anunciar que vai testar o 5G até o fim do ano. Para isso, terá o apoio da Intel, que também esteve presente no evento com uma cabine de demonstração que exibia como as conexões do futuro trariam o conceito de cidades conectadas mais próximo da realidade. Na semana passada, a Intel forneceu processadores para celulares para um teste do 5G em Bellevue, pequena cidade de Washington, nos Estados Unidos.

Na velocidade da luz: estande da Intel apostou painel imersivo que demonstrava a tecnologia 5gº (Crédito:David Becker/Getty Images/AFP)

Mas não só os assistentes virtuais, carros autônomos e tecnologia 5G foram destaques da CES 2018. O evento protagonizou uma disputa particular entre as coreanas LG e Samsung na área de televisores. No caso da LG, a empresa talvez mereça o prêmio de stand mais divertido do evento. A fabricante montou um grande túnel formado por telas 4K que exibiam as mais diversas paisagens. A companhia, que já havia apresentado no início da semana passada o televisor de 88 polegadas com resolução 8K, aproveitou para mostrar o que pode ser a tevê portátil do futuro. Trata-se de um aparelho de 66 polegadas cuja a tela pode ser enrolada como se fosse uma cartolina. A Samsung, por sua vez, apostou na primeira televisão modular do mundo, a The Wall.

Composta por um painel televisivo de 146 polegadas, ela pode ser dividida digitalmente em diversas telas sem que isso afete a qualidade da imagem exibida. É importante lembrar que esses modelos são apenas conceitos e não têm data para chegarem ao mercado. Seria tão difícil apontar um único destaque individual para a CES quanto acertar em cheio em qualquer máquina de caça-níquel da cidade. Mais do que uma feira de tecnologia, a CES talvez seja também um evento de apostas. Só o tempo dirá qual empresa tem a melhor bola de cristal para acertar quais tecnologias vão vingar no futuro.