Executivo entende que a Reforma Tributária precisa considerar as diferentes necessidades dos setores de modo a realmente gerar um resultado justo.

Os supermercados foram responsáveis por 7,03% do PIB do País em 2022, com faturamento somado de R$ 695,7 bilhões. Os 3,2 milhões de empregos diretos ou indiretos que o setor provê fazem dele um dos grandes geradores de renda. Os dados são Associação Brasileira de Supermercados (Abras), presidida por João Galassi. Apesar dos bons resultados e do seu status de essencialidade, os supermercados não estão fora das discussões e transformações do varejo ­— como perda do poder de compra do consumidor, digitalização e altos custos operacionais. “Temos um aperto do ponto de vista de empréstimos do setor bancário e uma taxa de juros real elevadíssima, o que gera um risco de desemprego tremendo e afeta diretamente o nosso setor”, afirmou Galassi. Nesta entrevista à DINHEIRO, o executivo falou também sobre a competitividade do setor, as expectativas para a reforma tributária, taxa de juros e ações de ESG, considerando as recentes denúncias de trabalho análogo à escravidão na cadeia de produção.

DINHEIRO – Como a inflação impacta o setor?
JOÃO GALASSI — Há dificuldade de repasse dos preços, mesmo sendo um setor com margens espremidas, porque há uma concorrência muito competitiva, o que é benéfico para a sociedade.

O que tem sido feito para contornar esse cenário de margens apertadas?
O grande desafio para poder sobreviver nesse ambiente é buscar eficiência operacional. Então, um dos papéis da Abras é traduzir isso da melhor forma para o setor supermercadista. Realizamos o evento Smart Market, no qual construímos todos os indicadores de performance — da área comercial, financeira, logística, recursos humanos e operacional ­— para que se tenha uma visão muito clara. Para que cada um saiba o que precisa buscar para se manter nesse mercado tão competitivo.

Os custos operacionais são grandes desafios. Como lidar com essa questão?
Um dos pontos mais importantes para ser eficiente é medir corretamente. Saber com exatidão quais são os indicadores eficientes nesse processo. Por isso nosso esforço de orientar o setor a trazer os melhores indicadores de performance por área. Isso envolve eficiência energética, redução dos desperdícios internos, escala e eficiência na cadeia… Não adianta um esforço brutal na ponta se a logística gera desperdício de produtos.

Dado o poder de negociação dos supermercados com a indústria, qual o caminho para manter a competitividade?
Só será possível com uma visão de nunca privilegiar uma empresa ou outra. Temos que obter uma política de preços por parte da indústria muito justa para mantermos essa capilaridade, que também é benéfica para eles com a garantia de margens melhores.

“Desperdiçamos toneladas de alimentos porque não temos um prazo de validade que seja compatível com as melhores práticas internacionais” (Crédito:Istock)

Como evitar o desperdício de alimentos?
Temos 98,2% de eficiência e 1,8% de desperdícios. E esse pequeno espaço depende de algumas mudanças regulatórias.

Quais mudanças são urgentes?
Por exemplo, precisamos simplificar o sistema de prazo de validade. Na Europa e nos Estados Unidos há um prazo de validade que se chama ‘melhor consumir até’, que não determina o fim do produto naquela data. No Brasil, desperdiçamos toneladas de alimentos simplesmente porque não temos um prazo de validade que seja compatível com as melhores práticas internacionais. No governo anterior, tivemos um pequeno avanço nas embalagens de hortifrúti picado. Já não existe mais data de validade nesses produtos. Com esse movimento, reduzimos em mais de 10% o desperdício nessa área.

No caso do hortifrúti o consumidor consegue ver o produto, o que não se aplica a todos os tipos de mercadoria. Então como fica a decisão de compra neses casos?
Nos países que adotam esse sistema, o produto tem um preço diferenciado e o consumidor decide se quer levar. Mas esse não é um movimento para o setor de supermercados, é um movimento para a sociedade, porque nas casas também há o prazo de validade do produto já comprado e que geralmente está indo para o lixo. Ao ampliar o prazo de validade, pode haver benefício na indústria, no supermercado e na casa do consumidor. Só no setor de supermercados, calculamos um benefício em torno de R$ 2 bilhões anualmente.

Quais são as suas expectativas com a Reforma Tributária?
Eu tenho inúmeras discordâncias com a Reforma Tributária como está sendo desenvolvida e estruturada. Primeiro, porque abandonamos de vez qualquer discurso sobre redução de custos. Não se fala mais em cortar gastos, em eficiência do Estado. Esse é o primeiro passo que deve voltar para agenda. Não podemos abandoná-lo porque ninguém vai aguentar pagar tanto imposto para superar tanto desperdício. Segundo ponto: não podemos tratar produtos essenciais e produtos de outras dimensões da mesma forma. Ou seja, ficar batendo na mesma tecla de ter uma alíquota única para o País inteiro e se não tiver tiver acaba fazendo com que um setor pague mais e outro pague menos. Perde qualquer sentido. A reforma tributária precisa falar não apenas em imposto único. Se for essa reforma proposta, de uma única alíquota, somos contra.

E no que diz respeito à cesta básica?
Temos que ter alíquota zero para cesta básica, não tem que discutir isso. Um dos meus sonhos era introduzir na cesta básica o absorvente feminino, a pasta de dente, a escova de dente, sabonete, fralda. Primeiro, é preciso escolher uma cesta básica justa, com esses grupos de produtos que são fundamentais, e alíquota zero. Depois, ter outra camada de alíquota para alimentos. Vamos ter quatro, cinco, seis alíquotas que possam compor todo esse arcabouço de necessidades diárias.

Um dos grandes desafios atuais do varejo é a taxa de juros, considerando principalmente a questão do acesso ao crédito. Como isso impacta os supermercados?
A grande alavanca de crescimento de vendas do setor é a renda em elevação e o desemprego em baixa. Tendo o Bolsa Família e um aumento real do salário mínimo, há instrumentos verdadeiros que vão fazer com que as pessoas consumam mais no supermercado. Por outro lado, nós somos totalmente dependentes do desempenho da economia local, que é massacrada pela atual taxa de juros. Ainda dentro desse contexto geral, há um aperto monetário fortíssimo criado pela inconsistência dos balanços da Lojas Americanas.

“A grande alavanca de crescimento de vendas dentro do setor é a renda em elevação e o desemprego em baixa” (Crédito:Istock)

O que essa combinação de fatores tem provocado nos supermercados?
Temos um aperto do ponto de vista de empréstimos do setor bancário e uma taxa de juros real elevadíssima, o que gera um risco de desemprego tremendo, e isso nos afeta diretamente. Ano passado, o setor investiu mais de R$ 15 bilhões e este ano já tem desaceleração.

Não compensa o investimento…
Esse dinheiro vai render muito mais aplicado no mercado financeiro do que investindo na loja, que gera retorno de longo prazo. Em um setor com margens espremidas e com risco tributário, não vivemos um momento tranquilo.

De que forma os pequenos e médios supermercados devem investir em digitalização para continuarem competitivos?
Existem algumas áreas em que a Abras tem que contribuir para que todas as empresas tenham o mesmo pé de igualdade na competição. São elas um um sistema bancário, um marketplace, um fundo de investimento para novas lojas, educação e tecnologia. Feitas em conjunto, podem contribuir para a competição entre as empresas e para o fortalecimento desse fluxo de negócios que existe dentro do setor. Para evitar entrantes, como o caso do iFood com os restaurantes. Para isso abrimos um marketplace, cujo objetivo é garantir que o setor tenha uma competição justa e que possa garantir tecnologia de ponta para todos os players.

Como a Abras se posicionou em relação aos casos de trabalho análogo à escravidão em setores da indústria?
Quando ocorreu o caso no Rio Grande do Sul, imediatamente nosso comitê entrou em contato com todas as empresas locais e protocolou um acordo por escrito para que pudéssemos ter o total cumprimento da lei.

Qual o papel do supermercado na pressão por posicionamentos mais éticos?
Criamos um comitê ESG dentro da Abras para discutir inúmeras pautas. Já o Fórum Nacional da Cadeia de Abastecimentos, que montamos há dois anos, tem como objetivo a pauta ESG e atua em cinco temas de trabalho. De forma geral, todos somos responsáveis por tudo. Mas como se dá essa responsabilidade? Não sendo leniente, principalmente depois que se tem consciência do tema.