Quem não vê, há pelo menos quatro anos, o empresário Fernando Grecco, de 42 anos, provavelmente não o reconheceria facilmente se o encontrasse nas ruas. Com 20 quilos acima de seu peso e sem o terno e a gravata, que costumava usar no passado, ele agora se veste informalmente. Usa uma camisa de manga comprida e calça jeans em vez do terno alinhado. No lugar de sapato, tênis. O que não se alterou é sua revolta. Desde o dia 16 de outubro de 2007, a vida de Grecco sofreu uma transformação radical. Ele ficou preso por 45 dias, ao lado de 40 pessoas, colhido pela Operação Persona, deflagrada pela Polícia e pela Receita Federal. O objetivo da ação era desmantelar um suposto esquema fraudulento de importações realizado pela distribuidora de produtos de tecnologia da informação Mude, da qual Grecco era sócio, que teria beneficiado a americana Cisco Systems, fabricante de produtos de rede. 

125.jpg
Fechando as portas: Grecco no escritório de 40 metros quadrados da Mude, em São Paulo, que só receberá correspondências

 Na época, estimava-se que a sonegação chegasse a R$ 1,5 bilhão. Hoje, a conta é bem mais alta: R$ 5 bilhões. Esse é o valor que a Receita Federal está cobrando da Mude, de acordo com Grecco. “A multa é impagável”, disse ele à DINHEIRO. Não bastasse a multa, Grecco foi também condenado, em abril deste ano, pela 4ª Vara Criminal Federal de São Paulo, em conjunto com cinco outros acusados, a cinco anos e dois meses de prisão por crimes de formação de quadrilha, contrabando e descaminho (contra a ordem tributária), mas foi absolvido da acusação de uso de documento falso. Ele recorreu da sentença e, até o julgamento final, o processo deve se arrastar por mais oito anos, segundo estimativas do advogado criminalista Antonio Ruiz Filho, que defende Grecco. “Não somos bandidos”, disse Grecco à DINHEIRO. “A Operação Persona é um absurdo.”  

 128.jpg

 

 

Carlos Carnevali, ex-presidente da Cisco, e que foi acusado de ser sócio oculto da Mude, foi absolvido. O Ministério Público Federal (MPF) também recorreu da sentença. De forma resumida, a Mude foi acusada de criar um esquema de importação fraudulento de produtos da Cisco, a partir de empresas de fachada, com o objetivo de ocultar o verdadeiro importador. Com isso, a distribuidora não pagava o Imposto Sobre Produto Industrializado (IPI) e se beneficiava de benefícios fiscais oferecidos por alguns Estados brasileiros. A tese da defesa se baseia em que o esquema de importação da Mude era legal. Mais: alega que os intermediários do processo eram empresas idôneas, com autorização da própria Receita Federal para fazer as importações e pagavam todos os impostos. “Pedimos para que o juiz nomeasse um auditor independente para checar nossa contabilidade, mas ele negou”, diz Grecco.

 

Outro ponto de apoio da defesa da Mude é a questão da importação. Segundo Grecco, a distribuidora, desde que foi criada em 2002, nunca importou qualquer tipo de produto. “O nosso principal objetivo era desenvolver o mercado”, afirma Grecco. “Não queríamos nos envolver com importação e logística.” Na visão do MPF, a Mude criou um esquema que ocultava o destinatário final, a própria Mude, sonegando impostos e subfaturando produtos. Tudo isso, dava a ela e à Cisco uma vantagem de preços sobre os seus concorrentes. “Os executivos da Cisco ainda estão sob investigação”, diz uma fonte do MPF. Após a operação Persona, a Mude tentou se reorganizar para voltar ao mercado. A missão de tocar a empresa coube a Marcelo Ikeda, 40 anos, que, na época, era diretor comercial e também ficou 45 dias preso com Grecco. Voltar ao mercado não foi tarefa simples. Das 15 empresas com as quais a Mude tinha acordo de distribuição, apenas duas não romperam contrato. 

 

127.jpg

Carlos Carnevali: o ex-presidente da Cisco, acusado de ser sócio oculto da distribuidora Mude, foi absolvido  

 

A Cisco, por exemplo, encerrou o acordo através de uma carta, logo após a operação. “Apesar das dificuldades, estávamos conseguindo manter a companhia e até crescer”, afirmou Ikeda à DINHEIRO. Em 2008, a Mude faturou R$ 20 milhões. Em 2009, a receita dobrou. Mas, em 2010, um novo golpe praticamente decretou o fim do distribuidor: uma cautelar fiscal bloqueou os recursos da Mude. “Conseguimos nos manter até fevereiro deste ano, mas começamos a atrasar os pagamentos”, diz Ikeda. “Ficou impossível manter os contratos de distribuição.” A Mude resume-se atualmente a uma sala comercial de 40 metros quadrados, com espaço para quatro mesas, em um prédio comercial localizado no bairro de Campo Limpo, em São Paulo. Nos tempos áureos, a empresa chegou a ocupar um espaço de 1,2 mil metros quadrados, empregou 200 funcionários e faturou R$ 750 milhões, como em 2007, ano da operação Persona. Nos próximos dias, restará apenas um funcionário, que receberá cartas e intimações da Justiça ou autuações da Receita Federal. 

 

Ikeda deixará a companhia e não sabe ainda o que vai fazer. “Só vou pensar nisso no final do ano.” Grecco, por sua vez, já está afastado da operação desde 2008. Ele agora se dedica à carreira de produtor musical. Criou uma gravadora e já agencia shows. “Resolvi fazer o que sempre gostei”, afirma o empresário. No período em que passou na prisão, Grecco levou seu violão e livros do escritor italiano Umberto Eco. Leu o romance Baudolino. Procurada para esta reportagem, a Cisco se manifestou por meio de uma nota. “A Operação Persona é um caso de 2007 envolvendo as importações da Mude, um ex-distribuidor de produtos da Cisco, que possui uma gestão independente e não é, e nunca foi, parte da Cisco Brasil”. No texto, a fabricante diz ainda que “não tinha qualquer conhecimento e tampouco se beneficiou das ações alegadas no caso.”

 

 

______________________________________________________________________________________________________________

Entrevista:

 

“A multa é impagável” 

 

Confira os principais trechos de entrevista exclusiva que Fernando Grecco, sócio da Mude, concedeu à DINHEIRO:

 

126.jpg

 

Depois de quatro anos, por que só agora o sr. resolveu falar? 

Sempre quis falar, pois achava e ainda acho um absurdo o que está acontecendo. Mas os advogados acharam melhor não se pronunciar. Estávamos aguardando a sentença em primeira instância.

 

A Mude não fazia importações de forma ilegal nem sonegava impostos?

Primeiro: a Mude, que nunca importara nada, até 2007, está sendo equiparada à importadora. Além disso, a empresa foi multada em R$ 5 bilhões. É impagável. Eles (a Receita Federal) cobram esse valor porque dizem que a Mude é uma importadora, mas quem pagava o IPI e o imposto de importação era o importador. Ele pagava todos os impostos e entregava a mercadoria.

 

Quem fazia a importação:  a What’s Up?

Não. A What’s Up era uma empresa contratada pelos importadores para gerenciar todo o fluxo de informação.

 

No processo, a What’s Up é colocada como o departamento de importação da Mude? 

Ela era uma prestadora de serviço, ela não desembaraçava produtos. 

 

Quem era o importador?

Teve a ABC, a Brastec e a Waytec. 

 

E qual era a relação da Mude com essas empresas?

Nenhuma. 

 

Essas empresas não eram operadas por laranjas?

Essa é a interpretação das autoridades. Mas a nossa área de compras se relacionava com empresas legalmente constituídas, que tinham sócios regulares e estavam em dia com o pagamento de impostos. 

 

Se a Mude não importava produtos, o que ela fazia?

A Mude era um distribuidor. O nosso principal objetivo era desenvolver o mercado. Não queríamos nos envolver com importação e logística. 

 

Não era responsabilidade do distribuidor fazer a importação?

Aí é que está. Quem, na verdade, fazia o pedido era o usuário final. Por essa lógica, o importador era o usuário final. A Mude estava no meio da cadeia para desenvolver os canais que vão vender o produto para o usuário final.

 

A Mude não tinha nenhum benefício com essa maneira de importar?

A única vantagem que tínhamos é relativa ao ICMS das importadoras, que indiretamente acabava beneficiando os consumidores. Mas, em relação ao IPI, não tínhamos nenhum benefício. 

 

Qual o apoio que a Cisco deu à Mude durante esse período? 

Eles não deram nenhum apoio. Ficamos surpresos, pois havia uma relação de sinergia. Estávamos sempre alinhados à estratégia deles. Eles simplesmente sumiram. 

 

O sr. Carlos Carnevali (ex-presidente da Cisco) era sócio oculto da Mude?

Não, nunca foi. A relação era de um cara que começou a operação da Cisco e passou a ser o nosso principal parceiro de negócio. Era uma relação comercial, de mercado.